Os dias vão passando, os meses, os anos, e o teu sorriso já não habita o meu olhar. Adormecia contigo no meu coração, acordava preparando-me para as tuas alavras. Até que um dia, sem palavras que nos ferissem, afastámo-nos. Cada um na sua casa, cada um na sa vida e tudo com a naturalidade de quem sempre soube que assim seria.
As noites nunca foram para nós, os despertares também não. O nosso breve encontro seria, sempre o soubémos, fugaz, um amor num beco sem saída. Sem culpa nos amámos, sem culpa nos separámos. Assim quiseram os deuses e nós, obedientes, aceitámos que os deuses decidissem por nós.
[Amores, desamores. Partilhemos o momento com Leonora e Ferdinando em La Favorita que se (des)entendem ali mais abaixo, logo a seguir à Alice Vieira]
Hoje de manhã no Jardim do Ginjal, rente ao Tejo |
Feliz é aquele que
tece o seu dia até ao fim
sem lágrimas
Álcman
E de repente o teu nome deixou de desaguar
no rio que te fazia nascer dentro de mim
e de repente ficámos muito longe e as palavras
feriam mais do que as tempestades
e tu disseste que no meu corpo se escondiam
todas as ameaças e naufrágios e que
nenhum deus conseguia aplacar-te a culpa
então entendi que não valia a pena
refazer a teia com que iludia a tua vinda
porque tinha chegado o momento de voltares para casa
entre o ladrar dos cães e os galos que
anunciavam a manhã
e o rasto das cidades
onde tínhamos sido deslumbradamente perfeitos
transformou-se num beco sem saída onde
a ira de todos os deuses me denunciava
(Poema de Alice Vieira in 'O que dói às aves')
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