Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

27 junho, 2011

De repente, as letras. O rosto no meio das letras, sufocado a um canto.

Mulheres e letras e o seu som, correndo na noite.

Letras correndo na noite, de porta em porta, de país em país, de continente em continente.

Mulheres que dão as letras à luz e as deixam, levadas pelo vento, como lenços.

Mulheres correndo na noite atrás das palavras, decifrando o que está dentro das palavras, para além das letras.

Mulheres que se perdem por palavras.

Mulheres pela tarde dentro, no Ginjal, o céu por cima, o Tejo correndo ao lado

De repente, as letras. O rosto sufocado como
se fosse abril num canto da noite.
O rosto no meio das letras, sufocado a um canto,
de repente.
Mulheres correndo, de porta em porta, com lenços
sufocados, lembrando letras, levando
lenços, letras - nas patas
negras, grandiosamente abertas.
Como se fosse abril, sufocadas no meio.
Era o som delas, como se fosse abril a um canto
de noite, lembrando.


(Fragmento de 'Ou o poema contínuo' de Herberto Helder - poesia em estado puro, de uma beleza quase excessiva)

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