Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

31 dezembro, 2010

Desejo-vos um feliz 2011

Desejo-vos um Ano Novo muito feliz, com saúde, sorte, alegria, amor.

E que a crise não vos afecte directamente.

E que a cultura habite as vossas vidas.

E que a beleza das coisas vos acompanhe.

(Gaivota há pouco no Ginjal, voando sobre um Tejo escuro, espesso, com uma Lisboa envolta em cinzento - como foi este final de 2010)

30 dezembro, 2010

Bernini. É essa a forma que nos vem ao espírito. O mármore outra matéria.

Teresa não é Teresa.

O amor todo. Vem do fundo.

Vem.

(Pose* à beira-Tejo, no cais de Cacilhas)

Bernini. É essa a forma
que nos vem
ao espírito. E a explicação
de Juan de Yepes:
estes versos usam o profano
como símile. Aqui,
o inverso. Teresa
 não é Teresa, o mármore
outra matéria. Outra.
Pálpebras que se abrem
dentro doutras,
pálpebras, em órbita, desorbitadas,
o amor todo que vem
aos dentes. A voz
de Teresa, que não é Teresa,
que não é voz.
Vem do fundo. Vem.
Estes versos usam o sagrado
como símile, usam
Bernini, o rosto transposto
e transportado, suspenso
de duras âncoras.
E o amor todo
que vem aos dentes.

(Santa Teresa de Bernini de Pedro Mexia in Senhor Fantasma)



(*) - A pose da senhora que fotografei fez-me lembrar a pose de Santa Teresa e, por isso, tomei a liberdade de aqui a apresentar. Caso a senhora tenha conhecimento e não queira aqui estar, agradeço que me informe que, de imediato, retirarei a fotografia

Troubadour pela Lula Pena

Lula Pena, no dia em que Troubadour foi eleito pela revista americana como um dos melhores de 2010 na área de world music.

Parabéns, Lula Pena!




LULA PENA - Troubadour - editado por MBARI

29 dezembro, 2010

Trago-te a rosa na ponta de uma espada. Eu sou o enigma. Tu a decifração.

Deixa o dia desaparecer, deixa a noite escorrer. E em meus braços aguarda que entreabra, para ti, a chama da paixão. Não te importes com o resto.

Tu pertences a ti, não és de ninguém, vive selvagem e para ti serás alguém.

(Uma rosa é uma rosa é uma rosa - no Ginjal, ao frio, ao vento, o Tejo a correr em baixo)

Trago-te a rosa na ponta de uma espada.
Eu sou o enigma. Tu a decifração.
Por fabulosos signos a amada
é a tua máxima significação.

Deixa o dia desaparecer na curva
das gaivotas que voam o que são
e devolve-te a ti em qualquer gruta
de carícias que abra a minha mão.

Deixa a noite escorrer até à alba
do olvido da nossa duração.
E em meus braços aguarda que entreabra
a eternidade   a chama da paixão.

Deixa em meu corpo teus dedos alumbrados
serem o acorde da pura vibração
da luz que em vertiginosa temporada
nos prendeu à aragem deste chão.


("Trago-te a rosa na ponta de uma espada" de Natália Correia in Dimensão Encontrada)

Nasce Selvagem pelos Delfins

A gravação tem alguns anos mas vale a pena. Uma canção de sempre, Nasce Selvagem, uma letra e uma música que ficarão para sempre no nosso ouvido, aqui numa interpretação única, uns curtidos, uma curtição em palco. Até o Pedro Ayres Magalhães faz uma perninha....




Mais do que a um país
Que a uma família ou geração
Mais do que a um passado
Que a uma história ou tradição
Tu pertences a ti
Não és de ninguém

Mais do que a um patrão
Que a uma rotina ou profissão
Mais do que a um partido
Que a uma equipa ou religião
Tu pertences a ti
Não és de ninguém

Vive selvagem
E para ti serás alguém
Nesta viagem
Quando alguém nasce,
Nasce selvagem
Não é de ninguém

(Letra de Nasce Selvagem, Delfins)

mãe, tenho pena. esperei sempre que entendesses as palavras que nunca disse

pelas palavras que nunca disse, pelos gestos que nunca fiz. lê. amo-te. fica feliz.

(Mãe negra)

mãe, tenho pena. esperei sempre que entendesses
as palavras que nunca disse e os gestos que nunca fiz.
sei hoje que apenas esperei, mãe, e esperar não é suficiente.

pelas palavras que nunca disse, pelos gestos que me pediste
tanto e eu nunca fui capaz de fazer, quero pedir-te
desculpa, mãe, e sei que pedir desculpa não é suficiente.

às vezes, quero dizer-te tantas coisas que não consigo,
a fotografia em que estou ao teu colo é a fotografia
mais bonita que tenho, gosto de quando estás feliz.

lê isto: mãe, amo-te.

eu sei e tu sabes que poderei sempre fingir que não
escrevi estas palavras, sim, mãe, hei-de fingir que
não escrevi estas palavras, e tu hás-de fingir que não
as leste, somos assim, mãe, mas eu sei e tu sabes.

Palavras para a minha Mãe de José Luís Peixoto, in "A Casa, a Escuridão"

Dona Cila por Maria Gadú

Uma jovem muito brasileira.



