Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

30 outubro, 2010

Com lenços de vogais ao vento, o Ginjal saúda o Tejo, saúda Lisboa, saúda o Universo

Em silêncio grito ao vento, em silêncio soletro palavras, em silêncio olho para Lisboa

(Pano velho numa parede no Ginjal, azul como azul estava o Tejo)

Entre bruscos lençóis de gritos fomos feitos
Com lenços de vogais saudámos o universo

(Sinais II in Matura Idade de David Mourão-Ferreira)

28 outubro, 2010

Meu coração não está nas largas avenidas nem repousa à tarde, para lá do rio Tejo

Nada acontece.
Nem, ao menos, tu, neste tempo de angústia vens dizer o meu nome ou cobrir-me de beijos.
Quero amar-te, sim, mas tu hoje não voltas. Tu não virás, nunca mais.
 Onde estás meu amor que não posso confessar? Onde estás meu amor que não posso deixar de amar em pecado?

(Cacilheiro a chegar de Lisboa, no cais de Cacilhas, à beira do Ginjal)

Meu coração não está nas largas avenidas
nem repousa à tarde, para lá do rio.
Nada acontece. Nada. Nem, ao menos, tu
virás despentear os meus cabelos.

Nem, ao menos, tu, neste tempo de angústia
vens dizer o meu nome ou cobrir-me de beijos.
Ah, meu coração não está nas largas avenidas
nem repousa à tarde, para lá do rio.

A cidade enlouquece os meus olhos de pássaro.
Eu recuso as palavras. Sei o nome da chuva.
Quero amar-te, sim. Mas tu hoje não voltas.
Tu não virás, nunca mais, ó minha amiga.

Nada acontece. Nada. E eu procuro-te
por dentro da noite, com mãos de surpresa.
Meu coração não está nas largas avenidas
nem repousa à tarde, para lá do rio.

E tu, longe, longe. Onde estás meu amor,
que não vens despentear os meus cabelos?
Eu quero amar-te. Mas tu hoje não voltas.
Tu não virás, nunca mais, ó minha amiga.

(Canção da minha tristeza in Canções de Ex-Cravo e Malviver de Joaquim Pessoa)

Amor de Mel, Amor de Fel por António Zambujo (no S. Luis)

27 outubro, 2010

O teu prazer é o meu prazer

Abençoo-te porque me levas onde a luz do prazer nasce das trevas. Abençoo-te, não porque te dás, mas porque o teu prazer é o meu prazer e só no teu prazer encontro paz.

Promete lá outro encontro que o outro foi tão fugaz que nem deu para ver como era o fogo que a tua boca prometeu e quero dizer-te cara a cara que é muito mais o que nos une que aquilo que nos separa!

(Amar sobre o Tejo, numa manhã no Ginjal, Lisboa do outro lado)

Bendita sejas tu porque mulher
bendita sejas não porque te dás
mas porque o teu prazer é o meu prazer
e só no teu prazer encontro paz.

Correrão muitos rios mas o teu
é o que me leva às águas do baptismo
contigo em cada orgasmo eu subo ao céu
noite a noite contigo eu vejo o abismo.

Corre o Jordão e o Tibre os rios correm
contigo em cada orgasmo eu me baptizo
contigo noite a noite a dor e o riso.

Nas curvas do teu corpo os diabos morrem
bendita sejas tu porque me levas
onde a luz do prazer nasce das trevas.

(in Sete Sonetos e um Quarto de Manuel Alegre)

O Meu Primeiro Beijo de Rui Veloso e OT1



Pelas praças e pelas ruas procurarei aquele que o meu coração ama

Vou dar voltas pela cidade, pelas praças e pelas ruas, vou procurar aquele que o meu coração ama.
Tudo o que eu vi, quero partilhar com ele; o que não vivi, hei-de inventar com ele; sei que não sei às vezes entender o seu olhar mas quero-lhe bem, quero que se encoste a mim.

