Lembras-te? O poeta é um fingidor. Tu também és um fingidor. Eu também.
Fingimos que não nos dói, fingimos que nada sentimos, fingimos.
E o nosso coração continua a bater porque a razão nos diz que assim deve ser.
Dois veleiros a fingirem que é um único. Vistos no Tejo, a partir do Ginjal, Lisboa, sedutora, ao fundo |
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
(Autopsicografia de Fernando Pessoa)
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