De todo o amor que eu tenho
Metade foi tu que me deu
Salvando minh'alma da vida
Sorrindo e fazendo o meu eu

Se queres partir ir embora
Me olha da onde estiver
Que eu vou te mostrar que eu to pronta
Me colha madura do pé

Salve, salve essa nega
Que axé ela tem
Te carrego no colo e te dou minha mão
Minha vida depende só do teu encanto
Cila pode ir tranquila
Teu rebanho tá pronto

Teu olho que brilha e não para
Tuas mãos de fazer tudo e até
A vida que chamo de minha
Neguinha, te encontro na fé

Me mostre um caminho agora
Um jeito de estar sem você
O apego não quer ir embora
Diaxo, ele tem que querer

Ó meu pai do céu, limpe tudo aí
Vai chegar a rainha
Precisando dormir
Quando ela chegar
Tu me faça um favor
Dê um banto a ela, que ela me benze aonde eu for

O fardo pesado que levas
Deságua na força que tens
Teu lar é no reino divino
Limpinho cheirando alecrim

(Letra de Dona Cila, composição de Maria Gadú)

28 dezembro, 2010

Não partas já, fica até onde a noite se dobra e o silêncio recorta o tempo

Jura que não vais ter uma aventura. Jura.
Não partas já.

(Na bilheteira em Cacilhas, decidida a partir)

Não partas já. Fica até onde a noite se dobra
para o lado da cama e o silêncio recorta
as margens do tempo. É aí que os livros
começam devagar e as cores nos cegam
e as mãos fazem de norte na viagem. Parte apenas

quando a manhã se ferir nos espelhos do quarto
em estilhaços de luz; e um feixe de poeiras
rasgar as janelas como uma ave desabrida.
Alguém murmurará então o teu nome, vagamente,
como a gastar os dedos na derradeira página.

E então, sim, parte, para que outra história se
invente mais tarde, quando os pássaros gritarem
à primeira lua e os gatos se deitarem sobre
o muro, de olhos acesos, fingindo que perguntam.

(de Maria do Rosário Pedreira in A Casa e o Cheiro dos Livros)

Jura por (e de) Rui Veloso

Versão sintética de Jura, uma grande canção de Rui Veloso.



Jura que não vais ter uma aventura
Dessas que acontecem numa altura
E depois se desvanecem
Sem lembrança boa ou má
E por isso mesmo se esquecem

Jura que se tiveres uma aventura
Vais contar uma mentira
Com cuidado e com ternura
Vais fazer uma pintura
Com uma tinta qualquer
Que o ciúme é queimadura
Que faz o coração sofrer

Jura que não vais ter uma aventura
Porque eu hei-de estar sempre à altura
De saber
Que a solidão é dura
E o amor é uma fervura
Que a saudade não segura
E a razão não serena
Mas jura que se tiver de ser
Ao menos que valha a pena


(Jura, letra de Carlos Tê, música de Rui Veloso)

27 dezembro, 2010

Senhora das tempestades e dos mistérios originais, senhora das marés vivas, senhora da vida

No teu olhar se perde o meu, tal como também o mar se perde o céu.
Volta para o meu peito, não saias mais.

Mas tudo em ti é partida, tudo em ti é distância.
E eu recolho-me em prece à Senhora dos Sete Mares, à Senhora das Tempestades.


(Espuma no Tejo, visto do Ginjal, hoje)

Senhora do vento norte com teu manto de sal e espuma
nasce uma estrela cadente de chegares
e há um poema escrito em página nenhuma
quando caminhas sobre as águas Senhora dos sete mares

(Navio cruzando o Tejo, Lisboa a bela do outro lado, hoje, numa fria manhã no Ginjal)

Senhora das águas transbordantes no cais de súbito vazio
Senhora dos navegantes com teu astrolábio e tua errância
teu rosto de sereia à proa de um navio
tudo em ti é partida tudo em ti é distância.

(Entardecer quase solitário hoje no Ginjal, sobre o Tejo em tons doces)

Senhora da hora solitária do entardecer
ninguém sabe se chegas como graça ou como estigma
onde tu moras começa o acontecer
tudo em ti é surpresa Senhora do grande enigma.

(Igreja de Nossa Senhora do Bom Sucesso, em Cacilhas, hoje ao cair da tarde, algumas pessoas em prece)

Tudo em ti é milagre Senhora da energia
quando tu chegas a terra treme e dançam as divindades
batem as sílabas da noite e tudo é uma alquimia
ao som do nome que só Deus sabe Senhora das tempestades.

(Excertos de Senhora das Tempestades de Manuel Alegre in Senhora das Tempestades)

26 dezembro, 2010

Sete Mares interpretado por Rodrigo Leão (e Sétima Legião)

Grande música.

(O vídeo está longe de ser famoso mas vale pela composição e interpretação)


Tem mil anos uma história
de viver
Há mil anos de memória a contar
ai, cidade á beira-mar
azul

Se os mares são só sete
há mais terra do que mar ...
Voltarei amor com a força da maré
ai, cidade à beira-mar
ao Sul

Hoje
Num vento do Norte
Fogo de outra sorte
Sigo para o Sul
Sete mares

Foram tantas as tormentas
que tivemos de enfrentar...
Chegarei amor na volta da maré
ai, troquei-te por um mar
azul

Hoje
Num vento do Norte
fogo de outra sorte
Sigo para o Sul
Azul
(Letra de "Sete Mares", composição de Sétima Legião)

24 dezembro, 2010

Vens a mim pequeno como um deus, frágil como a terra

Natal é a festa do Nascimento.

Festeja-se aquele de quem os homens viriam a dizer ser filho de Deus.

Feliz Natal a todos.

Mas quero, em especial, dirigir-me àqueles que o passam sozinhos.

E àqueles que, por algum motivo, atravessam um momento de desesperança.

A esses, em particular, deixo uma palavra de estima.

(O milagre da Vida - a Mãe Gaivota olha pelos seus bébés gaivotinhos, no Ginjal, o Tejo como leito, Lisboa do outro lado, protectora)

Vens a mim
pequeno como um deus,
frágil como a terra,
morto como o amor,
falso como a luz,
e eu recebo-te
para a invenção da minha grandeza,
para rodeio da minha esperança
e pálpebras de astros nus.

Nasceste agora mesmo. Vem comigo.