(Largo de Cacilhas, à noite)

No meu leito, toda a noite
procurei aquele que o meu coração ama.
Procurei-o e não o encontrei.
Vou levantar-me e dar voltas pela cidade.
Pelas praças e pelas ruas, procurarei
aquele que o meu coração ama.

("Aquele que o meu coração ama", in Cântico dos Cânticos, 3, V.1, retrado de "O que dói às aves")

26 outubro, 2010

Encosta-te a Mim por Jorge Palma

 
Magnífica canção, magnífico video com o magnífico Jorge Palma rodeado pelos seus amigos.

A lágrima que pousa no papel numa tarde de Outono junto ao Tejo, no lugar mágico do Ginjal

A tua mão tão longe, as linhas da vida que não se encontram, toda a saudade do mundo, o teu nome dito sem palavras.

(Barquinho no Tejo num doce entardecer no Ginjal - olhar o rio neste recanto e estar em paz, apesar da nostalgia nos vem da doçura das cores, do rumor da água, da harmonia do momento)

A lágrima que pousa no papel: a tua
mão tão longe. Este é um caderno de
linhas que também não se encontram

e a minha mão escreve o teu nome às
cegas numa delas. Vê - a lágrima é
uma lente que multiplica a dor, toda a
 saudade do mundo cabe nessa palavra.

(in Nenhum Nome Depois, Maria do Rosário Pedreira)

24 outubro, 2010

A vida feita dos seus corpos obscuros e das sua palavras próximas, na Pensão Célia

A vida, as suas perdas e os seus ganhos, a sua mais que perfeita imprecisão, a vida que traz consigo as emoções e os acasos, a luz inexorável das profecias que um dia se vão realizar e dos encontros que sempre se soube que se iriam dar, mesmo que ainda não se saiba quando, onde.  

(Pensão Célia e Restaurante Marisqueira Vale do Rio, em Cacilhas, no Largo que dá entrada para o Ginjal)


A vida, as suas perdas e os seus ganhos, a sua
mais que perfeita imprecisão, os dias que contam
quando não se espera, o atraso na preocupação
dos teus olhos, e as nuvens que caíram
mais depressa, nessa tarde, o círculo das relações
a abrir-se para dentro e para fora
dos sentidos que nada têm a ver com círculos,
quadrados, rectângulos, nas linhas
rectas e paralelas que se cruzam com as
linhas da mão;

a vida que traz consigo as emoções e os acasos,
a luz inexorável das profecias que nunca se realizaram
e dos encontros que sempre se soube que
se iriam dar, mesmo que nunca se soubesse com
quem e onde, nem quando; essa vida que leva consigo
o rosto sonhado numa hesitação de madrugada,
sob a luz indecisa que apenas mostra
as paredes nuas, de manchas húmidas
no gesso da memória;

a vida feita dos seus
corpos obscuros e das suas palavras
próximas.

("A vida" in "Teoria Geral do Sentimento", Nuno Júdice)
 
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Amélia dos Olhos Doces - Carlos Mendes e Nicolau Brayner

23 outubro, 2010

O Tejo é mais belo, o Tejo tem grandes navios, pelo Tejo vai-se para o Mundo

Quando estou ao pé dele, estou só ao pé dele e depois de estar ao pé dele, continuo a estar só ao pé dele


O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia



Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.
O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.

O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.  
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso porque pertence a menos gente, 
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.  

Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.  
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.

O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.  
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.

(O Tejo é mais belo, in Guardador de Rebanhos, Alberto Caeiro)

Canoas do Tejo por Rui Drummond

Tentei arranjar uma gravação decente com uma interpretação pelo Carlos do Carmo, preferivelmente até a interpretação conjunta do Carlos do Carmo e Mariza no Pavilhão Atlântico, mas não descobri nada com qualidade.

O Rui Drummond, dono de belíssima voz, também não desmerece: aqui quando dava os primeiros passos, numa gala da Operação Triunfo.

