Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

03 março, 2011

Nenhum de nós passeia impune pelos retratos: fazem-nos doer a memória

Não gosto de passear pela memória, tu sabes. Não que me faça doer mas porque gosto do tempo que vem, não do que foi.

Mas como ter-te só meu se não for assim?

Trago-te pois para junto de mim.

O olhar, os sustos, as secretas loucuras e a ternura, e a voz e os lábios (agora distantes).

Ainda és como te recordo?

Se calhar és outro e não já aquele. Se calhar és outro. Se calhar.

Velas brancas quase inventadas como os retratos das nossas memórias: as Descobertas, o Tejo, Lisboa, avistados do Ginjal num dia com uma luz assim, mágica.

Nenhum de nós passeia impune
pelos retratos: fazem-nos doer
os recessos da memória.

Deles saltam, por vezes, sustos,
primeiras noites, secreta
loucura, lábios que foram.

Interditam-nos sempre.
Trepam-nos pelo torpor
mais desprevenido, subsistem.

A sua perenidade é volátil
e cheia de venenosos ardis.
Um sopro no acetato.

Distintos, os seus contornos
não são nunca
os que supomos.


('Nenhum de nós passeia impune' de Eduardo Pitta no recente e imperdível Desobediências)

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