(Eternidade de Jorge de Sena, in Perseguição
)

23 dezembro, 2010

Em Belém o Salvador ( Fernando Lopes Graça) - ChorusXI

Natal é nascimento, Natal é a festa das crianças e nada melhor para nos lavar a alma do que a terna música coral do Mestre Fernando Lopes Graça.

'Em Belém o Salvador', para recordarmos que o Natal não é a festa do comerciante da Coca-Cola Pai Natal mas sim a data (aproximada) em que um menino, que viria a ser uma importante figura histórica, nasceu.

Feliz Natal.

22 dezembro, 2010

Elas passam, magras estudantes, julgando-se felizes talvez

À tarde,  quando se faz hora do regresso, o coração sussurra e quase cai.

(Rapariga de jeans na bilheteira do cais de Cacilhas, perto da entrada do Ginjal)

Elas passam, magras estudantes,
julgando-se felizes talvez,
passam e passam, as pernas e os dentes
mostram saúde e altivez.

Os jeans ao atravessarem a nave
maior do centro comercial
estreitam a cintura suave
numa falsa aparência virginal.

Vê-las alegra e entristece,
o seu corpo é uma matéria mais pura,
e cada uma, como se soubesse,
mostra-se obstinada e segura.

Passam e passam, são toda uma tarde,
sentinela que em mim sente
esta palha seca que arde,
que às vezes engana, mas não mente.

Poder tê-las sem qualquer dano
e à sua alegre inconsciência,
misturando nos dedos a pele, o pano,
os ossos, a transparência.

A tarde fez-se a hora do regresso,
o coração sussurra e quase cai
aos pés das raparigas a quem peço
‘de novo, levando-me, passai’

(de Pedro Mexia in Eliot e Outras Observações)

Manuel João Vieira & Miss Susie

Não sei se será a melhor composição interpretada pelo Manuel João ... mas foi das poucas que arranjei sem palavrões cabeludos, coisa que aqui ficaria deslocada.

Mas, enfim, o  Manuel João Vieira é sempre impagável. E aqui está bem comportado como convém, uma vez que está acompanhado por uma lady, pela Miss Susie.


Está tudo dito na trágica serenidade que o mundo encerra

Pergunto-me: alguém está com alguém?


 

Está tudo dito - o vestido
vermelho e
a tensa indecisão
da mulher que o veste -
a imprecisa circunstância,
por estar ali, porque há-de
estar ali, do que jogou
à roleta russa e ganhou
o direito ao purgatório eterno
da insónia -
e o que está com a mulher
ruiva, ele de chapéu,
perguntando-se se alguém está
com alguém
no campo iluminado deste quadro.

(Fachada no Ginjal - "a cegueira fatal da fachada")


Só não se disse a cegueira
fatal da fachada mesmo em
frente
como o que está diante
daquele que não se vê
as amplas escuras janelas
(entreabertas?)
deixando que o mais negro
da noite
as ilumine, coisas
estáticas (mortas?)
na imobilidade geral
da cena
tão naturalmente irreal
que ninguém, é certo,
a não ser o olhar de Hopper,
fixamente à espera que
alguma coisa mexesse
na trágica serenidade que
o mundo encerra.


('Nighthawks, 1942' de António Mega Ferreira in 'O tempo que nos cabe')

Fado Toninho pelos Deolinda

A renovada boa música portuguesa com a qualidade dos Deolinda.


Dizem que é mau, que faz e acontece,
arma confusão e o diabo a sete.
Agarrem-me que eu vou-me a ele
nem sei o que lhe faço...
desgrenho os cabelos
esborrato os lábios.
Se não me seguram
dou-lhe forte e feio:
beijinhos na boca,
arrepios no peito.
e pagas as favas
eu digo: - "enfim,
ó meu rapazinho
és fraco pra mim!"
De peito feito ele ginga o passo
arregaça as mangas e escarra pró lado.
Anda lá, ó meu cobardolas
vem cá mano a mano
eu faço e aconteço
eu posso, eu mando.
se não me seguram
dou-lhe forte e feio:
beijinhos na boca,
arrepios no peito.
e pagas as favas
eu digo:"-enfim,
ó meu rapazinho
sou tão má pra ti!"
Ó meu rapazinho, ai
eu digo assim:
"- Se não me seguram
dou cabo de ti!"

(Letra do Fado Toninho, composição de Pedro da Silva Martins)

20 dezembro, 2010

Mas assim é o poema, construído devagar, palavra a palavra

Há um véu no meu olhar.

Palavra a palavra fomos construindo um poema proibido, um poema prometido, o que pensávamos que seria amor.

Até que já não sabíamos como acabar o poema, nem sabíamos se o poema se queria acabar.

E dou por mim, como se fosse uma princesa prometida a chamar por ti para saber se queres acabar o poema.

Ou o amor.

Há um véu no meu olhar.


(Pensando na vida, numa tarde no Ginjal, o Tejo aos pés, Lisboa do outro lado)


Mas é assim o poema: construído devagar,
palavra a palavra, e mesmo verso a verso,
até ao fim. O que não sei é
como acabá-lo; ou, até, se
o poema quer acabar. Então, peço-te ajuda:
puxo o teu corpo
para o meio dele, deito-o na cama
da estrofe, dispo-o de frases
e de adjectivos até te ver,
tu,
o mais nu dos pronomes. Ficamos
assim. Para trás, palavras e versos,
e tudo o que
não é preciso dizer:
eu e tu, chamando o amor
para que o poema acabe.

(Até ao Fim in de Pedro, Lembrando Inês, Nuno Júdice)

Princesa Prometida pela 'Princesa do Povo' Aldina Duarte

Uma fadista que ama as palavras. Uma mulher que se tem feito fadista, que tem sabido aprender os poetas, que tem sabido fazer-se poeta, que tem sabido trilhar o seu próprio caminho.

