Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

30 maio, 2015

O sempre é o pior dos nuncas








O veleiro afasta-se em direcção ao horizonte. Mais perto do casario, um outro veleiro, mais pequeno, branco, menineiro, parece percorrer um trilho de luz, parece querer ficar onde ficam os veleiros que gostam de habitar os corações dos seres amados.

O céu tem aquele tom dourado dos fins de dia quando o calor preenche o ar. Uma paz suave percorre a minha pele, entra devagar no meu coração. O tempo passa, a vida avança. Uns ficam, outros vão. A distância entre o que fica e o que vai um dia já não será distância, será ausência, esquecimento. O veleiro desliza e o silêncio de um fim de dia assim não é o prenúncio de saudade, é, sim, um adeus.

O azul do rio começa a adensar-se, começa a incorporar a noite, e a noite trará a solidão boa que acompanha os pássaros recolhidos, os gatos vadios, os amantes perdidos, as vozes silenciadas. O azul escurecerá ainda mais, as águas correrão calando murmúrios, afogando mágoas efémeras e segredos inúteis, lavando as almas dos espíritos que habitam as ruínas. 

Até que o veleiro desaparece, afasta-se das casas, afasta-se do pequeno veleiro branco. Terá passado para o lado de lá do horizonte, e nunca mais será visto cruzando este rio tão amado.

Depois o ouro recolhe ao coração das gaivotas livres e das mulheres sonhadoras, o céu escurece, a noite tomba devagar -- vem de longe, vem de trás das serras, e, aos poucos, abate-se sobre as casas, sobre as águas. A paz é, então, uma carícia, uma companhia amiga, e traz palavras envoltas em memórias boas, em devaneios felizes, em fragmentos inocentes, em pequenos nadas, em sorrisos inventados.

Fecho os olhos, deixo que o sono me envolva. O veleiro estará já muito longe. Até sempre. 




Ao partir,
disseram-me: voltarás sempre.

Parecia um consolo.

Era uma condenação.

Odeio o sempre.

Nos lugares
da vida carecidos,
o sempre é o pior dos nuncas.



['A Partida' de Mia Couta in 'vagas e lumes']

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Diana Krall interpreta Cry me a river e as fotografias foram feitas ontem ao fim do dia, rente ao Tejo e da janela desta sala

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