Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

30 janeiro, 2011

As histórias reais e as inventadas (a confirmar quando o dever chama)

Fechada no meu casulo secreto, agradeço o nosso amor que não é tardio - porque tudo tem o seu tempo certo.

E à noite mantenho-me acordada a pensar que sou a tua menina, que sempre serei a tua menina enquanto fores o meu rapaz, o meu querido rapaz, e que comigo viverá para sempre o teu jeito manso de me amar.

Meu amor.

Casal no Elevador Panorâmico do Ginjal, visto do lado de Almada, o Tejo e Lisboa lindos, luminosos

As histórias reais
e as inventadas a confirmar
quando o dever chama
trazem-me a inquietação atada por fios
que partem do mundo
e adio secretamente o voo
do casulo suado.

Dentro e em metamorfose
o pensamento reorganiza-se
e agradeço a Ariadne
o nosso encontro tardio
e a prevenção aproxima a crença
iluminada à noite
no meu hábito de dormir
muito acordado.

(Casulo suado de Emerenciano in Ir & Vir)

O Meu Amor por Chico Buarque

Uma canção especial para mim, de cuja letra retirei o nome do meu outro blogue, o Um Jeito Manso



O meu amor tem um jeito manso que é só seu
E que me deixa louca quando me beija a boca
A minha pele toda fica arrepiada
E me beija com calma e fundo
Até minh'alma se sentir beijada

O meu amor tem um jeito manso que é só seu
Que rouba os meus sentidos, viola os meus ouvidos
Com tantos segredos lindos e indecentes
Depois brinca comigo, ri do meu umbigo
E me crava os dentes

Eu sou sua menina, viu? E ele é o meu rapaz
Meu corpo é testemunha do bem que ele me faz

O meu amor tem um jeito manso que é só seu
Que me deixa maluca, quando me roça a nuca
E quase me machuca com a barba mal feita
E de pousar as coxas entre as minhas coxas
Quando ele se deita

O meu amor tem um jeito manso que é só seu
De me fazer rodeios, de me beijar os seios
Me beijar o ventre e me deixar em brasa
Desfruta do meu corpo como se o meu corpo
Fosse a sua casa

Eu sou sua menina, viu? E ele é o meu rapaz
Meu corpo é testemunha do bem que ele me faz

(Letra de O meu amor de Chico Buarque de Holanda)

27 janeiro, 2011

Deixa tocar-te para sentir o que sinto ao tocar-te

Só contigo sinto o que sinto ao tocar-te.
Quando estou contigo ou  mesmo quando, simplesmente, converso contigo, tenho aquela estranha sensação de não pensar.
Nem preciso porque o tempo flui, as palavras fluem, os sentimentos fluem. Para quê, então, pensar? Não é preciso nem há tempo para isso.
Nessas alturas sou primitiva, sou corpo, sou, na verdade, apenas eu, só eu, toda eu.
Sabes isso, não sabes?

(Sedução às portas do Ginjal, no cais de embarque para Lisboa, em Cacilhas)

Toco-me
e não sinto
o que sinto
ao tocar-te.

Deixa tocar-te
para sentir
o que sinto
ao tocar-te
uma sensação
estranha
de não sentar.

Ainda sou
primitivo
ou primeiro
não sei bem
corpo da língua
que me faz
dizer sem tocar-te
corpo que és
e eu sou arrasto
do difícil do acto
de ligar-me.

[Desejo de Emerenciano in Ir & Vir (palavras & imagens), livro diferente e interessante que se recomenda]

Luz Vaga pelos Mesa

O great performer Rui Reininho, aqui muito comedido, empresta o seu inconfundível trimbre aos Mesa. 



Luz vaga, luz vesga, a tua cruz
Já não sai da cama, a minha luz
Da sala, do quarto
Pilha a palavra
Troca a quantidade, do assunto modal
A tensão está normal
O lábio fora da boca,
A boca fora do mal
Os teus olhos não são de gente
O teu ar foge para cima
Tens a perna no cimento,
Tens a mão no pensamento
Ciclope, cicloturismo
Na parte de fora, na nesga do abismo
Imaginário que remete, para onde ainda não fui
Convite ao Universo
Com a tua própria câmara
Fecho a luz num olho
Prego a tábua à sensação
Som da casa, quando não estás...
Dancei para te ver aqui,
eu sei que nada mais pode me ajudar
É do nono andar? Sim
Quis pedir ajuda, mas a língua estava morta
Sei lá! Parei de olhar,
tenho uma corda acesa, prestes a queimar
Não és capaz de me levar a sério.
Vou saltar em teu lugar.
Sei que nada mais pode me ajudar
Atrasa o passo
Leva o lenço à boca
Fica na mira do choque frontal
Não é doença, é um animal
Um ruído feito no acto de fingir
seres mau, mesmo a dormir

(Letra de Luz Vaga, composição dos Mesa)

26 janeiro, 2011

Ela deu-me eternidade... e fez mal

Nisto de amores não é bom a ilusão.
Nisto de amores não se deve fazer planos para o futuro, não deve haver amanhã, muito menos eternidade.
Nisto de amores apenas deve haver o hoje (o passado também é irrelevante).
Nisto de amores é bom que durem e que, apesar disso, os cheiros não se misturem porque a identidade individual é um bem inalienável.

(Mulher embarca para Lisboa, em Cacilhas - "o amor acabou")

Ela deu-me eternidade
em papel de aniversário
embora não fossem os meus anos.
Fez-me mal, agora
que o cheiro dela e o meu
já se tinham misturado.
Prenda de namorados, o símbolo
era ilusório,
e o amor acabou antes ainda
do frasco.

(Eternity [for men] de Pedro Mexia - que deve escolher melhor os perfumes, ou quem lhos dá)

O corpo é que paga pelos Humanos

Uma canção das que fica para além do autor e intérprete original (o inesquecível António Variações) - aqui interpretada pelos Humanos.