Uma mulher interessante.


Há um véu no meu olhar
Que a brilhar dá que pensar
Nos mistérios da beleza
Espelho meu que aconteceu
Do que é teu e do que é meu
Já não temos a certeza

A moldura deste espelho
Espelho feito de oiro velho
Tem os traços duma flor
Muitas vezes foi partido
Prometido e proibido
Aos encantos do amor

Espelho meu diz a verdade
Da idade da saudade
À mulher envelhecida
Segue em frente na memória
Mata a glória dessa história
Da princesa prometida

(Letra de Princesa Prometida, Aldina Duarte)

19 dezembro, 2010

Irresponsabilidade no Ginjal

É este o conceito de responsabilidade da Câmara Municipal de Almada.

É este o conceito de responsabilidade da Protecção Civil.



Cartaz meio desfeito em Cacilhas, na entrada do Ginjal.

Como se vê, o estado de decomposição deste cartaz já não permite leitura e que, de qualquer forma nunca seria suficiente. Face ao estado de acentuada degradação a que algumas construções já chegaram, a segurança das pessoas que por ali circulam não passa pela aposição de cartazes.

O que está em risco de desmoronamento deveria ser isolado de forma a que a derrocada, quando se der, fique contida, não causando danos humanos.

16 dezembro, 2010

Deixa-te estar na minha vida como um navio sobre o mar

Neste dia o sol não beijava o mar, neste dia Iemanjá não cobria o Tejo com as suas flores brancas.

Neste dia, apenas um navio atravessava o mar. O vento soprava gélido, havia bruma e espuma.

Não te vás.

Deixa-te estar na minha vida.

Como aquele navio sobre o mar.

(Fantástico navio que rasgou o Tejo a encarnado num dia especialmente cinzento, o Ginjal envolto em bruma, Lisboa coberta de tristeza)

Deixa-te estar na minha vida
como um navio sobre o mar.

Se o vento sopra e rasga as velas
e a noite é gélida e comprida
e a voz ecoa das procelas,
deixa-te estar na minha vida.

Se erguem as ondas mãos de espuma
aos céus, em cólera incontida,
e o ar se tolda e cresce a bruma,
deixa-te estar na minha vida.

À praia, um dia, erma e esquecida,
hei, com amor, de te levar.
Deixa-te estar na minha vida.
Como um navio sobre o mar.


(Cantiga de Cabral do Nascimento)

Shimbalaiê pela musicalíssima Maria Gadu

Bela canção.

Liga bem com o Ginjal, com os seus pescadores, com Iemanjá, com o sol a beijar o mar.



Shimbalaiê, quando vejo o sol beijando o mar
Shimbalaiê, toda vez que ele vai repousar (2x)

Natureza deusa do viver
A beleza pura do nascer
Uma flor brilhando à luz do sol
Pescador entre o mar e o anzol

Pensamento tão livre quanto o céu
Imagino um barco de papel
Indo embora pra não mais voltar
Tendo como guia Iemanjá

Shimbalaiê, quando vejo o sol beijando o mar
Shimbalaiê, toda vez que ele vai repousar (2x)

Quanto tempo leva pra aprender
Que uma flor tem vida ao nascer
Essa flor brilhando à luz do sol
Pescador entre o mar e o anzol

Shimbalaiê, quando vejo o sol beijando o mar
Shimbalaiê, toda vez que ele vai repousar (2x)

Ser capitã desse mundo
Poder rodar sem fronteiras
Viver um ano em segundos
Não achar sonhos besteira

Me encantar com um livro, que fale sobre vaidade
Quando mentir for preciso, poder falar a verdade

Shimbalaiê, quando vejo o sol beijando o mar
Shimbalaiê, toda vez que ele vai repousar

(Letra de Shimbalaiê, composição de Maria Gadu)

15 dezembro, 2010

Flor insegura enlaçada no vento que a suporta

Em pensamento cuida de mim que eu cuido de ti.

Há uma praia depois da sombra, há um abrigo no meio das ondas. Nele está um pássaro esquivo, o meu príncipe secreto.

Vou guardar-te bem dentro de mim.

(Em prece?)

(Preparando a pesca num dos cais do Ginjal, o Tejo aos pés)

Príncipe secreto da aventura
em meus olhos um dia começada e finita.
Onda de amargura numa água tranquila.
Flor insegura enlaçada no vento que a suporta.
Pássaro esquivo em meus ombros de aragem
reacendendo em cadência e em passagem
a lua que trazia e que apagou.

(in O Livro dos Amantes de Natália Correia)

Se cuidas de mim por Tiago Bettencourt & Mantha com a participação de Inês Caltel-Branco

Gosto muito do Tiago Bettencourt que, felizmente para nós, ainda não teve tempo para ser arquitecto....

(...mas quem diz que não seria igualmente um excelente arquitecto, não é...?)



Se cuidas de mim
Eu cuido de ti também
Dentro da minha mão
Eu guardo te bem
Se amarmos do princípio
Se perdermos tudo outra vez
Vou marcar-te bem
Como um sonho vão
Dentro da minha mão

Se cuidas de mim
Eu cuido de ti também
Se vens em paz
Eu venho por bem
Se formos bebendo
O chão deste caminho
Vou guardar-te bem
Agora que sei
Que não vou sozinho

Há uma praia depois da sombra
Uma clareira p’ra iluminar
Há um abrigo no meio das ondas
Tu a caminho p’ra iluminar

Por isso vem

(Letra de "Se cuidas de mim", composição de Tiago Bettencourt)

De repente pode chegar a inesperada, a noiva, a nunca ouvida metade mulher, metade pássaro

Nestes dias assim, no Ginjal, sou metade mulher, metade gaivota. Olho o Tejo, olho Lisboa, e sou metade mulher, metade poema, sou a noiva que não tiveste, sou o corpo que se transformou em espuma.