Silêncio, Nostalgia, Luz de Outono, Interminável Dia de funda Melancolia

Dias monótonos, de funda melancolia, passos sem rumo: para pouco servem os braços, nestas horas frias, sem alegria.

(O Silêncio cola-se às paredes nos dias de culto no Ginjal, quando é hora de venerar Lisboa)


Silêncio, nostalgia...
Hora morta, desfolhada,
sem dor, sem alegria,
pelo tempo abandonada.

Luz de Outono, fria, fria...
Hora inútil e sombria
de abandono.
Não sei se é tédio, sono,
silêncio ou nostalgia.

Interminável dia
de indizíveis cansaços,
de funda melancolia.
Sem rumo para os meus passos,
para que servem meus braços,
nesta hora fria, fria?

(Silêncio, Nostalgia in "Trinta e Nove Poemas"
, Fernanda de Castro)

22 outubro, 2010

Chopin por Maria João Pires

A pianista Maria João Pires interpreta a Sonata para Violoncelo e Piano em Sol menor, opus 65, Allegro moderato de Frédéric Chopin, em polaco Fryderyk Chopin.(1810, 1849).

Façamos silêncio para ouvirmos e sentirmos o virtuosismo da interpretação e da composição.

Meu amor na tua mão, nessa mão onde perfeito bateu o meu coração

Se o teu olhar de novo no meu olhar se enlaçasse, o teu olhar verdadeiro, esse olhar que era só meu, amor que foste o derradeiro.

(Gaivota no Ginjal vira as costas a Lisboa, a Branca e Luminosa, e ao Tejo enfeitado com velas)

Se uma gaivota viesse
trazer-me o céu de Lisboa
no desenho que fizesse,
nesse céu onde o olhar
é uma asa que não voa,
esmorece e cai no mar.

Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.

Se um português marinheiro,
dos sete mares andarilho,
fosse quem sabe o primeiro
a contar-me o que inventasse,
se um olhar de novo brilho
no meu olhar se enlaçasse.

Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.

Se ao dizer adeus à vida
as aves todas do céu,
me dessem na despedida
o teu olhar derradeiro,
esse olhar que era só teu,
amor que foste o primeiro.

Que perfeito coração
no meu peito morreria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde perfeito
bateu o meu coração.

(Gaivota, Alexandre O`Neill)
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20 outubro, 2010

E por vezes as noites duram meses - nos dias de saudade no Ginjal

Está tão longe aquele em que tanto penso. 

Olho o mar e penso nos braços que antes me abraçavam, olho o mar com olhos vazios e penso: "Meu amor", olho o mar e imagino que, de longe, me chega a resposta tão desejada: "Minha querida".

Olho o mar e quero pensar:  "Até um dia destes" porque, um dia, alguém me disse: "Vou mexer no destino, vou mudar-te a sorte"

(Mulher olhando o Tejo, a bordo de um barco no Ginjal)

E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites   não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos.

(E por vezes, in Matura Idade de David Mourão-Ferreira)

Ana Moura - Os Búzios ("À espera está um grande amor, mas guarda segredo")

Mas fado não é sempre sinónimo de desolação, de resignação. Neste caso, há esperança:

"Vê como os búzios cairam virados p'ra norte
Pois eu vou mexer no destino vou mudar-te a sorte"



Havia a solidão da prece num olhar triste
Como se os seus olhos fossem as portas de pranto
Sinal da cruz que persiste, os dedos contra o quebranto
E os búzios que a velha lançava sobre um velho manto

À espera está um grande amor, mas guarda segredo
Vazio tens o teu coração na porta do medo
Vê como os búzios cairam virados p'ra norte
Pois eu vou mexer no destino vou mudar-te a sorte

Havia um desespero intenso na sua voz
O quarto cheirava a insenso e mais uns quantos pós
A velha agitava o lenço, dobrou, deu-lhe dois nós
E o seu pai de santo falou, usando-lhe a voz

À espera está um grande amor mas guarda segredo
Vazio, tens o teu coração na porta do medo
Vê como os búzios cairam virados p'ra norte
Pois eu vou mexer no destino vou mudar-te a sorte

(Fado de Jorge Fernando)

19 outubro, 2010

Eu não sei se me salvo ou me perco, ó meu Cristo Rei

(O Cristo Rei, aqui bem sobre o Ginjal, abre os seus braços a Lisboa)


Eu não sei se me salvo ou se me perco
ou se és tu que te perdes e me salvas
só sei que me redimo quando peco
e corpo a corpo ao céu vão nossas almas.

