Paredes brancas, lisas, a história à espera de escrever-se sobre elas. Escadas, caminhos, labirintos, veredas. Por onde ir, como vir? Como chegar a tempo agora que a pressa me começa a percorrer a corpo? Detenho-me, hesito, perigosos caminhos, a ternura nos dedos, a inquietação no corpo, as veias impacientes, um latejar surdo, uma vontade sem nome.
E depois lá estás tu, espelho de mim, eu do outro lado, eu à minha espera, tu e eu iguais, o mesmo sorriso, o mesmo desejo de ir pelo caminho errado da vida. Ignoramos o olhar oblíquo dos outros, o olhar carregado de crueldade, ignoramos a fria pedra onde estendemos o corpo apressado.
Mas que claridade que vem, rente à terra, que luz se levanta do mais íntimo da pedra que os corpos cobrem percorridos pelo fogo. E, então, a pedra é quente, é seda, e então as árvores são as cortinas que envolvem a nossa intimidade, e o vento não é senão um afago de ternura, e então, depois, sorrimos porque brando e amoroso é o Outono.
[Talvez devessemos, aqui chegados, descer um pouco, até ali onde um violoncelo nos traz a Sonata de Chopin e depois voltar aqui para ouvirmos Eduardo Pitta a ler-nos o seu poema.]
No Ginjal, junto à praia, caminhos e escadas que nos levam até ao Tejo |
Nomeado inominável: ternra a levedar
na polpa dos meus dedos. Uma vontade muito
branca para o crime. Os dentes nas espáduas.
Contenção de espelhos: as espadas acesas
nos nevoeiros de Setembro. Palavras nítidas, velozes,
a claridade rente à terra. De uma crueldade sedosa, diluindo-se
pelo romper do dia
- e delas devir em pedra.
Veredas percorridas pelo fogo. Um brilho fugaz no
ar. Um perfil de árvores nuas, dispersas, austeras,
adiadas. O vento, implacável, de uma doçura de lâmina.
(Poema de Eduardo Pitta in 'Desobediência, Poemas Escolhidos'