E tenho vontade de te dizer a saudade que tenho do teu amor ausente - mas já não sei se deva querer-te tantas as vezes que quero esquecer-te.

E penso no que foi o nosso amor, tão absurdo, todo feito de espanto, todo feito de coisa nenhuma.

Ah, meu amor, quanta nostalgia nestes dias em que me visto de bruma.

Olho esta barca inesperada e penso na metáfora que foi o nosso breve amor.

Que saudades tenho dos teus braços, dos teus abraços.

Líndissimo, quase irreal veleiro, uma barca de prata num dia de prata, no Tejo, avistado de Cacilhas, ali logo a seguir ao Ginjal

De repente pode chegar a inesperada
a noiva do difícil a nunca ouvida
metade mulher metade pássaro
e às vezes só metáfora às vezes nada.
Numa barca de prata de repente pode chegar
a noiva da noite oblíqua a incomeçada
a que nasce na página e é uma estrela do mar
numa barca de prata com a sua harpa inconcreta
com seu corpo de espuma sua forma nenhuma
sua coroa de espanto seu vestido de bruma
trazendo a nostalgia a noite o amor absurdo.
De repente pode chegar a inesperada
com seu diadema de sul e de salgema
sua barca de prata sobre nenhum mar
metade mulher metade poema.

(Numa barca de prata, belíssimo poema, in Doze Naus de Manuel Alegre)

14 dezembro, 2010

Eu Já Não Sei por António Zambujo e Roberta Sá

António Zambujo, com Roberta Sá, no dia em que a conceituada Songlines, especializada em música do mundo, considerou que o recente album Guias está entre os melhores do ano.

Do sedutor António Zambujo, escreve: "de forma encantadora e delicada, cada palavra [do álbum] é cantada como se a mulher mais bela do mundo fosse o único público de Zambujo".
 


Eu já não sei
Se fiz bem ou se fiz mal
Em pôr um ponto final
Na minha paixão ardente
Eu já não sei
Porque quem sofre de amor
A cantar sofre melhor
As mágoas que o peito sente

Quando te vejo e em sonhos sigo os teus passos
Sinto o desejo de me lançar nos teus braços
Tenho vontade de te dizer frente a frente
Quanta saudade há do teu amor ausente
Num louco anseio, lembrando o que já chorei
Se te amo ou se te odeio
Eu já não sei

Eu já não sei
Sorrir como então sorria
Quando em lindos sonhos via
A tua adorada imagem
Eu já não sei
Se deva ou não deva querer-te
Pois quero às vezes esquecer-te
Quero, mas não tenho coragem
(Letra de Eu já não sei, letra de Roberta Sá)

13 dezembro, 2010

Ginjal, belo, decadente mas, em alguns locais, bastante arriscado

 'Screvo meu livro à beira-mágoa.
Meu coração não tem que ter.
Tenho meus olhos quentes de água.

(excerto de um poema sem título in Mensagem de Fernando Pessoa)

E é, de facto, com tristeza, à beira de água, com mágoa, que vejo este Ginjal que, abandonado à sua sorte, é hoje um risco para quem passa sob as suas fachadas arruinadas. Não são todos os locais que são de perigo iminente. O jardim, a fonte, a zona dos restaurantes, por exemplo, são zonas que não aparentam risco. Mas estar junto aos locais abaixo retratados já me parece desafiar a sorte (especialmente em dias de mau tempo).

Fachadas desapoiadas

 Fachadas a desfazerem-se

 Fachadas e varandins desapoiados, em avançado estado de degradação

Paredão a desfazer-se e a deslizar para o mar, deixando de sustentar as terras

Desfrutar este sítio lindíssimo, sim, mas em segurança. Espero que a Câmara Municipal de Almada ou a Protecção Civil zelem pela segurança das pessoas que ali vivem, que por ali circulam. É isso que esperamos das autoridades.

E a ver se amanhã já me apetece voltar à música e à poesia.

12 dezembro, 2010

Ginjal, degradação, desleixo, irresponsabilidade, miopia estratégica (e o mesmo quase se passa com o Porto Brandão)

Hoje não quero aqui colocar nem música nem poesia. Tenho dito várias vezes que acho triste que um local magnífico como é o Ginjal se encontre no estado de degradação em que se encontra.

Hoje é, pois, de um outro Ginjal que vou aqui falar: o Ginjal vítima de incúria.


O que foram os Restaurantes Floresta e Gonçalves do Ginjal, agora edifícios periclitantes, a evidência da mais triste decadência

Eu, como apaixonada que sou por este sítio líndissimo, encontro beleza em tudo o que vejo e todos os posts que usualmente aqui coloco são prova disso.

Nas casas arruinadas, nas fachadas decadentes, nos cais de aspecto frágil vejo uma beleza cénica quase mágica. Daqui se vê Lisboa, branca ou colorida, vibrante ou adormecida, as colinas que vertem devagar para o Tejo. E o Tejo e os seus grandes navios, ou os seus veleiros, ou as pequenas embarcações. E tudo me encanta. Mas, quando refiro essa beleza, estou a ser parcial. Não falo do lado negro do Ginjal, aquele de que hoje estou a falar.

Volto também a dizer que se ouve que há um plano para reabilitar este local e espero bem que tenha qualidade e, sobretudo, que aconteça. Seria desastroso que o Ginjal, que deveria ser o mais nobre local da cidade, fosse entregue a alguém sem noção do inacreditavel património que ali está.

Mas que, anos de gestão autárquica e nacional tenham conduzido a isto, revela bem a miopia intelectual que tem imperado na gestão do País e na gestão desta autarquia (apesar de aspectos positivos em vários aspectos da gestão, Almada tem sido gerida de uma forma administrativa competente mas, infelizmente, falha de visão: de facto tem sido gerida sem uma estratégia de fututo).

