Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

15 novembro, 2011

Esquece o que eu escrevi, deita-te aqui perto e ouve só as minhas palavras

  
Quase todos os dias aqui venho falar um pouco contigo, contigo que me lês. Sento-me aqui e escrevo, aqui deixando estas palavras que tu, que me lês, interpretarás a teu gosto. Não sei quem és. Não te vejo. Não sei o que pensas. Conheces-me, sabes o que penso, o que sinto. E, no entanto, se eu me cruzar contigo, não saberei que lês as minhas palavras, não saberei que as recebes dentro de ti.

Mas não faz mal. Ouve apenas estas palavras. Por um momento fecha os olhos e pensa que estou aqui, do outro lado, estou aqui a murmurar estas palavras. E digo-te: afecto, voz, poesia, leituras, luz, silêncio, companhia. Com estas palavras estou a dar-te a mão. Prende também a minha. Sente o calor da minha mão, sente.

Gostava também de ouvir a tua voz. Diz-me que estás aí. Diz-me que, quando acabas de me ler, as minhas palavras continuam vivas dentro de ti, diz-me.

Pensas que são palavras sem sentido, pensas que palavras são palavras, que as leva o vento, não é? Mas não, as palavras são as minhas células, sou eu, é a minha respiração, é a minha voz. Por isso, vem, chega-te aqui, devagarinho, ouve: esta sou eu, esta que ama a vida quer estar aqui contigo. Sê feliz, vive a vida, festeja a vida. E diz-me que me ouves, diz-me que gostas de me vir visitar. Diz.




[Desça um pouco mais e, a seguir ao poema, encontrará uma música maravilhosa (quase me apetecia dizer: maviosa), esta semana é a do piano]

Sobre um rochedo junto ao Tejo, no Ginjal, claro


                                      Esquece o que eu escrevi, deita-te aqui perto
                                      e ouve só as minhas palavras sem sentido,
                                      o balbuciar que eu solto antes da voz,
                                      tudo o que há tanto tempo trago preso na garganta.

                                      Nem o ritmo da cantilena aprendida na infância,
                                      nem a música da poesia:

                                      ouve apenas o balbuciar, o sopro antes da voz,
                                      quase um estertor, mas a dizer agora
                                      que estamos vivos.


 ('A leitora perfeita' de Luís Filipe Castro Mendes in 'Lendas da Índia')
  

Sem comentários:

Enviar um comentário