Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

31 março, 2011

Pela flor pelo vento pelo fogo pelo amor por tudo

Pelo amor tão sincero, pela cumplicidade tão inteira, por tudo o que sempre esperamos, reconheço a tua presença que não pode libertar-me.

Praia das Pipas no Ginjal, o Tejo, a Ponte e, ao longe, o Cristo-Rei

Pela flor pelo vento pelo fogo
pela estrela da noite tão límpida e serena
pelo nácar do tempo pelo cipreste agudo
pelo amor sem ironia por tudo
que atentamente esperamos
reconheci tua presença incerta
tua presença fantástica e liberta.

(Felicidade de Sophia de Melo Breyner Andresen in Obra Poética II)

The Gift interpretam Fácil de Entender

O som não é grande coisa mas a música é engraçada e este grupo, The Gift, é um grupo expressivo e com boa presença de palco.


Talvez por não saber falar de cor, Imaginei
Talvez por não saber o que será melhor, Aproximei
Meu corpo é o teu corpo o desejo entregue a nós
Sei lá eu o que quero dizer, Despedir-me de ti
Adeus um dia voltarei a ser feliz

Eu já não sei se sei o que é sentir o teu amor,
não sei, o que é sentir, se por falar falei
Pensei que se falasse era fácil de entender

Talvez por não saber falar de cor, Imaginei
Triste é o virar de costas, o último adeus
Sabe Deus o que quero dizer

Obrigado por saberes cuidar de mim,
Tratar de mim, olhar para mim, escutar quem sou,
e se ao menos tudo fosse igual a ti

[2x]
Eu já não sei se sei o que é sentir o teu amor,
não sei o que é sentir, se por falar falei
Pensei que se falasse era fácil de entender

É o amor, que chega ao fim, um final assim,
assim é mais fácil de entender

(Letra de 'Fácil de entender', The Gift)

30 março, 2011

Amorosamente toco o que resta dos deuses

Este rio imenso que olho, corre também dentro de mim

Esta música que sobe, sobe também dentro de mim.

A respiração que sinto em mim é também a tua, a do teu corpo que vive em mim.

Amorosamente olho a luz que tu olhas também. Estamos tão juntos. Estendo as mãos, toco o teu peito. Sentes?

Sobre o Ginjal, indiferente aos riscos anunciados, casal olha o Tejo e Lisboa, com a cortina de cabos da Ponte em fundo

Respira. Um corpo horizontal,
tangível, respira.
Um corpo nu, divino,
respira, ondula, infatigável.

Amorosamente toco o que resta dos deuses.
As mãos seguem a inclinação
do peito e tremem,
pesadas de desejo.

Um rio interior aguarda.
Aguarda um relâmpago,
um raio de sol,
outro corpo.

Se encosto o ouvido à sua nudez,
uma música sobe,
ergue-se do sangue,
prolonga outra música.

Um novo corpo nasce,
nasce dessa música que não cessa,
desse bosque rumoroso de luz,
debaixo do meu corpo desvelado.

('Apenas um corpo' de Eugénio de Andrade)

Maria Gadú canta Encontro

De novo a menina sensação do Brasil, Maria Gadu, a voz rouca e doce.


Sai de si
Vem curar teu mal
Te transbordo em som
Poe juizo em mim
Teu olhar me tirou daqui
Ampliou meu ser
Quero um pouco mais
Não tudo
Pra gente não perder a graça no escuro
No fundo
Pode ser até pouquinho
Sendo só pra mim sim

Olhe só
Como a noite cresce em glória
E a distância traz
Nosso amanhecer
Deixa estar que o que for pra ser vigora
Eu sou tão feliz
Vamos dividir
Os sonhos
Que podem transformar o rumo da história
Vem logo
Que o tempo voa como eu
Quando penso em você

Olhe só
Como a noite cresce em glória
E a distância traz
Nosso amanhecer
Deixa estar que o que for pra ser vigora
Eu sou tão feliz
Vamos dividir
Os sonhos
Que podem transformar o rumo da história
Vem logo
Que o tempo voa como eu
Quando penso em você

(Letra de 'Encontro' de Maria Gadu)

Esperei tanto o corpo daquele que o meu coração ama

Basta a voz daquele que o meu coração ama para que eu sinta correr em mim um sangue novo, para que se acenda um clarão que ilumina a minha pele, a minha alma.

Aqui de noite, madrugada adentro, o meu pensamento percorre os mares à sua procura mas todos os rumores de água me devolvem a sua voz pura, amada.

E então eu sei que não está longe aquele que o meu coração ama.

Está tão perto. Tão perto como mais ninguém está.

Aquele que o meu coração ama vive dentro de mim.

Aquele que o meu coração ama fez do meu coração a sua casa.