(in Sete Sonetos e Um Quarto, Manuel Alegre)


(Aqui em baixo, no Ginjal, junto a estas ruínas, junto ao Tejo, recebo o teu fraterno abraço, Cristo Rei de Almada e Lisboa)
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Ave Mundi by Rodrigo Leão

Sublime. Rodrigo Leão, compositor maior da música portuguesa, acompanha a emoção de Ângela Silva, professora do Coral Luísa Todi em Setúbal em Ave Mundi.

18 outubro, 2010

Às vezes o medo .... e nenhum nome depois

Quando o medo se cola às paredes, quando as ruas se tornam sombrias, quando os corações ficam perdidos dentro das casas sem amor

(Parede no Ginjal onde se podem ler estas palavras que, assim isoladas, me soam inquietantes: "Às vezes o medo" - porque o medo é o que nos tolhe a vida)

Esta manhã o sol atravessou de repente
para o outro lado da rua - são tão sombrias

as casas quando delas se perde o nome de
alguém, tão escuros os corações dos que
ficam lá dentro para habitar a dor.

(in Nenhum Nome Depois de Maria do Rosário Pedreira)

Camané - A Guerra das Rosas

Fantástico Camané e inspirada versão da Guerra das Rosas.

No Jeito Manso mostro o filme que esteve certamente na origem desta versão cantada.


Entro no amor como em tua casa

De manhã ou à tarde ou à noite.

(Pátio no Ginjal que dá acesso a portas que dão acesso a casas, com escadas que sobem sabe-se lá para onde)

Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa. Faço de conta que
não é nada comigo. Distraído percorro
o caminho familiar da saudade,
pequeninas coisas me prendem,
uma tarde num café, um livro. Devagar
te amo e às vezes depressa,
meu amor, e às vezes faço coisas que não devo,
regresso devagar a tua casa,
compro um livro, entro no
amor como em tua casa.

(Manuel António Pina)
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17 outubro, 2010

Momento - Pedro Abrunhosa

Quarto Poema do Pescador - um momento feliz no Ginjal

O Homem e o Mar

(Dois peixes de uma só vez - a cana vergada, a alegria de uma dupla vitória)

Sei agora que Deus rola nas ondas
vem na última onda ei-lo na espuma
é reflexo brilho incadescência.
Se vou à pesca é para o procurar
se lanço a linha é para ver se o pesco
quando pesco um robalo eu pesco Deus
e é com ele que falo em frente ao mar
ele é o seixo a alga o vento leste
a nuvem que lentamente cobre a lua
ele é a minha dispersão e a minha comunhão
o fragmento da estrela que se vê ainda
a tainha que salta
ele é o grão de areia e a imensidão da noite
o finito e o infinito
vai na corrente corre-me no sangue
não sei que nome dar-lhe
digo Deus
ele é o laço que me prende e me desprende
o que palpita em mim e o que em mim morre
vem na sétima onda e bate no meu pulso
ele é o aqui o agora o nunca mais
a morte que está dentro
rola na onda
bate na sétima costela do meu corpo
chamo-lhe Deus porque ele é o tudo e é o nada
eternidade que não dura sequer o eu dizê-la
ei-lo na espuma na lua no reflexo
de repente um esticão a cana curva-se
é talvez um robalo de seis quilos
isto é a pesca
o meu falar com Deus ou com ninguém
sozinho frente ao mar.
Ele é o vento a noite a solidão
o robalo que luta contra a morte
e é a minha ligação magnética com Deus
esse umbigo do mundo
que rola sobre as ondas e cai do firmamento
com sua espuma e sua luz e sua noite
chamo-lhe Deus porque não sei como o chamar
ao meu ser e não ser
de noite junto ao mar
quando regulo a amostra e sua fluorescência
pescando robalos
ou talvez Deus
e sua ausência.