Quando a cabeça….
Quando a cabeça não tem juizo
Quando te esforças mais do que é preciso
O corpo é que paga
O corpo é que paga
Deixa´ó pagar deixa´ó pagar
Se tu estás a gostar
Quando a cabeça não se liberta
Das frustaçoes inibiçoes toda essa força
Que te aperta o corpo é que sofre
As privaçoes mutilaçoes (lap tap tere ...)
Quando a cabeça está convencida
De que ela é a oitava maravilha
O corpo é que sofre
O corpro é que sofre
Deixa´ó sofrer deixa´ó sofre
Se isso te dá prazer
Quando a cabeça está nessa confusão
Já sem saber que hás-de fazer, e já és tudo o que te vem à mão
O corpo é que fica
Fica a cair sem resistir (lap tap tere ...)
Quando a cabeça rola pro abismo
Tu não controlas esse nervosismo
A unha é que paga
A unha é que paga
Não paras de roer
Nem que esteja a doer
Quando a cabeça não tem juizo
E tu não sabes mais do que é preciso
O corpo é que paga
O corpo é que paga
Deixa´ó pagar deixa´ó pagar
Se tu estás a gostar
Deixa´ó sofrer deixa´ó sofrer
Se isso te dá prazer
Deixa´ó cantar deixa´ó cantar
Se tu estás a gostar
Deixa´ó beijar deixa´ó beijar
Se tu estás a gostar
Deixa´ó gritar deixa´ó gritar
Se tu estás a libertar

(Letra de O corpo é que paga, composição de António Variações)

25 janeiro, 2011

Enganei-me julgando que era fácil esquecer a funda melodia entre nós

Será cobardia esta minha forma de viver? Julguei que era fácil esquecer os teus gestos, o teu olhar.

Mas não é.

Sento-me aqui à noite, sozinho, a luz reflecte-se no rio, e eu escrevo apenas iluminado por este luar azul, como se te estivesse a escrever uma carta, 'meu amor, meu amor, quel solitude, mon amour'.

E, assim, vou esperando por ti até que a noite se faça madrugada.

Jovem sentado junto à base do Farol de Cacilhas, numa destas noites frias, junto a um Tejo quase cintilante sob a luz da Lua

Enganei-me julgando que podia
Facilmente deixar de pertencer
A esta dolorosa cobardia
De que é feito afinal o meu viver.

Sim, julguei que era fácil esquecer
A penetrante e funda melodia
Que entre nós é frequente aparecer
Num gesto ou num olhar de simpatia...

Mas ai!, mal me encontrei na solidão
Partiu-se todo o aprumo da firmeza
De encontro à minha eterna sujeição...

Era impossível! Não direi mais nada
- O resto é perguntar à natureza
Se a noite vai além da madrugada.


(Soneto de António Botto)

Solitude por Rodrigo Leão e voz de Ana Vieira

Rodrigo Leão sempre tão inspirado...

E a Ana Vieira, que voz tão 'encorpada', tão adequada às composições de Rodrigo Leão.




Ah, j’aime biens l’espoir quand s’on va
Dans les ailes froides de ton âme
C’est si grand le désir de ta voix
Mais ces vagues énormes m’entrainent
Mon cœur dis moi
Pourquoi cette douleur
Je vois la peur dans tes yeux
Et toi, non, tu n’es pas seul
Il faut tuer la solitude en toi
Ah, j’aime biens l’espoir quand s’on va
Mais ces vagues énormes m’entraine
Mon cœur dis moi
Pourquoi cette douleur
Je vois la peur dans tes yeux
Et toi, tu n’es pas seul
Il faut tuer la solitude en toi

(Letra de Solitude de Rodrigo Leão)

24 janeiro, 2011

Por ti dou tudo, mais do que eu possa de mim

Por ti me divido, por ti dou tudo, para ti guardo o meu coração independente, coração que não comando, a ti te procuro todos os dias, imaginando que estás perto, por ti todos os dias parto deste porto em que me encontro.

Pequeno barco, avistado do Ginjal, atravessa o Tejo, ontem bastante picado, num dia de tantas e cinzentas nuvens duras

Por ti dou tudo, mortes, mais do que eu
possa de mim ou nada ser ou estar;
por ti me vejo e sujo, e sou sandeu,
viajo sem bilhete a marear

mareado de quem, ou em que passo
pr'a outro continente que contenha
fidelíssima a históri que te faço
antes que conte, ou cante, ou livre venha

imitar os sossegos e as agruras
das algas-picos sob o sol caído
de tantas e cinzentas nuvens duras.

Por te me fino, fano, e me divido
entre a noite de vela em que me curas
e o dia perto, porto, parto ferido.


(Belíssimo soneto de Pedro Támen)

Estranha Forma de Vida pela Mariza

Mariza no início da sua carreira, cabelinho ainda escuro, mas já o fantástico pescoço longo valorizado por vistosas gargantilhas, a mesma figura carismática, as toilettes de bom gosto, a fantástica voz e alma de fadista.




Foi por vontade de Deus
que eu vivo nesta ansiedade.
Que todos os ais são meus,
Que é toda a minha saudade.
Foi por vontade de Deus.

Que estranha forma de vida
tem este meu coração:
vive de forma perdida;
Quem lhe daria o condão?
Que estranha forma de vida.

Coração independente,
coração que não comando:
vive perdido entre a gente,
teimosamente sangrando,
coração independente.

Eu não te acompanho mais:
para, deixa de bater.
Se não sabes onde vais,
porque teimas em correr,
eu não te acompanho mais.