Numa parede no Ginjal alguém inscreveu o amor e ali ficará para sempre

Esperei tanto o corpo daquele
que o meu coração ama
que ele acabou naturalmente por
se misturar ao meu cheiro com
o cheiro das romãs e das uvas
ao primeiro arrepio do outono
e ser aquele fugaz clarão que
me traz novo sangue e nova pele para
correr o mundo à sua procura
nas madrugadas em que os inimigos
varrem as casas e incendeiam as cidades

e só por isso sei que uma noite
hei-de tombar às portas de damasco
e ouvir em todos os rumores de ocultas águas
a voz que me há-de devolver     purificada
ao corpo daquele que o meu coração ama


(Belíssimo poema de Alice Vieira in O que dói às aves)

Lula Pena & Hayden Chisholm interpretam - Namoro / Troca de Olhares

Uma interpretação diferente, especial por pessoas especiais. Hoje Namoro.

Lula Pena com Hayden Chisholm.


Mandei-lhe uma carta
em papel perfumado
e com letra bonita
dizia ela tinha
um sorriso luminoso
tão triste e gaiato
como o sol de Novembro
brincando de artista
nas acácias floridas
na fímbria do mar

Sua pele macia
era suma-uma
sua pele macias
cheirando a rosas
seus seios laranja
laranja do Loge
eu mandei-lhe essa carta
e ela disse que não

Mandei-lhe um cartão
que o amigo maninho tipografou
'por ti sofre o meu coração'
num canto 'sim'
noutro canto 'não'
e ela o canto do 'não'
dobrou

Mandei-lhe um recado
pela Zefa do sete
pedindo e rogando
de joelhos no chão
pela Sra do Cabo,
pela Sta Efigénia
me desse a ventura
do seu namoro
e ela disse que não

Mandei à Vó Xica,
quimbanda de fama
a areia da marca
que o seu pé deixou
para que fizesse um feitiço
bem forte e seguro
e dele nascesse
um amor como o meu
e o feitiço falhou

Andei barbado,
sujo e descalço
como um monangamba
procuraram por mim
não viu ai não viu ai
não viu Benjamim
e perdido me deram
no morro da Samba

Para me distrair
levaram-me ao baile
do Sr. Januário,
mas ela lá estava
num canto a rir,
contando o meu caso
às moças mais lindas
do bairro operário

Tocaram a rumba
e dancei com ela
e num passo maluco
voamos na sala
qual uma estrela
riscando o céu
e a malta gritou
'Aí Benjamim'

Olhei-a nos olhos
sorriu para mim
pedi-lhe um beijo
lá lá lá lá lá
lá lá lá lá lá
E ela disse que sim

(Letra de Namoro, composição de Sérgio Godinho)

28 março, 2011

Nunca mais te darei o tempo puro

O tempo era puro, os dias eram demorados: numa hora vivíamos um dia, num dia vivíamos um mês e a vida era nossa, só nossa, sem mácula.

E todos os dias eu regressava a ti e tu a mim.

Tempos longínquos.

Agora eu já não regresso a ti. E tu já não regressas a mim.

Os deuses afastaram-se de nós, meu amor.

No Ginjal, nestes dias de chuva, mulher sozinha, abriga-se junto às paredes degradadas

Nunca mais te darei o tempo puro
que em dias demorados eu teci
pois o tempo já não regressa a ti
e assim eu não regresso e não procuro
o deus que sem esperança te pedi.

(Nunca mais de Sophia de Mello Breyner Andresen in Obra Poética II)

Rui Veloso canta Todo o tempo do mundo

Um hino à disponibilidade dos afectos. Uma grande canção da dupla de sonho, Carlos Tê/Rui Veloso.

Longa vida a Rui Veloso: para ele todo o tempo do mundo, cá estaremos para o ouvir.


Podes vir a qualquer hora
Cá estarei para te ouvir
O que tenho para fazer
Posso fazer a seguir

Podes vir quando quiseres
Já fui onde tinha de ir
Resolvi os compromissos
agora só te quero ouvir

Podes-me interromper
e contar a tua história
Do dia que aconteceu
A tua pequena glória
O teu pequeno troféu

Todo o tempo do mundo
para ti tenho todo o tempo do mundo
Todo o tempo do mundo

Houve um tempo em que julguei
Que o valor do que fazia
Era tal que se eu parasse
o mundo à volta ruía

E tu vinhas e falavas
falavas e eu não ouvia
E depois já nem falavas
E eu já mal te conhecia

Agora em tudo o que faço
O tempo é tão relativo
Podes vir por um abraço
Podes vir sem ter motivo
Tens em mim o teu espaço

Todo o tempo do mundo
para ti tenho todo o tempo do mundo
Todo o tempo do mundo

(Letra de Todo o tempo do mundo, de Carlos Tê)

27 março, 2011

Recorda esses olhos verdes e castanhos que foram um dias os teus olhos

Quando eu for velha e cansada (... quanto ao estar cheia de sono, não preciso esperar que seja velha), recordarei os meus olhos verdes e castanhos que olharam os teus olhos castanhos e verdes que me olhavam.

Recordarei os que me amaram, que amaram o meu corpo e a minha alma, que amaram o meu rosto sem mágoa apesar das mudanças que nele se operam.