Manuel Alegre, Senhora das Tempestades

(Once in a life time uma história para contar, a prova de que Deus existe, Lisboa lindíssima em fundo como testemunha, um sábado tranquilo no Ginjal, Cacilhas)
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O Anzol @ Radio Macau

16 outubro, 2010

O Azul do Ginjal e Flores Magras e Azuis de José Tolentino Mendonça


(Pátio no Ginjal, Cacilhas)


Contra o coração
abraçava ramos de flores magras e azuis
sentimentos muito triviais
e por vezes a maior escuridão

perseguia sem cessar certos gestos
que na paz
seriam seus

(Fogueiras e gelos, in Baldios de José Tolentino Mendonça)

Luís Represas & João Pedro Pais - 125 Azul (Aula Magna, Voz)

15 outubro, 2010

Quinto Poema do Pescador no Ginjal

(Olhando a cana, olhando o mar, olhando o céu num fim de tarde no Ginjal em Cacilhas)


Eu não sei de orações senão perguntas
ou silêncios ou gestos ou ficar
de noite frente ao mar não de mãos juntas
mas a pescar

Não pesco só nas águas mas nos céus
e a minha pesca é quase uma oração
porque dou graças sem saber se Deus
é sim ou não.

(in Senhora das Tempestades, Manuel Alegre)

Rui Veloso e Mariza - Não Queiras Saber de Mim (live)

Uma canção tão bonita, interpretada por dois nomes grandes da música portuguesa.

Para os dias em que não nos recomendamos.

13 outubro, 2010

Floresta do Ginjal, ex-Restaurante, actual Salão de Baile em Cacilhas


(Porta de entrada do Restaurante Floresta do Ginjal, Cacilhas)

Talvez uma ou duas vezes por ano vínhamos almoçar ao Floresta. Tinha um porteiro fardado na entrada, tinha uma escadaria e, lá em cima, no primeiro andar, numa sala ampla. Comíamos uma óptima caldeirada (tenho ideia de que precedida por ameijoas) e ficávamos numa mesa ao pé da janela a ver o Tejo, a ver Lisboa.

Guardo desse tempo, talvez por ser miúda, a ideia de alguma dimensão, quase imponência, talvez porque a porta me parecia uma porta de palácio - e que hoje vejo que é uma porta emoldurada por conchas.

Agora, como restaurante, está fechado, cabos de electricidade passados por fora, a bela porta de madeira assim como se vê, escrita, riscada. E, no entanto, nesta rua escura de casas abandonadas e degradadas, é uma porta que sobressai, mantém a dignidade, alguma altivez, a luz brilha nas conchas, dá-lhe este ar dourado.

No outro dia passei por lá à tarde e, para minha surpresa, havia pessoas de alguma idade na varanda, ouvia-se música de baile - às portas de Lisboa e parecia que estava bem longe, quer no espaço, quer no tempo.

Disseram-me que agora se fazem lá matinés dançantes, que se juntam lá viúvos desirmanados, casais reformados, gente à procura de uma alegria, de uma companhia. Então era isso!

Achei extraordinário e parece-me uma excelente reutilização daquele espaço que tem uma localização e uma vista ímpar.

Um dia destes hei-de lá ir. Deve ser bonito.
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Rosa à janela - Baile Popular

Uma música muito feliz para pôr toda a gente animada.

Enjoy, be happy!

Let's dance!


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12 outubro, 2010

O esquecimento, acredita, é a mais lenta das feridas mortais

A par da magia do Ginjal há, por vezes, alguma inquietude. Especialmente quando o dia cai, na penumbra, figuras solitárias pairam junto ao rio e das paredes saem criaturas misteriosas.