 
(Letra de Estranha Forma de Vida de Amália Rodrigues)

23 janeiro, 2011

Eras o primeiro dia inteiro e puro, eras a pureza e a força do mar

Vejo-te luminoso quando abres os teus longos braços. Vens puro, falas do mar, do vento dos grandes espaços, falas de amor. O nosso coração bate em uníssono, num ritmo que é só nosso, secreto.

E em cada madrugada te sinto junto a mim, talvez trazido pela brisa marinha.

(Hoje, no Ginjal, num dia de frio cortante, uma gaivota no preciso momento em que levanta voo, sobre o Tejo, para atravessar o vento destes magníficos espaços)

Eras o primeiro dia inteiro e puro
Banhando os horizontes de louvor.

Eras o espírito a falar em cada linha
Eras a madrugada em flor
Entre a brisa marinha.
Eras uma vela bebendo o vento dos espaços
Eras o gesto luminoso de dois braços
Abertos sem limite.
Eras a pureza e a força do mar
Eras o conhecimento pelo amor.

Sonho e presença
de uma vida florindo
Possuída  suspensa.

Eras a medida suprema, o cânon eterno
Erguido puro, perfeito e harmonioso
No coração da vida e para além da vida
No coração dos ritmos secretos.


(Apolo Musageta de Sophia de Mello Breyner Andresen, um poema luminoso neste dia cinzento)

Tourada pelo Fernando Tordo e Raquel Tavares

Uma canção emblemática no dia de hoje, dia de abstenção, dia de desconforto para os eleitores que não se reviram nos candidatos. Um dia que marca o desagrado da população perante o rumo que o regime está a tomar, um rumo que conduz à regressão da qualidade da classe política.

A Tourada - aqui interpretada pelo intérprete original, o Senhor Fermando Tordo e também por uma fadista de alma, a Raquel Tavares - rompeu com o silêncio vigente à data e animou os descontentes.



Não importa sol ou sombra
camarotes ou barreiras
toureamos ombro a ombro
as feras.

Ninguém nos leva ao engano
toureamos mano a mano
só nos podem causar dano
espera.

Entram guizos chocas e capotes
e mantilhas pretas
entram espadas chifres e derrotes
e alguns poetas
entram bravos cravos e dichotes
porque tudo o mais
são tretas.

Entram vacas depois dos forcados
que não pegam nada.
Soam brados e olés dos nabos
que não pagam nada
e só ficam os peões de brega
cuja profissão
não pega.

Com bandarilhas de esperança
afugentamos a fera
estamos na praça
da Primavera.

Nós vamos pegar o mundo
pelos cornos da desgraça
e fazermos da tristeza
graça.

Entram velhas doidas e turistas
entram excursões
entram benefícios e cronistas
entram aldrabões
entram marialvas e coristas
entram galifões
de crista.

Entram cavaleiros à garupa
do seu heroísmo
entra aquela música maluca
do passodoblismo
entra a aficionada e a caduca
mais o snobismo
e cismo...

Entram empresários moralistas
entram frustrações
entram antiquários e fadistas
e contradições
e entra muito dólar muita gente
que dá lucro as milhões.

E diz o inteligente
que acabaram as canções.

(Letra de Tourada, de José Carlos Ary dos Santos)

20 janeiro, 2011

Quantas vezes te digo que és para mim o meu homem amado?

Tão bom ouvir-te, saber que em ti ecoam as minhas palavras, saber que, para ti, existo como no dia em que, no espelho, os dois fomos um.
Não preciso de te dizer, pois não?, que para mim és o meu homem amado. Guardo os teus beijos comigo.

For ever.

(Casal de namorados em Cacilhas, à noite, bem pertinho do Tejo)

Quantas vezes te digo
quantas vezes...
que és para mim
o meu homem amado?

O que chega primeiro
e só parte por vezes
antes de eu perceber
que já tinhas voltado

Quantas vezes te digo
quantas vezes...
que és para mim
o meu homem amado?

Aquele que me beija
e me possui
me toma e me deixa
ficando a meu lado

Quantas vezes te digo
quantas vezes...
que és para mim
o meu homem amado?

Que sempre me enlouquece
e só aí percebo
como estava perdida
sem te ter encontrado


(Referência de Maria Teresa Horta)

Se eu fosse um dia o teu olhar por Pedro Abrunhosa

Um dos grandes hits de Pedro Abrunhosa.


u

Frio
O mar
Por entre o corpo
Fraco de lutar
Quente,
O chão
Onde te estendo
Onde te levo a razão.
Longa a noite
E só o sol
Quebra o silêncio,
Madrugada de cristal.
Leve, lento, nu, fiel
E este vento
Que te navega na pele.
Pede-me a paz
Dou-te o mundo
Louco, livre assim sou eu
(Um pouco +...)
Solta-te a voz lá do fundo,
Grita, mostra-me a cor do céu.

Se eu fosse um dia o teu olhar,
E tu as minhas mãos também,
se eu fosse um dia o respirar
E tu perfume de ninguém.
Se eu fosse um dia o teu olhar,
E tu as minhas mãos também,
se eu fosse um dia o respirar
E tu perfume de ninguém.

Sangue,
Ardente,
Fermenta e torna aos
Dedos de papel.
Luz,
Dormente,
Suavemente pinta o teu rosto a
pincel.
Largo a espera,
E sigo o sul,
Perco a quimera
Meu anjo azul.
Fica, forte, sê amada,
Quero que saibas
Que ainda não te disse nada.
Pede-me a paz
Dou-te o mundo
Louco, livre assim sou eu
(Um pouco +...)
Solta-te a voz lá do fundo,
Grita, mostra-me a cor do céu.

(Letra de Se eu fosse um dia o teu olhar, composição de Pedro Abrunhosa)

19 janeiro, 2011

A vida passa e em passar consiste mas, na minha saudade, a primavera persiste

Lembras-te de quando me vias a caminhar e achavas que eu era diferente de qualquer outra?