E, então, murmurarei, aliviada, que o amor existe, vive entre nós, dentro de nós - apesar de às vezes esconder o rosto no meio da multidão que nos rodeia.

(Aprenda, Pierre le Fou, que o amor não mora ao lado tal como o pecado não deve viver sozinho)

Em Cacilhas, velha mulher, aparentemente frágil , numa paragem em que se anunciam prazeres a baixo custo

Quando estiveres velha e cansada e cheia de sono
e as sombras excederem as coisas em seus tamanhos,
recorda esses olhos verdes e castanhos
que foram um dia os teus olhos, e numa espécie de sonho

recorda como muitos amaram o teu corpo numa dança
e te amaram com amor falso ou verdadeiro
e amaram tua alma como um luzeiro
e a mágoa no teu rosto em mudança.

E no meio de luzes eléctricas como velas
murmura, um pouco aliviada, que o amor não existe
ou então vive num cume celeste
e escondeu o rosto numa multidão de estrelas.

(As sombras - baseado em "When you are old" de Yeats - de Pedro Mexia in Senhor Fantasma)

Cuca Roseta canta Tortura

Afinal a ex-menina Toranja, Cuca Roseta, tem com uma grande alma fadista. Simplicidade e transparência nesta voz sentida que interpreta o poema Tortura de Florbela Espanca com dignidade e graciosidade.


Tirar dentro do peito a Emoção,
A lúcida Verdade, o Sentimento!
- E ser, depois de vir do coração,
Um punhado de cinza esparso ao vento!...

Sonhar um verso de alto pensamento,
E puro como um ritmo de oração!
- E ser, depois de vir do coração,

O pó, o nada, o sonho dum momento...

São assim ocos, rudes, os meus versos:
Rimas perdidas, vendavais dispersos,
Com que eu iludo os outros, com que minto!

Quem me dera encontrar o verso puro,
O verso altivo e forte, estranho e duro,
Que dissesse, a chorar, isto que sinto!!

(Letra de Tortura, de Florbela Espanca)

24 março, 2011

Subi e desci tantas vezes o teu corpo percorrido pela música

O teu corpo, ah o teu corpo que tanto eu gostava de percorrer.

Aqui de noite a olhar as margens deste rio que nos separa, relembro o teu corpo e não adormeço -sei que, sem ti, as águas parecem-me sem vida, estagnadas.

Tenho frio. Percorre-me o corpo uma saudade de ti.

Por onde andas? Já nem sei como te encontrar, esqueci a tua morada. Estás tão longe.

Aninhado no farol de Cacilhas, junto ao Tejo, Lisboa logo ali, um homem descansa ao sol

Subi e desci, tantas vezes,
o teu corpo percorrido pela música,
pelas doze cordas de Ocidente,
pelos tambores leves que trouxeste das outras
margens,
do contínuo rumor das tendas.

Não,
não adormeço, tenho frio,
tenho um sonho de águas estagnadas que me
espera ao abrir dos olhos.

Hoje,
ao contemplar os jardins fechados,
recordo tudo isso,
escrevo,
parto sonambulamente,
mas não sei onde encontrar a tua morada,
os gladíolos ardentes.

('Subi e desci' de José Agostinho Baptista in 'Esta voz é quase o vento')

Banda Secreta por Adriana

Um cheirinho de jazz na voz envolvente de Adriana, aqui ao vivo no Teatro S.Jorge. De novo aqui esta menina bonita e inteligente que irá longe, assim a saibamos apreciar. Não é uma pessoa vulgar, requer atenção.

Boa sorte, Adriana.


(Não encontro a letra na net...)

23 março, 2011

Não sei que horas são no teu relógio

Não sei como passa o tempo por ti. Passa lento?

Por mim o tempo passa tão depressa. Nunca me chega o tempo para tudo o que quero.

 As estações renovam-se, já estamos de novo na Primavera.

Mas, num certo pedaço de mim, há um tempo que parou, tu sabes que parou. Nesse cantinho de mim, estou sentada à tua espera, recordando o teu sorriso, meu amor distante.

No Ginjal, junto a paredes gastas pelo tempo, barco à vela desliza pelo Tejo

Não sei que horas são no teu relógio.
No meu é cedo/tarde - está parado
vai fazer uns vinte anos. Não importa,
pois as coisas vão e vêm, e de novo

se levanta o mês de Março nesta era
da ironia, com seus truques estafados
e promessas desfolhantes. Juntamente,
tudo passa e tudo volta, mas diverso.

Só por isso, justamente, tem piada
estar aqui, abrir os olhos, conferir
ainda e sempre, na vitrina da manhã,
a produção da Primavera.

(Não sei que horas são de José Miguel Silva in Erros Individuais)

Sopro do coração pelos Clã

Boa música, soft, bem interpretada pelos Clã com a voz especial de Manuela Azevedo. A letra é de Sérgio Godinho.



Sim, o amor é vão
É certo e sabido
Mas então (porque não) porque sopra ao ouvido
O sopro do coração
Se o amor é vão
Mera dor
Mero gozo
Sorvedouro caprichoso

No sopro do coração...

