Talvez o presente seja quase nada, talvez em vez da memória só haja solidão, ou talvez tudo não passe de um jogo de ausências, um espelho que já não devolve a nossa imagem.
'Talvez aquilo que olhas seja nada, náufrago de ti mesmo'
(Homem olha o Tejo, no Ginjal, num dia cinzento, o céu limitado pelas traves da Ponte)
E se em vez das palavras fosse um eco
de pura solidão que te chamava?
E se em vez doutro nada fosse um erro
e se em vez do presente fosse nada?
E se em vez da memória fosse o sopro
da pura solidão adormecida?
E se em vez da ausência fosse o corpo
e se em vez de um só verso fosse a vida?
É só jogo de ausências este verso
ou espelho de uma leve madrugada,
feito engano de luzes e disperso
batimento de remos na jangada?
(Náufragos de nós mesmos sem saber
as imagens que o verso quis perder).
(Incipit, à memória de David Mourão-Ferreira, mais um belíssimo soneto do poeta diplomata Luís Filipe Castro Mendes)
Sem comentários:
Enviar um comentário