Hoje estou assim: a saudade a doer, uma dor que ao doer é só minha, como é grande a vontade de te ver.

(Mulher no largo de Cacilhas, à noite)


Eu sei que Deanie Loomis não existe
mas entre as mais essa mulher caminha
e a sua evolução segue uma linha
que à imaginação pura resiste
A vida passa e em passar consiste
e embora eu não tenha a que tinha
ao começar há pouco esta minha
evocação de Deanie quem desiste
na flor que dentro em breve há-de murchar?
(e aquele que no auge a não olhar
que saiba que passou e que jamais
lhe será dado a ver o que ela era)
Mas em Deanie prossegue a primavera
e vejo que caminha entre as mais


 
Esplendor na Relva de Ruy Belo in O Bosque Sagrado e em Poemas com Cinema)

A Sós com a Noite pela Ana Moura

Um fado triste, um fado cheio de saudade na voz sofrida da bonita Ana Moura.



A luz que se arredonda
Alongando uma sombra sozinha
A saudade a bater
Uma dor que ao doer é só minha

Um desvio inquieto
Um olhar indiscreto na esquina
Um rapaz de blusão
Arrastando pela mão a menina

Passa um velho a pedir
Incapaz de sorrir pelos passeios
Um travesti que quer
Assumir-se mulher sem receios

O alarme de um carro
Um cigarro apagado indulgente
Um cheiro inusitado
O semáforo fechado para a gente

Sobe o fado de tom
E o fadista que é bom improvisa
Estão em saldos sapatos
Desce o preço dos fatos de cor lisa

Um eléctrico cheio
Uma voz de permeio vai chover
Bate forte a saudade
Como é grande vontade de te ver

(Letra do fado A sós com a Noite)

17 janeiro, 2011

Cinema fechado, melancólico o arrumador, portões a cadeado

No Ginjal estamos como numa sala de cinema a céu aberto. O Tejo e Lisboa são dois magníficos cenários e os personagens variam de dia para dia, usam uma incrível variedade de figurinos, e o argumento nunca é o mesmo.

Ao contrário do poema do Pedro Mexia, melancólico comme lui-même, aqui raramente o cinema é triste, os personagens riem, observam, conversam, passeiam e, portanto, raramente o filme tem um final infeliz.

Tal como os cinemas têm um cheiro característico, também aqui, no Ginjal, há um cheiro muito próprio mas é um cheiro a maresia, a restos de isco, a redes.

(Imponente perfil de um homem (que me fez lembrar Hitchcock) na estação de embarque de Cacilhas, à beira do Ginjal, Lisboa ao fundo, esbatida nestas manhãs de neblina)

Cinema fechado, melancólico
o arrumador, portões
a cadeado, ruído abafado de matinés,
fria a rua, de lado a lado, a cena
em cinemascope restaurado
mas a memória no negrume horizontal,
premeditado, das barras.

(Cinema Fechado de Pedro Mexia in Eliot e Outras Observações ou in Poemas com Cinema)

16 janeiro, 2011

Flagra (No escurinho do cinema) por Rita Lee

Escolhi hoje uma música do Brasil porque daqui quero dizer aos meus leitores brasileiros que é com emoção que acompanho a desgraça enorme que, sob a forma de chuva e lama, parece estar a desabar sobre tantos e tantos habitantes do Brasil.

Desejo que, rapidamente, pare de chover e que, aos poucos, a vida vá regressando ao normal.



Lará! Lararararará!
Larará! Lararararará!

No escurinho do cinema
Chupando drops de anis
Longe de qualquer problema
Perto de um final feliz...

Se a Deborah Kerr
Quer o Gregory Peck
Não vou bancar o santinho
Não!
Minha garota é Mae West
Eu sou o Sheik Valentino..
Mas de repente o filme pifou
E a turma toda logo vaiou
Acenderam as luzes
Cruzes!
Que Flagra!
Que Flagra!
Que Flagra!
Uauauauauá!
Larará! Larará...

No escurinho do cinema
Chupando drops de anis
Longe de qualquer problema
Perto de um final feliz...

Se a Deborah Kerr
Que o Gregory Peck
Não vou bancar o santinho
Não vou não!
Minha garota é Mae West
Eu sou o Sheik Valentino..
Mas de repente o filme pifou
E a turma toda logo vaiou
Acenderam as luzes
Cruzes!
Que Flagra!
Que Flagra!
Que Flagra!
Uauauauauá!...
Lará! Lará! Larará!
Lará! Lará! Larará!
Larará Lalari! Lalari!
No Escurinho do Cinema!

(Letra de Flagra de Roberto de Carvalho e Rita Lee)

13 janeiro, 2011

Nesta fase em que só o amor me interessa

Vou à janela e, enquanto observo o voo das gaivotas e dos pombos, espero que a memória me traga o amor dos teus olhos, a tua imagem atravessando a rua, a espreitar à minha porta.

Mas a memória já pouco me traz.

Tanto faz.

Há tanto amor na imagem feliz de Lisboa, do Tejo banhado de sol ou coberto de neblina.

(Em dia de mau tempo, uma gaivota em terra, em Cacilhas, à beira do Ginjal, convivendo fraternamente com um pombo)


Nesta fase em que só o amor me interessa
o amor de quem quer que seja
do que quer que seja
o amor de um pequeno objecto
o amor dos teus olhos
o amor da liberdade

o estar à janela amando o trajecto voado
das pombas na tarde calma

nesta fase em que o amor é a música de rádio
que atravessa os quintais
e a criança que corre para casa
com um pão debaixo do braço

nesta fase em que o amor é não ler os jornais

podes vir podes vir em qualquer caravela
ou numa nuvem ou a pé pelas ruas
- aqui está uma janela acolá voam as pombas -

podes vir e sentar-te a falar com as pálpebras
pôr a mão sob o rosto e encher-te de luz

porque o amor meu amor é este equilíbrio
esta serenidade de coração e árvores

(Convite de Egito Gonçalves)

Cantigas do Maio por Carlos do Carmo e Bernardo Sassetti

Uma canção intemporal (do Zeca), um intérprete de qualidade (Carlos do Carmo), um músico que transmite uma vida vibrante quando as suas mão pousam no piano, seja para tocar jazz, clássica, ou música ligeira (Bernardo Sassetti).