Uma outra visão do Ginjal: fachadas em sério risco de derrocada, paredão a desfazer-se, a irresponsabilidade autárquica a colocar em risco a segurança de quem ali passa

Olhem-se os edifícios. Não é difícil verificar a situação perigosa das fachadas, que podem mesmo ruir porque já não têm paredes interiores e ou cobertura para as travar e impedir de cair caso aconteça um vento mais intenso. A própria degradação do material pode levar à perda de resistência.

A CMA tem noção desse risco e os cartazes são uma forma de desresponsabilização que fica mal - não vai haver nenhum projecto para reabilitação geral pois, certamente, não há dinheiro e também não vão demolir por razões patrimoniais...

Um perigo, portanto. Um desastre anunciado.

Para quem tenha a sorte de conhecer cidades costeiras de vários países ainda é mais deprimente o contraste. Ainda é mais triste verificar que, aqui, apenas miopia, ignorância, indolência ou negligência podem ter conduzido a este estado das coisas.

Uma das grandes mais-valias de Almada é a sua localização privilegiada: a belíssima fronteira que o Tejo define (e também a belíssima linha de costa da Costa de Caparica).

Mas agora centro-me no território que faz fronteira com o Tejo. Toda a ordenação territorial deveria ter sido equacionada em torno desse focal point.

É certo que há os terrenos da Lisnave, é certo que há proprietários, é certo que há problemas por resolver. Mas para isso existe uma gestão autárquica, para resolver os problemas. Agora serão precisas tantas dezenas de anos? Que burocracia, que indolência é esta?

Deveríamos ter passeios largos e seguros, jardins, restaurantes, bares, esplanadas, hotéis de qualidade, comércio de qualidade, galerias de arte, museus, esculturas, desportos náuticos, pequenas docas, passeios de barco....enfim, um sem número de actividades que deveria fazer convergir para estes local belíssimo não apenas a população local mas turismo de qualidade.


E a tristeza do abandono não se fica pelo Ginjal. Veja-se um outro local quase igualmente extraordinário: o Porto Brandão. É uma pequena concha abrigada de frente para Lisboa. Tem inclusivamente transporte directo, por barco, para Belém. Deveria ser um local mimado, arranjado como um brinquinho. O turismo que visita Belém poderia vir até aqui.

Mas chega-se a Porto Brandão e... quê? Degradado, abandonado, meia dúzia de restaurantes repetitivos e pouco mais. Nada. Nem comércio, nem um café, nem uma esplanada. Lixo nas ruas, lixo na praia, barcos partidos, casas pobres, mal arranjadas, abandonadas, sem janelas, sem telhado, partidas. Deprimente. Um local de pobreza.

 (Barcos aparentemente bons, misturados com barcos partidos, madeiras paridas, ferros torcidos, e lixo, muito lixo)

E depois, tal como no Ginjal, tentamos aventurar-nos um pouco mais além e damos com zonas guardadas por cães que rosnam, ladram à nossa aproximação. Locais de grande beleza transformados em locais de susto, em locais interditos.



É isto a incúria nacional: a ignorância que leva ao desprezo pela beleza que a natureza condescendeu em dar-nos, o desdém pelos recursos naturais, o desmazelo.

Que vergonha sinto quando passeio por estes locais que foram feitos para serem amados, locais que nos poderiam proporcionar desfrute colectivo e riqueza para a população e os vejo assim, a cair, em risco de ruína eminente, habitados por pessoas sem recursos, ou marginais, no meio de lixo, numa degradação deprimente.

E, claro, tudo graças a nós todos que, acriticamente, vamos dando o voto (ou abstendo-nos ou votando em branco) a quem não sabe fazer melhor que isto. Contra mim falo porque ainda não descobri a forma de fazer a diferença.

11 dezembro, 2010

Que nenhuma estrele queime o teu perfil

Meu amor dá-me os teus lábios, dá-me os lábios desse rio.

E juro-te que a minha boca, ao separar-se da tua, irá repetindo e lembrando 'sei de um rio, sei de um rio'.

Para ti eu criarei um dia puro, livre com o vento e repetido como o florir destas ondas ordenadas do Tejo, aqui no Ginjal, meu amor. 

(Homem-Gaivota numa manhã de neblina no Ginjal, Lisboa ao fundo, o Tejo apaziaguado - talvez de todas até agora, a minha fotografia preferida)

Que nenhuma estrela queime o teu perfil
que nenhum deus se lembre do teu nome
que nem o vento passe onde tu passas.

Para ti eu criarei um dia puro
livre com o vento e repetido
como o florir das ondas ordenadas

(de Sophia de Mello Breyner Andresen)

Sei de um Rio pelo grande fadista Camané


Sei de um rio
sei de um rio
em que as únicas estrelas
nele sempre debruçadas
são as luzes da cidade

Sei de um rio
sei de um rio
rio onde a própria mentira
tem o sabor da verdade
sei de um rio

Meu amor dá-me os teus lábios
dá-me os lábios desse rio
que nasceu na minha sede
mas o sonho continua

E a minha boca até quando
ao separar-se da tua
vai repetindo e lembrando
sei de um rio
sei de um rio
E a minha boca até quando
ao separar-se da tua
vai repetindo e lembrando
sei de um rio
sei de um rio

Sei de um rio
até quando

(Letra de Sei de um rio, Camané)

08 dezembro, 2010

E é a força sem fim de duas bocas, de duas bocas que se juntam, loucas!

O meu coração voa no ar, tentando encontrar o teu que ande também perdido.

Como seria, meu amor, se os nossos corações se encontrassem?