Mas nisto o vento sopra doido
E o que foi do corpo num turbilhão
Sopra doido
E o que foi do corpo alado nas asas do turbilhão
Nisto já nem de ar precisas
Só meras brisas,
Raras
Raras
Raras

Corto em dois limão
Chego ao ouvido
Ao frescor
Ao barulho
Á acidez do mergulho

No sangue do coração
Pulsar em vão
É bem dele
É bem isso
E apesar disso eriça a pele

No sopro do coração...

(Letra de 'O sopro do coração' de Sérgio Godinho)

22 março, 2011

Amar-te assim desvelado entre os teus lábios fendidos

Saudades.

Junto a estas águas nuas, deixa que te diga da ternura, deixa que recorde os teus lábios, o teu olhar.

Olha o rio e deixa que o silêncio seja a música que nos une.

Olha a cidade branca e deixa que os nossos beijos a habitem.

E deixa que o nosso desejo seja navegável como o rio que amamos.

Dois jovens em Cacilhas, bem junto ao Tejo - Lisboa é uma esplêndida imagem na sua frente

Amar-te assim desvelado
entre barro fresco e ardor.
Sorver o rumor das luzes
entre os teus lábios fendidos.

Deslizar pela vertente
da garganta, ser música
onde o silêncio aflui
e se concentra.

Irreprimível queimadura
ou vertigem desdobrada
beijo a beijo,
brancura dilacerada

Penetrar na doçura da areia
ou do lume,
na luz queimada
da pupila mais azul,

no oiro anoitecido
entre pétalas cerradas,
no alto e navegável
golfo do desejo,

onde o furor habita
crispado de agulhas,
onde faça sangrar
as tuas águas nuas.

 
(Obscuro domínio de Eugénio de Andrade no livro homónimo)

21 março, 2011

Histórias; Vida tão estranha, A corda (de 'A Mãe' - Rodrigo Leão & Cinema Ensemble

Como estive alguns dias sem vir aqui, agora compenso com três músicas do nosso grande compositor Rodrigo Leão. Grande música, grandes interpretações (Ana Carolina aqui também com grandes desempenhos).

Grande companhia para a poesia. Deixem-no tocar. Deixem que a sua música nos toque.

17 março, 2011

Deita a cabeça no meu ombro, dá-me as tuas mãos, fecha os olhos

Fecha os olhos, deixa-te estar quietinho como gostas.

Olha as tuas mãos, sente as minhas mãos sobre as tuas. Sentiste?

Ouve o teu coração: ouviste-me respirar lá dentro?

Vou falar baixinho: meu amor. Ouviste?

(Até para a semana)

O Tejo, a ponte, Lisboa, o Ginjal - beleza superlativa

Deita a cabeça no meu ombro,
dá-me
as tuas mãos, fecha
os olhos.

Depois
canta baixinho
as canções que ambos sabemos.

And be still, my love,
que não te faço mal,
que não te peço muito
nem te direi as palavras tristes.


(Respirar de Soledade Santos in Sob os teus pés a terra)

15 março, 2011

Não tem amor senão do amor; contudo, o teu ser é destinado à alegria verdadeira

Estás aqui e és tu e mais ninguém. 

Olhas a tua mão e pensas que não estou aí para a afagar; então, com a tua outra mão, substituis a minha, para que elas não ardam de silêncio.

Quase não falas mas, quando ouves a tua voz, pensas que eu estou longe, não a poderei ouvir, e lamentas que eu não esteja aí para te dizer como gosto dela.

Olhas as pequenas coisas à tua volta, tentas entreter-te com esses pequenos afazeres.

Mas sobrevives.

Sabes que eu, mesmo estando longe, estou contigo.

Por isso, alegra-te, deixa que o destino guarde para ti, para um dia,uma alegria verdadeira.

No Ginjal, sobre o Tejo, a Ponte por trás, pescador solitário num dia de chuva

Não tem amor senão do amor.
É um homem devastado pelo pensamento da alegria.
Deus vive nele um tempo obscuro
de esquecimento. Este homem mora
nas coisas miúdas transportas,
comparadas, alvitradas, justapostas.
Vive em/arco.
Pensa em/espírito de fogueira.
Tem toda a mão queimada até ao silêncio
atroz. Rodearam-lhe a voz.
Contudo, seu ser é destinado à alegria verdadeira.


(Excerto de 'Ou o poema contínuo' de Herberto Helder, obra maior da poesia)

O Bairro do Amor por Jorge Palma e Lena d'Água

Dois jovens talentosos, Lena d'Água e Jorge Palma, cantam uma bela canção da autoria de Jorge Palma, grande compositor. É um gosto revê-los e ouvi-los.