Um bom CD, uma boa música esta.




Eu fui ver a minha amada
Lá p'rós baixos dum jardim
Dei-lhe uma rosa encarnada
Para se lembrar de mim

Eu fui ver o meu benzinho
Lá p'rós lados dum passal
Dei-lhe o meu lenço de linho
Que é do mais fino bragal


Minha mãe quando eu morrer
Ai chore por quem muito amargou
Para então dizer ao mundo
Ai Deus mo deu Ai Deus mo levou

Eu fui ver uma donzela
Numa barquinha a dormir
Dei-lhe uma colcha de seda
Para nela se cobrir

Eu fui ver uma solteira
Numa salinha a fiar
Dei-lhe uma rosa vermelha
Para de mim se encantar

Minha mãe quando eu morrer
Ai chore por quem muito amargou
Para então dizer ao mundo
Ai Deus mo deu Ai Deus mo levou

Eu fui ver a minha amada
Lá nos campos eu fui ver
Dei-lhe uma rosa encarnada
Para de mim se prender

Verdes prados, verdes campos
Onde está minha paixão
As andorinhas não param
Umas voltam outras não

Minha mãe quando eu morrer
Ai chore por quem muito amargou
Para então dizer ao mundo
Ai Deus mo deu Ai Deus mo levou

(Letra de Cantigas de Maio, de José Afonso)

12 janeiro, 2011

Daqui, desta Lisboa compassiva, deste Ginjal contemplativo

Não mais tristeza vil e apagada; se é para isso, paciência amigos meus, peguem lá o soneto e vão com Deus...

(Motoreta que não embarcou para Lisboa, em Cacilhas)


Daqui, desta Lisboa compassiva,
Nápoles por Suíços habitada,
onde a tristeza vil, e apagada,
se disfarça de gente mais activa;

Daqui, deste pregão de voz antiga,
deste traquejo feroz de motoreta
ou do outro de gente mais selecta
que roda a quatro a nalga e a barriga;

Daqui, deste azulejo incandescente,
da soleira da vida e piaçaba,
da sacada suspensa no poente,
do ramudo tristôlho que se apaga;

Daqui, só paciência, amigos meus !
Peguem lá o soneto e vão com Deus...

(Daqui, desta Lisboa de Alexandre O'Neill)

Eu tenho um melro pelos Deolinda

Uma vez mais os Deolinda e mais uma vez um video de fraca qualidade. Mas a canção compensa, é das que mais gosto.



Eu tenho um melro
que é um achado.
De dia dorme,
à noite come
e canta o fado.

E, lá no prédio,
ouvem cantar...
E já desconfiam
que escondo alguém
para não mostrar.

Eu tenho um melro,
lá no meu quarto.
Não anda à solta,
porque, se ele voa,
cai sobre os gatos.

Cortei-lhe as asas
para não voar.
E ele faz das penas
lindos poemas
para me embalar.

Melro, melrinho,
e se acaso alguém te agarrar,
diz que não andas sozinho
que és esperado no teu lar.

Melro, melrinho
e se, por acaso, alguém te prender,
não cantes mais o fadinho,
não me queiras ver sofrer.

E não voltes mais,
que estas janelas não as abro nunca mais.

Eu tenho um melro
que é um prodígio.
Não faz a barba,
não faz a cama,
descuida o ninho...

Mas canta o fado
como ninguém.
Até me gabo
que tenho um melro
que ninguém tem.

Eu tenho um melro...
(-Que é um homem!)
Não é um homem...
(-E quem há-de ser?!)
É das canoras aves
aquela que mais me quer.

(-Deve ser homem!)
Ah, pois que não!
(Então mulher?)
Há de lá ser!?
É só um melro
com quem dá gosto adormecer.

Melro, melrinho...[refrão]
E não voltes mais,
que a tua gaiola serve a outros animais.

(Letra de Melro, composição de Pedro da Silva Martins dos Deolinda)

Gozosos, eu e a velha, ali ficamos

Haja alegria.

Estou farta de depressões, de saudosismos, de tristezas.

Viva a ironia!

Viva a alegria de viver!

('Dava-me um jeitão... para ligar à velha inglesa' -  Em Cacilhas, à beirinha do Ginjal)

Expõe ao sol a perna escalavrada,
no jardim do Principe Real,
uma velha inglesa. Não há nada
tão bonito (pra mim), so natural.

E conversamos: “Helioterapia
medicina barata em Portugal “.
Accionista do sol, ajudo à missa:
But, não muito, que senão faz mal “.

Gozosos, eu e a velha, ali ficamos
à mercê de meninos marçanos.
Ela, a inglesa, de perninha à vela;
e eu, o português, à perna dela.

Talvez que, se Briol nos conservara,
Alguém um dia nos ajardinara.
 
(Os lagartos ao Sol, de Alexandre O'Neill)

11 janeiro, 2011

Monogamia pelo B Fachada

Um tipo muito louco... Mas fazem faltas pessoas assim.