Imagino que as nossas bocas se uniriam, com uma força sem fim, loucas.

Mas seria?

(Gaivota vigia o Ginjal, sob o céu azul que cobre o azul do Tejo)

Congresso de gaivotas neste céu
como uma tampa azul cobrindo o Tejo.
Querela de aves, pios, escarcéu.
Ainda palpitante voa um beijo.

Donde teria vindo! (Não é meu...)
De algum quarto perdido no desejo?
De algum jovem amor que recebeu
mandado de captura ou de despejo?

É uma ave estranha: colorida,
vai batendo como a própria vida,
um coração vermelho pelo ar.

e é a força sem boca de duas bocas,
de duas bocas que se juntam, loucas!
De inveja as gaivotas a gritar...

(O beijo de Alexandre O'Neill)

07 dezembro, 2010

Gente da minha terra pela Mariza, Madamoiselle Le Chevalier

No dia em que foi agraciada pelo Governo Francês com a Ordem das Artes e das Letras no grau de Chevalier, aqui vos deixo a Grande Fadista numa extraordinária interpretação.

Parabéns.

Longa vida, Mariza!


Sempre que se ouve o gemido
De uma guitarra a cantar
Fica-se logo perdido
Com vontade de chorar

Ó gente da minha terra
Agora é que eu percebi
Esta tristeza que trago
Foi de vós que recebi

E pareceria ternura
Se eu me deixasse embalar
Era maior a amargura
Menos triste o meu cantar

Ó gente da minha terra
Agora é que eu percebi
Esta tristeza que trago
Foi de vós que recebi

 (Letra de Gente da Minha Terra, composição de Amália Rodrigues, interpretação de Mariza, duas Grandes)

De bruços me debruço mais ainda até sentir os olhos tumefactos

Com um brilhozinho nos olhos e a saia rodada, trago o cabelo aos ombros e passeio de cá para lá como as ondas do mar.
Com um brilhozinho nos olhos, trocámos de beijos, tão bom, era tão bom.
Tentávamos saber, para lá do que muito se amou, quem éramos nós, quem queríamos ser.
Pedes para não me descalçar porque gostas da cor dos meus sapatos, gostas do brilho que dão às minhas pernas.
E eu, namorada, faço-te a vontade e, com os meus sapatos calçados, ao de leve vou até à fonte dos amores dar de beber aos versos, enquanto espero por ti com um brilhozinho nos olhos.

(Fonte das Pipas, a Fonte dos Amores do Ginjal, milagrosamente respeitada, ainda imaculada, branca)

De bruços me debruço mais ainda
até sentir os olhos tumefactos
para saber até que ponto é linda
a intrigante cor desses sapatos

que às tuas pernas dão um brilho tal
e uma leveza tal ao teu andar,
que eu penso (embore aches anormal)
que nunca te devias descalçar.

Também porquê, se já não há verdura
nem tu és Leonor para correr
descalça, no poema, à aventura?

O mais difícil, hoje, é antever
quem é que vai à fonte em literatura
e que água dá aos versos a beber.

(de Joaquim Pessoa, o poeta da musicalidade das palavras)

Com um Brilhozinho nos Olhos, Sérgio Godinho

Um clássico


Com um brilhozinho nos olhos
e a saia rodada
escancaraste a porta do bar
trazias o cabelo aos ombros
passeando de cá para lá
como as ondas do mar.
Conheço tão bem esses olhos
e nunca me enganam,
o que é que aconteceu, diz lá
é que hoje fiz um amigo
e coisa mais preciosa
no mundo não há.

Com um brilhozinho nos olhos
metemos o carro
muito à frente, muito à frente dos bois
ou seja, fizemos promessas
trocamos retratos
trocamos projectos os dois
trocamos de roupa, trocamos de corpo,
trocamos de beijos, tão bom, é tão bom
e com um brilhozinho nos olhos
tocamos guitarra
p'lo menos a julgar pelo som

E que é que foi que ele disse?
E que é que foi que ele disse?
Hoje soube-me a pouco. [x4]
passa aí mais um bocadinho
que estou quase a ficar louco
Hoje soube-me a tanto [x4]
portanto,
Hoje soube-me a pouco

Com um brilhozinho nos olhos
corremos os estores
pusemos a rádio no "on"
acendemos a já costumeira
velinha de igreja
pusemos no "off" o telefone
e olha, não dá p'ra contar
mas sei que tu sabes
daquilo que sabes que eu sei
e com um brilhozinho nos olhos
ficamos parados
depois do que não te contei

Com um brilhozinho nos olhos
dissemos, sei lá
o que nos passou pela tola [o que nos passou pelo goto]
do estilo és o "number one"
dou-te vinte valores
és um treze no totobola [és o seis do meu totoloto]
e às duas por três
bebemos um copo
fizemos o quatro e pintámos o sete
e com um brilhozinho nos olhos
ficamos imóveis
a dar uma de "tête a tête"

E que é que foi que ele disse?
...

E com um brilhozinho nos olhos
tentamos saber
para lá do que muito se amou
quem éramos nós
quem queríamos ser
e quais as esperanças
que a vida roubou
e olhei-o de longe
e mirei-o de perto
que quem não vê caras
não vê corações
com um brilhozinho nos olhos
guardei um amigo
que é coisa que vale milhões.

E que é que foi que ele disse?
(Letra de Com um Brilhozinho nos Olhos, composição de Sérgio Godinho)

05 dezembro, 2010

Abro as varandas altas da manhã: o teu rosto é essa estrela sobre o mar, oh meu amor

Há quem diga que às vezes se vive numa quase mentira, acabando por nem dar conta do que se sente.

(Há quem diga que mais vale estar sozinha toda a vida do que ter um coração que mente.)

Assim, longe de ti, vivo a desenhar o teu rosto no sal dos mares por que ando, recordando o teu fogo no leito enquanto navego contra a corrente.