No bairro do amor a vida e um carrossel
onde há sempre lugar para mais alguém
o bairro do amor foi feito a lápis de cor
pra gente que sofreu por não ter ninguém

No bairro do amor o tempo morre devagar
num cachimbo a rodar de mão em mão
no bairro do amor há quem pergunte a sorrir
será que ainda ca estamos no fim do Verão

Eh pá, deixa-me abrir contigo
desabafar contigo
falar-te da minha solidão
Ah, é bom sorrir um pouco
descontrair um pouco
eu sei que tu compreendes bem

No bairro do amor a vida corre sempre igual
de café em café, de bar em bar
no bairro do amor o sol parece maior
e há ondas de ternura em cada olhar

O bairro do amor é uma zona marginal
onde não há prisões nem hospitais
no bairro do amor cada um tem de tratar
das suas nódoas negras sentimentais

Eh pá, deixa-me abrir contigo
desabafar contigo
falar-te da minha solidão
Ah, é bom sorrir um pouco
descontrair um pouco
eu sei que tu compreendes bem

(Letra de 'O bairro do amor', composição de Jorge Palma)

14 março, 2011

Da verdade do amor se meditam confissões e sempre excede a vida esse segredo

Um dia voltarás para me contar relatos de viagens, confissões de segredos, naufrágios escondidos, os oceanos gelados por onde tens navegado.

E eu aqui estarei à tua espera. A esta mesa junto ao rio espero por ti.

Esta gaivota, que é o meu pensamento, voa e leva-me até ti que andas ali, ao largo.
Não tenho pressa, não tenhas presa. Não se deve esperar que o amor se explique facilmente. Não, eu sei que agora, assim, atrás das coisas, atrás do mundo que nos rodeia, ele cresce, em silêncio.

Da verdade do amor não digamos, por enquanto, ainda nada.

Mesa de restaurante no Ginjal, com gaivota, veleiro e o Tejo

Da verdade do amor se meditam
relatos de viagens    confissões
e sempre excede a vida
esse segredo que tanto desdém
guarda de ser dito

pouco importa em quantas derrotas
te lançou
as dores   os naufrágios escondidos
com eles aprendeste a navegação
dos oceanos gelados

não se deve explicar demasiado cedo
atrás das coisas
   o seu brilho cresce
sem rumor

(Da verdade do amor de José Tolentino Mendonça in A noite abre meus olhos - poesia reunida)

Muda de vida pelos Humanos

Grande canção de António Variações aqui belissimamente interpretada por Manuela Azevedo integrada nos Humanos.

E que belo video. Tudo de grande qualidade.



Muda de vida se tu não viveres satisfeito
Muda de vida, estás sempre a tempo de mudar
Muda de vida, não deves viver contrafeito
Muda de vida se há vida em ti a latejar

Ver-te sorrir eu nunca te vi
E a cantar, eu nunca te ouvi
Será de ti ou pensas que tens... que ser assim

Olha que a vida não, não é nem deve ser
Como um castigo que tu terás que viver
Olha que a vida não, não é nem deve ser
Como um castigo que tu terás que viver

(Letra de 'Muda de vida' composição de António Variações)

13 março, 2011

O poeta é um fingidor

Lembras-te? O poeta é um fingidor. Tu também és um fingidor. Eu também.

Fingimos que não nos dói, fingimos que nada sentimos, fingimos. 
E o nosso coração continua a bater porque a razão nos diz que assim deve ser.

Dois veleiros a fingirem que é um único. Vistos no Tejo, a partir do Ginjal, Lisboa, sedutora, ao fundo

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.


E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.


E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

(Autopsicografia de Fernando Pessoa)

António Zambujo - Foi Deus (Trindade)

Gosto muito de António Zambujo, tem uma voz de veludo, sabe interpretar, sabe dizer com música na voz.

É o nosso Michael Bublé do fado, ou melhor, de língua portuguesa. Dá uma nova vida a fados ou canções que antes grandes nomes interpretaram (Amália, Toni de Matos, etc).

Ouçamo-lo.


Não sei
Não sabe ninguém
Porque canto o fado
Neste tom magoado
De dor e de pranto
E neste tormento,
Todo o sofrimento
Eu sinto que a alma
Cá dentro se acalma
Nos versos que canto
*
Foi Deus
Que deu luz aos olhos
Perfumou as rosas
Deu o oiro ao Sol
E prata ao luar
Foi Deus
Que me pôs no peito
Um rosário de penas
Que vou desfiando
E choro a cantar
*
E pôs as estrelas no céu
E fez o espaço sem fim
Deu luto as andorinhas
E deu-me esta voz a mim
*
Se canto
Não sei o que canto
Misto de ventura
Saudade, ternura e talvez amor
Mas sei que cantando
Sinto o mesmo quando,
Se tem um desgosto
E o pranto no rosto
Nos deixa melhor
*
Foi Deus
Que deu voz ao vento
Luz ao firmamento
E deu o azul às ondas do mar
Foi Deus
Que me pôs no peito
Um rosário de penas
Que vou desfiando
E choro a cantar
*
Fez poeta o rouxinol
Pôs no campo o alecrim
Deu as flores à Primavera
E deu-me esta voz a mim

(Letra de 'Foi  Deus' - atribuida a Alberto Janes, embora também já tenha lido que é da autoria de Pedro Homem de Mello)

10 março, 2011

É um dia em que estou carregado de ti ou de frutos, e tropeço na luz, como um cego, a procurar-te

Estamos em março, daqui a nada em abril. Passam a correr, os meses.