Na hora de se apaixonar
a Maria escolhe bem
E como eu escolho assim também
resolvemos experimentar
Mas o teu gosto por mandar
ai o teu tom cruel de mãe
É bom para a cruz e para o desdém
é bom para o karma desbundar
e só é mau para o nosso lar

E como eu já não tenho idade
para os caprichos da Maria
Vou deixar a monogamia
e dedicar-me à castidade
E como eu já não tenho idade
para os caprichos da Maria
Vou deixar a monogamia
e dedicar-me à castidade

Quando um gajo tenta em vão
não apanhar por coisas vãs
Vais dando logo pelas manhãs
miminhos teus do coração
Mas como o sol turva a visão
não vês as deusas, que pagãs
que dão um quilo de maçãs
para te lançar na perdição
Vem a discórdia rir-se ou não

E como a minha pequena vontade
cada vez mais se atrofia
Vou deixar a monogamia
e dedicar-me à castidade
E como a minha pequena vontade
cada vez mais se atrofia
Vou deixar a monogamia
e dedicar-me à castidade

Quando um dia o que eu ouvi
foi mais do que eu pude entender
Não sobrou nada que fazer
a solução não estava ali
Arrumei-me e fuji
falta-te um palmo para mulher
E se tu não queres crescer
é melhor partir sem ti
Já pensei, decidi.

(Letra de Monogamia, de B Fachada)

Só quem procura sabe como há dias de imensa paz deserta

É isto o desencontro, nada coexiste, nenhum gesto a um gesto corresponde, é uma solidão sem fim, sem nome algum.

Em frente deste paredão pergunto: é dor? É saudade?

E nenhuma voz me responde.

(A tristeza de uma árvore morta, arrastando-se pesadamente nas águas barrentas de um Tejo em dia de mau tempo, no Ginjal)


Só quem procura sabe como há dias
de imensa paz deserta; pelas ruas
a luz perpassa dividida em duas:
a luz que pousa nas paredes frias,
)

outra que oscila desenhando estrias
nos corpos ascendentes como luas
suspensas, vagas, deslizantes, nuas,
alheias, recortadas e sombrias.

E nada coexiste. Nenhum gesto
a um gesto corresponde; olhar nenhum
perfura a placidez, como de incesto,

de procurar em vão; em vão desponta
a solidão sem fim, sem nome algum -
- que mesmo o que se encontra não se encontra.


(Desencontro de Jorge de Sena, in 'Post-Scriptum'

Pode alguém ser quem não é? por Sérgio Godinho e Joana, da Operação Triunfo

Uma canção cujo título invoco frequentemente: Pode alguém ser quem não é? Não, não pode.



Senhora de preto
diga o que lhe dói
é dor ou saudade
que o peito lhe rói
o que tem, o que foi
o que dói no peito?
É que o meu homem partiu

Disse-me na praia
frente ao paredão
"tira a tua saia
dá-me a tua mão
o teu corpo, o teu mar
teu andar, teu passo
que vai sobre as ondas, vem"


Pode alguém ser quem não é?
Pode alguém ser quem não é?
Pode alguém ser quem não é?


Seja um bom agoiro
ou seja um bom presságio
sonhei com o choro
de alguém num naufrágio
não tenho confiança
já cansa este esperar
por uma carta em vão


"Por cá me governo"
escreveu-me então
"aqui é quase Inverno
aí quase Verão
mês d´Abril, águas mil
no Brasil também tem
noites de S. João e mar".


Pode alguém ser quem não é?
Pode alguém ser quem não é?
Pode alguém ser quem não é?


Mar a vir à praia
frente ao paredão
"tira a tua saia
dá-me a tua mão
o teu corpo, o teu mar
teu andar, teu passo
que vai sobre as ondas, vem"


Pode alguém ser livre
se outro alguém não é
a corda dum outro
serve-me no pé
nos dois punhos, nas mãos
no pescoço, diz-me:
Pode alguém ser quem não é?


Pode alguém ser quem não é?
Pode alguém ser quem não é?
Pode alguém ser quem não é?

(letra de Pode alguém ser quem não é? de Sérgio Godinho)

09 janeiro, 2011

E se em vez das palavras fosse um eco de pura solidão?

Talvez o presente seja quase nada, talvez em vez da memória só haja solidão, ou talvez tudo não passe de um jogo de ausências, um espelho que já não devolve a nossa imagem.

'Talvez aquilo que olhas seja nada, náufrago de ti mesmo'

(Homem olha o Tejo, no Ginjal, num dia cinzento, o céu limitado pelas traves da Ponte)


E se em vez das palavras fosse um eco
de pura solidão que te chamava?
E se em vez doutro nada fosse um erro
e se em vez do presente fosse nada?

E se em vez da memória fosse o sopro
da pura solidão adormecida?
E se em vez da ausência fosse o corpo
e se em vez de um só verso fosse a vida?

É só jogo de ausências este verso
ou espelho de uma leve madrugada,
feito engano de luzes e disperso
batimento de remos na jangada?

(Náufragos de nós mesmos sem saber
as imagens que o verso quis perder).


(Incipit, à memória de David Mourão-Ferreira, mais um belíssimo soneto do poeta diplomata Luís Filipe Castro Mendes)

Nuvem Negra por Gal Costa, Chico Buarque de Holanda e Djavan

Três grandes da música brasileira, Chico, Gal e Djavan, um momento feliz de convergência em torno de uma composição de Djavan.

n

Não adianta me ver sorrir
Espelho meu
Meu riso é seu
Eu estou ilha ... da
Hoje não ligo a TV
Nem mesmo pra ver o Jô
Não vou sair
Se ligarem não estou
À manhã que vem
Nem bom-dia eu vou dar
Se chegar alguém
A me pedir um favor
Eu não sei

Tá difícil ser eu
Sem reclamar de tu ...do
Passa nuvem negra
Larga o dia
E vê se leva o mal
Que me arrasou
Pra que não faça sofrer mais ninguém
Esse amor que é raro
E é preciso
Pra nos levantar
Me derrubou
nao sabe parar de crescer
e doer

07 janeiro, 2011

Adivinhamos inquietos os olhos e o poema dos dois corpos

Numa noite de chuva e relâmpagos, inquietos os meus olhos, inquieta eu, relembro o tempo em que os nossos corpos eram um poema.

