Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

29 maio, 2011

Vamos dar início à simples idade, música suave, simplicidade

O que nos deu o tempo, sabes dizer?

Deu-nos momentos perfeitos, secretos, sagrados, não foi?

A via que percorríamos fechou-se mas, agora que vives apenas na minha memória, continuas a fazer-me sorrir.

Já não espreitas as minhas pernas, já não fazes de tudo para lhes poder tocar, mas é ainda o teu sorriso que eu guardo dentro de mim, são ainda os dias de música suave, em que não tínhamos idade, em que nos isolávamos dentro do tempo, que eu desveladamente guardo no meu coração.  

Através de um buraco num velho guindaste no Ginjal, avisto um veleiro que atravessa o Tejo

Encaro o tempo difícil de passar, fantasio
sobre o que ele dá, sobre o que ele tira
e não dá mais ou volta ainda a trazer
Olho ansioso o tempo, sinto-o como um obstáculo
na via, passagem de nível estupidamente fechada
Soa a campainha da porta, o que trazes de mais
nu, as pernas, é o que vejo em primeiro lugar
musculadas, decididas. Vamos dar início
à simples idade, música suave, simplicidade
fazer no tempo um buraco, esconder-nos dentro


('Encaro o tempo difícil de passar' de Rui Caeiro in 'O Quarto Azul e outros poemas')

NB: Recomenda-se a leitura do poema enquanto se ouve o 'Não desistas de mim' de Pedro Abrunhosa (post abaixo)

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