Estou aqui rente ao mar e é contigo estou.

Estou aqui, olho o rio que hoje está cinzento, olho o céu pesado, vejo uma gaivota levantando voo, cruzando os céus, livre, e é com ela que o meu pensamento vai, juntando-se a ti.

Não há sol hoje, o dia está triste.

E eu tropeço de ternura por ti, tropeço em direcção a ti.

No Ginjal, uma gaivota no exacto momento em que levanta voo, rente ao Tejo

É março ou abril?
É um dia de sol
perto do mar,

é um dia em que todo o meu sangue
é orvalho e carícia

De que cor te vestiste?
De madrugada ou limão?
Que nuvens olhas, que colinas
altas,
enquanto afastas o rosto
das palavras que escrevo
de pé, exigindo
o teu amor?

É um dia de maio?
É um dia em que tropeço
no ar
à procura do azul dos teus olhos,
em que a tua voz,
dentro de mim, pergunta,
insiste:
¿Se te fué la melancolía,
amigo mío del alma?

É junho? É setembro?
É um dia em que estou carregado de ti
ou de frutos,
e tropeço na luz, como um cego,
a procurar-te.
(Canção com gaivotas de Bermeo, belíssimo, belíssimo poema de Eugénio de Andrade in Antologia Breve)

A Luta é Alegria pelos Homens da Luta (no Portugal no Coração)

Nem percebo qual a polémica: acho a canção divertida, fica no ouvido. Que mais se exige de uma canção para a Eurovisão?

Não é um letra extraordinária, não é musicalmente muito rica... mas é costume as canções da Eurovisão serem-no? Não me parece.

E acho-os desempoeirados, engraçados. Não acho nada que seja uma canção de intervenção, nada que se pareça, é uma paródia, só isso. Não votei porque nunca me costuma dar para isso e, de resto, nem vi o festival. Mas, agora que ouvi, acho-lhes piada, uma enfermeira, um bombeiro, um campino, tudo de cartazes na mão. Tem graça. E põe-nos a comentar uma coisa inesperada e isso, já de si, é uma boa coisa (ou uma boa causa).

Tinha graça que ganhassem.  E, se não ganharem, não faz mal nenhum. Acho graça a estes rapazes, Gel e Falâncio, isto é, Nuno e Vasco Duarte. Boa sorte. Divirtam-se. Divirtam-nos.


Por vezes dás contigo desanimado
Por vezes dás contigo a desconfiar
Por vezes dás contigo sobressaltado
Por vezes dás contigo a desesperar

De noite ou de dia
A luta é alegria
E o povo avança é na rua a gritar!

De pouco vale o cinto sempre apertado
De pouco vale andar a lamuriar
De pouco vale um ar sempre carregado
De pouco vale a raiva p'ra te ajudar

De noite  ou de dia
A luta é alegria
E o povo avança é na rua a gritar!

Traz o pão, traz o queijo, traz o vinho
Vem o velho, vem o novo e o menino

Vem celebrar esta situação
E vamos cantar contra a reacção!

Traz o pão, traz o queijo, traz o vinho
Vem o velho, vem o novo e o menino

Não falta quem te avise: vai com cuidado
Não falta quem te queira mandar calar
Não falta quem te deixe ressabiado
Não falta quem te venda o próprio ar

De noite ou de dia
A luta é alegria
E o povo avança é na rua a gritar!

Traz o pão, traz o queijo, traz o vinho
Vem o velho, vem o novo e o menino

Vem celebrar esta situação
E vamos cantar contra a reacção

Traz o pão, traz o queijo, traz o vinho
Vem o velho, vem o novo e o menino

(Letra de 'A luta é alegria' dos Homens da Luta)

09 março, 2011

Caminhei sempre para ti sobre o mar encrespado

Caminhei para ti. Sem o saber era para ti que caminhava.

Foi uma longa caminhada até ti e, depois, fez-se noite.

Mas é verdade: o amor é uma noite a que se chega só.

Avistado do Ginjal, barco à vela numa manhã de vento e chuva, num Tejo encrespado, Lisboa sombria do outro lado

Caminhei sempre para ti sobre o mar encrespado
na constelação onde os tremoceiros estendam
rondas de aço e charcos
no seu extremo azulado

Ferrugens cintilam no mundo,
atravessei a corrente
unicamente às escuras
construí a minha casa na duração
de obscuras línguas de fogo, de lianas, de líquenes
A aurora para a qual todos se voltam
leva meu barco da pota entreaberta

o amor é uma noite a que se chega só


('A noite abre meus olhos' de José Tolentino de Mendonça' in 'A noite abre meus olhos [poesia reunida])

Nota: Este livro é uma jóia até do ponto de vista do objecto livro: é muito bonito, muito bem feito, parece um missal.