É isto, afinal a vida, um dia passando após outro.


(Dois corpos no Ginjal, sobre o Tejo, Lisboa logo ali)


Adivinhamos inquietos os olhos
e o poema dos dois corpos.

A nossa vida tem sido um passar
sem pedir licença.

Um dia e outro dia depois,
como quem adestra relâmpagos.


(de Eduardo Pitta)

Dunas pelos GNR

Uma canção que ficou e vai ficar: Dunas.

Rui Reininho, um crazy man, vocalista dos GNR, em dia inspirado.




Dunas, são como divãs,
Biombos indiscretos de alcatrão sujo
Rasgados por cactos e hortelãs,
Deitados nas Dunas, alheios a tudo,
Olhos penetrantes,
Pensamentos lavados.

Bebemos dos lábios, refrescos gelados (refrão)
Selamos segredos,
Saltamos rochedos,
Em camara lenta como na TV,
Palavras a mais na idade dos "PORQUÊ"
Dunas, como que são divãs
Quem nos visse deitados de cabelos molhados bastante enrolados
Sacos camas salgados,
Nas Dunas, roendo maçãs
A ver garrafas de óleo boiando vazias nas ondas da manhã
Bebemos dos lábios, refrescos gelados,
nas dunas!
Em camara lenta como na TV,
Nas dunas..
Nas dunas..
Naasss duunas...
Naasss duunas..
Refrescos gelados...
Como na Tv.
Nas duunas..

(Letra de Dunas, composição dos GNR)

05 janeiro, 2011

Talvez além do que tu vês não esteja nada, nem a alada criatura com que sonhas

Aprende a nada querer, a nada ter. Apenas a ser. Apenas a ver, apenas a viver.

(Talvez nisso que vês só haja espelho de um desejo - aqui no Ginjal, sobre o Tejo)


Talvez além do que tu vês
não esteja nada
nem a alada cratura com que sonhas
sequer a sombra da sombra de uma sombra

Talvez nisso que vês só haja espelho
de um desejo sem rosto e sem esperança
que toda a vida (às vezes) seja apenas
esse deserto crescendo à tua volta

Aprende a não amar o amor
a nada querer
não desejar o desejo
nada ter.


(Carta de Navegação, belo poema de Bernardo Pinto de Almeida)

Menina Estás à Janela pelo Vitorino (no Coliseu em 1985)

Como o tempo passa...em 1985 foi isto gravado, quem diia...?

Menina estás à janela - um clássico da música portuguesa.



Menina estás à janela
com o teu cabelo à lua
não me vou daqui embora
sem levar uma prenda tua

Sem levar uma prenda tua
sem levar uma prenda dela
com o teu cabelo à lua
menina estás à janela

Os olhos requerem olhos
e os corações corações
e os meus requerem os teus
em todas as ocasiões

Menina estás à janela
com o teu cabelo à lua
não me vou daqui embora
sem levar uma prenda tua

Sem levar uma prenda tua
sem levar uma prenda dela
com o teu cabelo à lua
menina estás à janela

(Letra de Menina estás à janela, Vitorino)

04 janeiro, 2011

Às vezes ainda pronuncio o teu nome nas noites de chuva

Dantes esperava que o telefone tocasse. Dantes esperava ouvir a tua voz. Para mim e só para mim dizia o teu nome ágil nas vogais.

Agora não espero mais.

Mas às vezes, nas noites de chuva, baixinho, pronuncio o teu nome.

(À chuva, à espera, num banco em Cacilhas, às portas do Ginjal, junto ao Tejo - Lisboa, distante, lá longe)

Às vezes ainda pronuncio o teu nome nas noites de
                                                                 [chuva
entre as janelas que se fecham e os cobertores que
rapidamente se tiram dos armários

o teu nome ágil
                                rápido
                                                                              nas suas límpidas vogais.

porque era então que te ouvia
quando o som do telefone rebentava
dos azulejos ainda mornos das paredes do quarto

- por isso há amigos que ainda não entendem
por que razão as minhas noites nunca têm
limite estabelecido    nem
um tempo certo de acabar

(de Alice Vieira in O que dói às aves)

Barca Bela por Teresa Silva Carvalho

Gostei de me ter lembrado, gostei de ouvir de novo.

Que coisa bonita, a letra, a música, a interpretação, o filme tão simples e tão tocante.




Pescador da barca bela,
Onde vais pescar com ela,
Que é tão bela,
Ó pescador?

Não vês que a última estrela
No céu nublado se vela?
Colhe a vela,
Ó pescador!

Deita o lanço com cautela,
Que a sereia canta bela...
Mas cautela,
Ó pescador!

Não se enrede a rede nela,
Que perdido é remo e vela
Só de vê-la,
Ó pescador!

Pescador da barca bela,
Inda é tempo, foge dela,
Foge dela,
Ó pescador!

(Letra de Barca Bela de Almeida Garrett)

03 janeiro, 2011

Sonho-te real, em lágrimas de mar, repiso os passos

Conto e reconto as horas que passámos, beijo-te outra vez em silêncio, em sonho.

Acho que sou louca por pensar assim, e acho que sou louca por ainda ser feliz.

Mas renasço em cada gesto que fizémos e renasço em cada novo gesto que faço sem ti.


(Num dia de denso nevoeiro, Pescador no Ginjal, quase ajoelhado - e não é caso para menos: há que venerar o Tejo... e os seus peixes)

Sonho-te real, em lágrimas de mar,
refaço as mãos, tuas raízes verdes,
conto e reconto as horas que passámos.
Repiso os passos, rasgo a estrada branca,
renasço em cada gesto que fizemos,
beijo-te outra vez, ajoelhado...

