Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

10 agosto, 2011

Espero tirar de mim o mais veloz apaixonamento e a inteligência mais pura

Sim, é verdade: percorro o campo e eu sou as árvores, eu sou as folhas que nascem, que voam, que caem, que nascem de novo.

É verdade, sim, que no meio da noite vejo o sol, e que, quando penso em ti, enfeito de raios o céu, tudo para que tenhamos sempre uma luz que nos guie, que nos ilumine.

Sim, meu amor, é verdade que não sei se é loucura, se é inocência, se é apenas um apaixonamento puro: sei apenas que quero afastar de ti a melancolia, quero depositar em ti as flores que nascem de mim, quero construir uma cidade que nós dois possamos habitar com a doçura do nosso amor.

Há pouco no Ginjal, rapariga junto ao Tejo vira as costas a Lisboa

(A Gare de Sta Apolónia, belo edifício azul celeste, logo ali)

Espero que o amor enleve a minha melancolia.
E flores sazonadas estalem e apodreçam
docemente no ar.
E a suavidade e a loucura parem em mim,
e depois o mundo tenha cidades antigas
que ardam na treva sua inocência lenta
e sangrenta.
Espero tirar de mim o mais veloz
apaixonamento e a inteligência mais pura.
- Porque as mulheres pensarão folhas e folhas
no campo.
Pensarão na noite molhada,
no dia luzente cheio de raios.


(Excerto de 'Ou o poema contínuo' de Herberto Helder - obra maior da Língua Portuguesa)

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