Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

30 março, 2011

Esperei tanto o corpo daquele que o meu coração ama

Basta a voz daquele que o meu coração ama para que eu sinta correr em mim um sangue novo, para que se acenda um clarão que ilumina a minha pele, a minha alma.

Aqui de noite, madrugada adentro, o meu pensamento percorre os mares à sua procura mas todos os rumores de água me devolvem a sua voz pura, amada.

E então eu sei que não está longe aquele que o meu coração ama.

Está tão perto. Tão perto como mais ninguém está.

Aquele que o meu coração ama vive dentro de mim.

Aquele que o meu coração ama fez do meu coração a sua casa.

Numa parede no Ginjal alguém inscreveu o amor e ali ficará para sempre

Esperei tanto o corpo daquele
que o meu coração ama
que ele acabou naturalmente por
se misturar ao meu cheiro com
o cheiro das romãs e das uvas
ao primeiro arrepio do outono
e ser aquele fugaz clarão que
me traz novo sangue e nova pele para
correr o mundo à sua procura
nas madrugadas em que os inimigos
varrem as casas e incendeiam as cidades

e só por isso sei que uma noite
hei-de tombar às portas de damasco
e ouvir em todos os rumores de ocultas águas
a voz que me há-de devolver     purificada
ao corpo daquele que o meu coração ama


(Belíssimo poema de Alice Vieira in O que dói às aves)

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