Enquanto longos, dolorosos versos
nas veias vão doendo

Balada do Louco por Ney Matopgrosso

Gosto de Ney Matogrosso: é um performer e é um homem corajoso.

Balada do Louco é uma excelente interpretação sua



Dizem que sou louco por pensar assim
Se eu sou muito louco por eu ser feliz
Mas louco é quem me diz
E não é feliz, não é feliz
Se eles são bonitos, sou Alain Delon
Se eles são famosos, sou Napoleão
Mas louco é quem me diz
E não é feliz, não é feliz
Eu juro que é melhor
Não ser o normal
Se eu posso pensar que Deus sou eu
Se eles têm três carros, eu posso voar
Se eles rezam muito, eu já estou no céu
Mas louco é quem me diz
E não é feliz, não é feliz

Sim sou muito louco, não vou me curar
Já não sou o único que encontrou a paz
Mais louco é quem me diz
E não é feliz
Eu sou feliz

(Letra de Balada do Louco, composição de Arnaldo Baptista e Rita Lee)

02 janeiro, 2011

Bastava-nos amar, fazermos uma teia, fazermos amor sobre a areia

Houve uma altura em que já não bastava olhar mas bastava-nos amar, bastava-nos ficar.

Mas ninguém volta ao que já deixou, ninguém lembra nem o que sonhou.

Ao largo ainda arde a barca da fantasia mas tão ao largo, meu amor, tão ao largo.


('Congresso de gaivotas' no Ginjal, hoje, num dia de denso nevoeiro no Ginjal, Lisboa oculta sob uma pesada veste branca)

Bastava-nos amar. E não bastava
o mar. E o corpo? O corpo que se enleia?
O vento como um barco: a navegar.
Pelo mar. Por um rio ou uma veia.

Bastava-nos ficar. E não bastava
o mar a querer doer em cada ideia.
Já não bastava olhar. Urgente: amar.
E ficar. E fazermos uma teia.

Respirar. Respirar. Até que o mar
pudesse ser amor em maré cheia.
E bastava. Bastava respirar

a tua pele molhada de sereia.
Bastava, sim, encher o peito de ar.
Fazer amor contigo sobre a areia.

(Soneto de Joaquim Pessoa)

O Pastor pelos Madredeus

A frecura e limpidez da voz de Teresa Salgueiro no período dourado dos Madredeus, com Rodrigo Leão ainda a dar ao grupo o seu brilho como compositor.

(Frescura e limpidez que ainda conserva, note-se)



Ai que ninguém volta
ao que já deixou
ninguém larga a grande roda
ninguém sabe onde é que andou

Ai que ninguém lembra
nem o que sonhou
(e) aquele menino canta
a cantiga do pastor

Ao largo
ainda arde
a barca
da fantasia
e o meu sonho acaba tarde
deixa a alma de vigia
Ao largo
ainda arde
a barca
da fantasia
e o meu sonho acaba tarde
acordar é que eu não queria.

(Letra de O Pastor, composição de Pedro Ayres Magalhães, Gabriel Gomes, Francisco Ribeiro)

Homens, barcos, batalhas, poentes, o futuro vermelho, o dia de oiro

Instantes de força e de verdade. 

A meta está deste lado da vida.

Sai de casa e vem para a rua. Dá-me a mão. Anda, mostra o que vales: o desafio agora é corpo a corpo.

Homens, barcos, batalhas, poentes, as minhas mãos abertas e presentes.

O futuro. O dia de ouro.


Fogo de artifício sobre o Tejo, Cacilhas e Terreiro de Paço on fire, as duas margens unidas, Almada e Lisboa festejando a entrada do Ano Novo.


Que 2011 venha por bem

Homens, barcos, batalhas e poentes
não sei quem, não sei onde delirava.
E o futuro vermelho transbordava
através das pupilas transparentes.

Ó dia de oiro sobre as coisas quentes,
os rostos tinham almas que mudavam.
E as aves estrangeiras trespassavam
as minhas mãos abertas e presentes.

Houve instantes de força e de verdade
era o cantar de um Deus que me embalava
enchendo o céu de sol e de saudade.

Mas não deteve a lei que me levava,
perdida sem saber se caminhava
entre os deuses ou entre a humanidade.

(Kassandra de Sophia de Mello Breyner Andresen)

Um Contra o Outro pelos Deolinda

Gosto desta canção, gosto dos Deolinda.



Anda, desliga o cabo,
que liga a vida, a esse jogo,
joga comigo, um jogo novo,
com duas vidas, um contra o outro.

Já não basta,
esta luta contra o tempo,
este tempo que perdemos,
a tentar vencer alguém.

Ao fim ao cabo,
o que é dado como um ganho,
vai-se a ver desperdiçamos,
sem nada dar a ninguém.

Anda, faz uma pausa,
encosta o carro,
sai da corrida,
larga essa guerra,
que a tua meta,
está deste lado,
da tua vida.

Muda de nível,
sai do estado invisível,
põe o modo compatível,
com a minha condição,
que a tua vida,
é real e repetida,
dá-te mais que o impossível,
se me deres a tua mão.

Sai de casa e vem comigo para a rua,
vem, q'essa vida que tens,
por mais vidas que tu ganhes,
é a tua que,
mais perde se não vens.

Anda, mostra o que vales,
tu nesse jogo,
vales tão pouco,
troca de vício,
por outro novo,
que o desafio,
é corpo a corpo.

Escolhe a arma,
a estratégia que não falhe,
o lado forte da batalha,
põe no máximo o poder.

Dou-te a vantagem, tu com tudo, eu sem nada,
que mesmo assim, desarmada, vou-te ensinar a perder.


(Letra de Um contra o Outro, composição dos Deolinda)