Escrevo estas palavras aqui no escuro da sala e, ao escrevê-las, sem nome eu, estou a deslizar entre sombras. As folhas de outono estão vermelhas e eu olho-as, pensativa. São folhas, são versos, são seiva, são palavras? E eu penso, 'que não desapareçam, que não se desfaçam' e secretamente desejo que sejam eternas, que perdurem nas suaves tardes de Outono. Olho as folhas que cobrem esta parede, olho estas palavras que vão enchendo o écran à minha frente e vejo a luz que delas vem. Que não me abandonem, que não me abandonem as palavras. E as folhas deixam passar uma luz inflamada, vermelha e eu suspeito que são as minhas palavras, as minhas palavras que tento domar, sempre à beira de serem tomadas pela paixão, vermelhas, ardentes. E eu vejo a minha sombra aqui no teclado, a minha sombra que se mistura com as folhas vermelhas e sinto que a minha alma está toda ali. E aqui, nas palavras que vão escorrendo sobre uma parede límpida.
[A seguir ao poema eu vou ouvir Chopin, esta é a semana Chopin. Vem comigo, não vem?]
Mulher contempla parede coberta de vinha virgem na Boca do Vento, sobre o Ginjal |
Árvore muda de folhas vermelhas na luz de outono,
tudo tu cantas por mim - eu que te canto a ti.
Tuas ou minhas serão as ramagens que ergues na tarde?
Cantam meus versos teu ser, muda imagem de mim.
Folhas que nascem e morrem são versos de límpido timbre.
Eis o que sei sobre ti: versos são folhas também.
Alma não tem quem não crê nas veredas dos bosques eternos?
Listras de sombra no chão, clara suspeita de luz.
(Poema de Frederico Lourenço in 'Clara suspeita de luz')
Mas que belo poema, e que belo texto escreveu!
ResponderEliminarSão folhas, são palavras, são sombras que deslizam para cá do ecrã, por entre as folhas, cores. Que hoje vieram ao encontro dos meus pensamentos também outonais e lhe deram mais luz.
Tenha uma boa semana
Leitora,
ResponderEliminarFico muito contente que tenha gostado. Também gostei do poema e das palavras que, ao lê-lo, sairam das minhas mãos ao seu encontro. Nunca penso, ao ler um poema, nem perco mais de 1 ou 2 minutos a escolher um poema. Tenho esta minha mesa que nem dá para acreditar, só livros de poesia. Então pego num, abro, confirmo se gosto, se nºao gostar faço mais uma tentativa e transcrevo-o, a seguir escolho uma fotografia tirada por mim, e, logo de seguida, acto contínuo, sem fazer ideia do que vai sair, desato a escrever. Nem gosto de reler.
Mas há dias em que, no fim, me sinto bem, confortada, com o que escrevi.
Obrigada, Leitora e uma boa semana também para si.