Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

05 setembro, 2016

Para que tu existas




Respiras? Existes? As palavras que dizes são tuas? O rosto que mostas é teu? Quem és tu por detrás de ti? 

Alguma vez mo dirás?

Sonhas com ilhas perdidas em mares azuis, escondes segredos, constróis histórias, ergues altares para os teus deuses, caminhas errante por um mundo só teu. Disso eu sei.

Mas nada mais. Posso até acreditar que és apenas uma sombra que fala com mortos e que do mundo dos vivos tudo desconhece. Posso até acreditar que és um corpo sem nervos, sem pele, um corpo em carne viva. Posso até mesmo acreditar que não respiras, ou até mesmo que não existes. Posso até temer que sejas apenas fruto da tua imaginação.


Mas soubesses tu o que eu daria para saber que existes, ah...soubesses tu.


Para que tu existas
com todos os teus nervos
como linhas de força
empunho a minha ferida
como se fosse um leme
Os segredos mais vivos
assomam-se a um rosto
onde sonham as ilhas
onde crescem as taças
dos deuses terrestres


[de António Ramos Rosa in Antologia Poética]

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A primeira fotografia foi feita em Cacilhas, a segunda no Ginjal

Clara Rockmore interpreta no teremim "Berceuse" de Tchaikovsky

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No caminho que percorri
que escolhi 
ou que me escolheram.
Pegadas, sulcos, rastos
restos
que a vassoura do tempo
vai apagando
mas que ainda trago colados em mim.
Marcas do que eu sou
do que fui
do que não fui
do que nunca gostei de ter sido.


[De Joaquim Castilho, em comentário abaixo]


04 setembro, 2016

E se houver dia em que não pense em ti
estarei contigo dentro do vazio





Em silêncio espero a tua visita. Há tanto tempo. Não peço, tão pouco mostro que sinto a tua falta. Sou assim. Posso até parecer despegada. E sou. Mas não de ti, de ti custa-me a despegar-me. Sinto a tua falta.

Vem. Esquece o que lá vai.

Podes aparecer-me aqui vindo do escuro rio que corre ali em baixo, podes aparecer-me ainda escorrendo, coberto de limos, trazendo o cheiro da maresia colado à pele, ou podes enviar antes uma longa carta, longa, em que me contes lembranças de ti, pensamentos soltos, os teus medos ou sonhos, e se ainda te lembras de mim, ou podes fazer-te anunciar através de música, ou podes bater à porta e vir devagar, sentar-te à minha beira e desenrolar livros, apontamentos, palavras tuas ou não, podes falar-me do que gostarias de me ensinar na secreta esperança que eu aprenda mais do que confesso, ou poderias com os teus dedos nervosos fechar os meus olhos e, para que oiça apenas com o coração, dizer-me poemas até que a noite dê lugar ao dia. 

Tudo estará bem para mim. Quero apenas ter notícias de ti, saber que, para ti, ainda existo, saber que, mesmo que apenas em pensamento, eu ainda sou a tua amada, a tua eterna e secreta amada.

É que, sabes, temo que, se não o fizeres, um dia me esqueça de ti, não consiga mais recordar-me do teu rosto, não consiga já que o meu corpo se acenda com a memória das tuas mãos e do que fazias com elas para me fazer vibrar, nem consiga sentir como a minha pele estremecia ao som ciciado da tua voz convidando-me a pecar.

Não te quero esquecer. Vem. Sinto tanto a tua falta. 



Há dias em que em ti talvez não pense
a morte mata um pouco a memória dos vivos
é todavia claro e fotográfico o teu rosto
caído não na terra mas no fogo
e se houver dia em que não pense em ti
estarei contigo dentro do vazio.


[in Fogo, Gastão Cruz]


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Fotografias feitas no Ginjal

Katica Illényi, no teremim, interpreta Once upon a time in the West de Ennio Morricone sob condução de István Silló com a Győr Philharmonic Orchestra

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