Vou de cais em cais, sozinha mas vivendo em ti, lembrando a curva dos teus braços, meu amor.

Eu sei que já devia ter havido uma longa despedida. Mas prefiro imaginar que uma estrela sobre o mar me indicará o caminho de regresso até ti.

Meu amor.

(O Queen Elizabeth 2, também conhecido por QE2, acostado em Lisboa, Alcântara-Mar, ontem visto do Ginjal, numa manhã gelada que soprava com força as velas dos pequenos e corajosos veleiros que desafiavam em valentia o enorme e luxuoso cruzeiro)

Abro as varandas altas da manhã:
o teu rosto é essa estrela sobre o mar.
Oh meu amor eu vivo a desenhar
o teu rosto de sal na praia vã.

De ti conheço um sopro, o naufragar
de um barco altivo por marés desfeito
e ando de porto em porto a recordar
a costa de ouro e fogo do teu leito.

Já te perdi de bússola e de norte
no caminho magnético dos astros
por tanto navegar contra a corrente.

Mas ao sabor a cor da minha morte
eu vivo em ti, na curva dos teus braços
com um deserto de fogo à minha frente.

(Uma longa despedida de José Carlos González)

Vida Tão Estranha por Rodrigo Leão e Cinema Ensemble

Mais uma brilhante canção de um grande compositor, Rodrigo Leão.

Aqui numa gravação ao vivo no Teatro Garcia de Resende em Évora.



São de veludo as palavras
Daquele que finge que ama
Ao desengano levo a vida
A sorte a mim já não me chama

Refrão:
Vida tão só
Vida tão estranha
Meu coração tão maltratado
Já nem chorar
Me traz consolo
Resta-me só um triste fado

A gente vive na mentira
Já não dá conta do que sente
Antes sozinha toda a vida
Que ter um coração que mente

Refrão:
Vida tão só
Vida tão estranha
Meu coração tão maltratado
Já nem chorar
Me traz consolo
Resta-me só um triste fado
(Letra de 'Vida tão estranha', composição de Rodrigo Leão)

03 dezembro, 2010

Palavras que disseste e já não dizes, palavras que trago na memória e que arrasto pelas ruas, aqui no cais do Ginjal

Recordo as palavras que disseste e que diziam segredos, promessas imperfeitas, murmuradas enquanto os nossos beijos permitiam.

Mas eu fugi, o tempo passou.

Por isso, essas palavras que agora já tão pouco dizes, são palavras que são minhas, só minhas, palavras que persistem na memória que arrasto pelas ruas, pelos cais.

Mais um dia em vão num jogo que ninguém ganhou.

(A minha gaivota altiva, altaneira, vira as costas a Lisboa, devota apenas e só ao seu cais, à sua casa no Ginjal - e o Tejo azul, denso, a seus pés)

Palavras que disseste e já não dizes,
palavras como um sol que me queimava,
olhos loucos de um vento que soprava
em olhos que eram meus, e mais felizes.

Palavras que disseste e que diziam
segredos que eram lentas madrugadas,
promessas imperfeitas, murmuradas
enquanto os nossos beijos permitiam.

Palavras que dizias, sem sentido,
sem as quereres, mas só porque eram elas
que traziam a calma das estrelas
à noite que assomava ao meu ouvido...

Palavras que não dizes, nem são tuas,
que morreram, que em ti já não existem
- que são minhas, só minhas, pois persistem
na memória que arrasto pelas ruas.

('Um fado: palavras minhas' de Pedro Tamen)

O Jogo por Tiago Bettencourt & Mantha



Mais um dia em vão no jogo em que ninguém ganhou
Dá mais cartas, baixa a luz e vem esquecer o amor
És tu quem quer
Sou eu quem não quer ver que tudo é tão maior
Aqui está frio demais pra apostar em mim

Vê que a noite pode ser tão pouco como nós
Neste quarto o tempo é medo e medo faz-nos sós
És tu quem quer
Mas eu só sei ver que o tempo já passou e eu fugi
Que aqui está frio demais pra me sentir... mas queres ficar?

Tudo o que é meu
É tudo o que eu
Não sei largar
Queres levar
Tudo o que é meu
E tudo o que eu
Não sei largar

Vem rasgar o escuro desta chuva que sujou
Vem que a água vai lavar o que me dói
Vem que nem o último a cair vai perder

Tudo o que é meu
É tudo o que eu
Não sei largar
Queres levar
Tudo o que é meu
E tudo o que eu
Não sei largar

Vem rasgar o escuro desta chuva que sujou
Vem que a água vai lavar o que me dói
Vem que nem o último a cair vai perder

(Letra de O Jogo, composição de Tiago Bettencourt)

02 dezembro, 2010

Estás todo em ti, mar, e todavia como sem ti estás, que solitário, que distante de ti mesmo.

Quase tenho ciúmes das ondas do mar quando é nelas que pousas o teu olhar.

Que distante estás....

Tal como as ondas, o meu pensamento vai e vem, partindo para nenhum lugar.

Pulsa-me o coração e não o sentes, estás longe, a olhar o mar.


(O rebentar das ondas num dia de bravura do Tejo, contra um dos cais do Ginjal)

Estás todo em ti, mar, e, todavia,
como sem ti estás, que solitário,
que distante, sempre, de ti mesmo!

Aberto em mil feridas, cada instante,
qual minha fronte,
tuas ondas, como os meus pensamentos,
vão e vêm, vão e vêm,
beijando-se, afastando-se,
num eterno conhecer-se,
mar, e desconhecer-se.

És tu e não o sabes,
pulsa-te o coração e não o sentes...
Que plenitude de solidão, mar solitário!

(Solidão de Juan Ramón Jiméneztradução do poeta José Bento)