Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

10 novembro, 2010

Nunca amaremos suficientemente quem nos esperou tanto

É meia noite e o meu amor tarda, eu não sei onde ele está. O combinado é não esperar, o nosso amor é clandestino.

Nunca amaremos suficientemente quem nos espera tanto. As palavras com que entretemos a espera são duras e tristes. Mas não precisamos de prometer nada: basta-nos saber que há-de haver sempre um dia em que chegaremos de novo a casa.

(Horas frágeis, equilíbrios frágeis - e contudo tão fortes - no Ginjal, local impregnado de uma frágil beleza)


Nunca amaremos suficientemente quem
nos esperou tanto
- assim os velhos deuses nos ensinaram a dizer
pousando as mãos sobre as nossas cabeças

mas    por favor    não prendas
as suas palavras às horas agora tão frágeis
em que apenas procuras uma definida razão
para a partida

ouve:
sabemos muito melhor que os deuses
que daqui a minutos     segundos
nada vai sobrar daquilo a que      tão fugazmente
chamaste amor

e as palavras com que entretemos a espera
são duras e tristes
como tudo o que fomos largando à beira do passeio
debaixo das janelas de persianas corridas

mas finalmente
não precisamos de ser perfeitos
nem de prometer nada
basta-nos saber que há-de haver sempre um dia
em que chegaremos de novo a esta casa

em que diremos de novo as velhas palavras
como se naquele momento as inventássemos
sabendo que a nossa vida
há-de ser sempre um desenho de criança
onde está tudo o que deus ordena
mas ninguém entende


(belíssimo, belíssimo poema de Alice Vieira in O que dói às aves)

PS: O texto na parte de cima do post está, estupidamente, com umas barras brancas que não consigo perceber nem, claro, anular. As minhas desculpas pelo aspecto, que é involuntário.

2 comentários:

  1. sim, uma frágil beleza, tão resistente...

    o poema é muito bonito.

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  2. A Alice Vieira, como Poeta, tem sido para mim uma feliz descoberta. Conhecia-a essencialmente dos livros para crianças, para jovens e, afinal, é também uma extraordinária escritora de poesia.

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