Solta-se o beijo pela Ala dos Namorados & Sara Tavares

Canção que canta o amor de Catarina Furtado e João Gil, uma canção a meias, que ficará sempre como uma marca do período em que viviam juntos.

Uma canção de cumplicidade e vivência familiar.


Espreito por uma porta encostada
Sigo as pegadas de luz
Peço ao gato "xiu" para não me denunciar

Toca o relógio sem cuco
Dá horas à cusquice das vizinhas e eu
Confesso às paredes de quem gosto
Elas conhecem-te bem

Aconhego-me nesta cumplicidade
Deixo-me ir nos trilhos traçados
Pela saudade de te encontrar
Ainda onde te deixei

Trago-te o beijo prometido
Sei o teu cheiro mergulho no teu tocar
Abraças a guitarra e voas para além da lua

Amarro o beijo que se quer soltar
Espero que me sintas para me entregar
A cadeira, as costas, o cabelo e a cigarrilha
A dança do teu ombro...

E nesse instante em que o silêncio
É o bater do coração
Fecha-se a porta
Pára o relógio
As vizinhas recolhem
Tu olhas-me...
Tu olhas-me...

Espreito por uma porta encostada
Sigo as pegadas de luz

(Letra de 'Solta-se o beijo' da autoria de Catarina Furtado)

08 março, 2011

E até lá nenhum de nós estará só, não há nada que nos separe

Não precisamos de palavras, não precisamos de apanhar chuva ou sol em conjunto: não há escuridão ou distância que nos separe.

A luz virá, eu sei, o tempo do mel virá.

Tornar-nos-emos reais nessa altura, eu sei.

Até lá, fica comigo tal como eu te tenho sempre junto a mim, dentro de mim.

Por ser Dia da Mulher, este simpático senhor, em nome da Junta de Freguesia de Cacilhas, amavelmente ofereceu-me uma flor

E até lá nenhum de nós está só,
não há escuridão que nos separe.
A luz virá, e nós, já sem papel,
não diremos palavras, nossas ou prescritas.
Nenhum de nós dirá o que restar
deste tempo de negas e de pó
e outro tempo de calmas e de mel
nos tornará reais sem as guaritas
que nos protegiam noutras eras:
apanharemos chuva e sol deveras

('38. Ela' de novo do excelente 'Um teatro às escuras' de Pedro Tamen)

Rosa da Madragoa por Raquel Tavares

Alma de fadista, a Severa da Madragoa, a grande Raquel Tavares.


Uma saudade do mar, tem
Seu monumento em Lisboa
Velho bairro popular
Sombrio e vulgar
Que é a Madragoa.
E reza a história que foi, lá
Numa noite de natal
Que veio a luz o primeiro
Herói marinheiro
Que honrou Portugal

Ó velha Madragoa
Tens a esperança e nada mais
E há tanta coisa boa
Noutros bairros, seus rivais
Ó velha Madragoa,
Não tens um só painel
Um arco ou um brazão
Só tens ó Madragoa
Nos lábios doce mel
No peito um coração

A noite cai, e o luar vem
Dar-lhe cor de opala
E as estrelas a brilhar
Parecem baixar
Do céu para beijá-la
E a Madragoa a dormir tem
Como prémio teu labor
Lindos sonhos de princesa
Da eterna beleza
Dos sonhos de amor.

(Letra de Rosa da Madragoa, composição antes interpretada por Amália)

07 março, 2011

São tão largas as noites para a concisão de um corpo

Às vezes o amor, às vezes entra, às vezes o amor entra e fica (mas são tão largas as noites).

Às vezes o amor é um sorriso na memória, um amor tão longe (mas tão presente como um animal).

Aqui onde estou, meu amor, és tão real, tão carnal que, se entrasses no mar, eu sei que, com a tua alegria, te transformarias em flores, em frutos (só para me veres a rir).

Numa 'bela manhã de domingo', no Ginjal, mulher fotografa o Tejo e Lisboa (enquanto um pescador a observa - às vezes o amor)
São tão largas as noites
para a concisão de um corpo.
Tão escuro o sorriso que as pernas abrem
ao mundo.
E no entanto animal que passe
aloira-se nas águas e geme
de uma alegria que tem flores e frutos.

('Cântico das nervuras' de Catarina Nunes de Almeida in Bailias)

Às Vezes o Amor de e por Sérgio Godinho

Às vezes o amor, diz o connaisseur Sérgio Godinho.