Uma inquietude mágica junto às águas escuras do Tejo.


(Figura inquietante pintada numa parede do Ginjal em Cacilhas)


Sempre amei por palavras muito mais
do que devia

são um perigo
as palavras

quando as soltamos já não há
regresso possível
ninguém pode não dizer o que já disse
apenas esquecer     e o esquecimento       acredita
é a mais lenta das feridas mortais
espalha-se         insidiosamente       pelo nosso corpo
e vai cortando a pele como se um barco
nos atravessasse de madrugada

e de repente acordamos um dia
desprevenidos      e completamente
indefesos

um perigo
as palavras


(Belíssimo poema de Alice Vieira in O que dói às aves)
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Vejam Bem (José Afonso) pela Tuna Iscalina

Uma canção do Zeca de que muito gosto, aqui interpretada pela Tuna do Iscal o que, em minha opinião, é uma feliz reunião. O Zeca foi até, ao fim, um jovem, as suas canções são intemporais e a irreverência das Tunas fica muito bem numa rua que tem de um lado o Tejo e do outro paredes cheias de graffitis.


 

11 outubro, 2010

Lisboa tem um vestido feito de mar


(O que foi uma casa, certamente imponente, no Ginjal)


Lisboa tem um vestido azul feito de mar e guerra.

E cheira a laranjas maduras.

Quando as gaivotas trazem no bico os primeiros pedaços de sol para acender o dia, Lisboa deixa correr os cabelos pelo Tejo e o Povo pelas ruas.

À mesma hora, a coragem agita no sangue duas grandes asas inquietas.

Por todas as janelas destruídas, já o mar entrou, derrubando acácias, cantando hinos de espuma.

E porque toda a coragem é necessária, toda a esperança é legítima.


(de novo, in Canções de Ex-Cravo e Malviver de Joaquim Pessoa)

Este seu Olhar por Diana Krall

Haja o Que Houver - Madredeus

Nós sabemos do mar a cor violenta


(Velas brancas em frente de Lisboa, a branca, vistas numa manhã no Ginjal)


Nós sabemos do mar a cor violenta
e o sal dentro das veias a latir.
O dia é uma ave lenta, lenta
voando sobre o Tejo. Até cair.

E nas mãos guardamos essa ave
que nos tinge de sangue o litoral.
a cor dos nossos olhos só a sabem
os que nascem aqui. Em Portugal.

Os que lutam às portas de Lisboa
respirando nas ondas e no tempo
este azul tão selvangem que magoa
as gaivotas prenhes pelo vento.

Os que tombam às portas da cidade
sobre um lençol de feridas e de fogo.
Sem nome. Sem culpa. Sem idade.
Que assim morrem os homens deste povo.

(Canção Sexta, in Canções de Ex-Cravo e Malviver de Joaquim Pessoa)



.(Uma gaivota tranquila no Ginjal)
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09 outubro, 2010

Ginjal, primeiro dia

Apaixonei-me pelo Ginjal. É pouco mais que uma rua, casas em ruínas, graffitis, um morro, vários bocados de cais com paredes degradadas - mas tudo de uma incrível telegenia. E o rio ali aos nossos pés. E Lisboa lindíssima à nossa frente. E as poucas pessoas que por ali andam, pescadores, casais soltos, figuras solitárias. E Cacilhas e todo aquele bulício com gente que chega e que parte. Tudo me encanta.

E, assim, resolvi dedicar-lhe um espaço e aqui colocarei as fotografias que por ali faço, talvez poemas, talvez histórias, talvez música.

Vamos ver.

De qualquer forma, espero que, quem aqui entrar, goste das fotografias, dos textos, da música. Ficarei muito feliz se gostarem de por aqui estar; e, se quiserem partilhar as vossas opiniões, tanto melhor.

Sejam, pois, muito bem vindos.
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