Que hei-de eu fazer
Eu tão nova e desamparada
Quando o amor
Me entra de repente
P'la porta da frente
E fica a porta escancarada

Vou-te dizer
A luz começou em frestas
Se fores a ver
Enquanto assim durares
Se fores amada e amares
Dirás sempre palavras destas

P'ra te ter
P'ra que de mim não te zangues
Eu vou-te dar
A pele, o meu cetim
Coração carmesim
As carnes e com elas sangues

Às vezes o amor
No calendário, noutro mês, é dor,
é cego e surdo e mudo

E o dia tão diário disso tudo

E se um dia a razão
Fria e negra do destino
Deitar mão
À porta, à luz aberta
Que te deixe liberta
E do pássaro se ouça o trino

Por te querer
Vou abrir em mim dois espaços
P'ra te dar
Enredo ao folhetim
A flor ao teu jardim
As pernas e com elas braços

Às vezes o amor
No calendário, noutro mês, é dor,
É cego e surdo e mudo

E o dia tão diário disso tudo

Mas se tudo tem fim
Porquê dar a um amor guarida
Mesmo assim
Dá princípio ao começo
Se morreres só te peço
Da morte volta sempre em vida

Às vezes o amor
No calendário, noutro mês é dor,
É cego e surdo e mudo
E o dia tão diário disso tudo
Da morte volta sempre em vida

(Letra de 'Às vezes o amor' de Sérgio Godinho)

03 março, 2011

Nenhum de nós passeia impune pelos retratos: fazem-nos doer a memória

Não gosto de passear pela memória, tu sabes. Não que me faça doer mas porque gosto do tempo que vem, não do que foi.

Mas como ter-te só meu se não for assim?

Trago-te pois para junto de mim.

O olhar, os sustos, as secretas loucuras e a ternura, e a voz e os lábios (agora distantes).

Ainda és como te recordo?

Se calhar és outro e não já aquele. Se calhar és outro. Se calhar.

Velas brancas quase inventadas como os retratos das nossas memórias: as Descobertas, o Tejo, Lisboa, avistados do Ginjal num dia com uma luz assim, mágica.

Nenhum de nós passeia impune
pelos retratos: fazem-nos doer
os recessos da memória.

Deles saltam, por vezes, sustos,
primeiras noites, secreta
loucura, lábios que foram.

Interditam-nos sempre.
Trepam-nos pelo torpor
mais desprevenido, subsistem.

A sua perenidade é volátil
e cheia de venenosos ardis.
Um sopro no acetato.

Distintos, os seus contornos
não são nunca
os que supomos.


('Nenhum de nós passeia impune' de Eduardo Pitta no recente e imperdível Desobediências)

Não há só Tangos em Paris por Cristina Branco

Cristina Branco, com um aspecto mais sofisticado, mais madura, canta uma canção interessantíssima. Já não é fado, já não são remakes, já é uma linguagem musical muito própria.

A ter em atenção.


O CD foi lançado há 2 ou 3 dias, ainda não encontrei a letra.

Quando a encontrar, aqui voltarei.

01 março, 2011

Tropeço no ensurdecedor silêncio da tua voz. Um tempo adiado.

Nestes dias brancos, sem memória, em que, dia após dia, adio a tua voz, acompanha-me o silêncio.

Escondo as lágrimas pelas cartas que não escrevo, pela voz que não procuro.

Pouco ou nada tenho de ti, apenas a memória do teu sorriso, das tuas palavras, do teu olhar.

Avistado do Ginjal, barco atravessa o Tejo numa manhã branca, ao largo de uma Lisboa branca

Tropeço no ensurdecedor
silêncio da tua voz. Um tempo
adiado. Tempo de cicatrizes.

O desaconchego do orgulho
nas tuas esquinas im
pacientes. O teu sorriso pouco.

Ainda ontem aprendiz
ainda ontem navegante.
Mareante a amar-te mais.

Recordo agora
o sobressalto relojoado,
o choro que me sobrou

a carta que não escrevi.
Pouco ou nenhum
era o espólio consentido.


(Sentido 'Tropeço no ensurdecedor silêncio' de Eduardo Pitta in Desobediência)

Estou Além pelos Humanos (aqui Camané com Manuela Azevedo e David Fonseca nos coros)

Uma festa. Três grandes intérpretes como vocalistas e outros músicos formam o grupo Humanos para recriar as inovadoras canções de António Variações.

Aqui uma grande canção repleta de ansiedade mas numa festiva interpretação. Nada de tons pessimistas.


Não consigo dominar
Este estado de ansiedade
A pressa de chegar
P'ra não chegar tarde

Não sei do que é qu eu fujo
Será desta solidão
Mas porque é que eu recuso
Quem quer dar-me a mão

Vou continuar a procurar
A quem eu me quero dar
Porque até aqui eu só
Quero quem, quem eu nunca vi
Porque eu só quero quem
Quem não conheci
Porque eu quero só quero quem
Quem eu nunca vi
Porque eu só quero quem
Quem eu nunca vi
Porque eu só quero quem
Quem não conheci
Porque eu só quero quem
Quem eu ninca vi

Esta insatisfação
Não consigo compreender
Sempre esta sensação
Que estou a perder

Tenho pressa de sair
Quero sentir ao chegar
Vontade de partir
P'ra outro lugar

Vou continuar a procurar
A minha forma
O meu lugar
Porque até aqui eu só
Estou bem aonde não estou
Porque eu só quero ir
Aonde não vou
Porque eu só estou bem
Aonde não estou
Porque eu só quero ir
Aonde não vou
Porque eu só estou bem
Aonde não estou

(Letra de 'Estou além', composição de António Variações)