Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

10 novembro, 2011

Do mar traziam o que é do mar: doçura e ardor nos olhos fatigados

 

Vieste. Sei que vieste. Estás por aí. Andas pela noite como um gato vadio, como um cão sem dono. Andas pela noite como um homem desamado, como um homem que não tem uma mulher que o espere quando chega de longas viagens. Talvez percorras as ruas chamado pelo brilho de umas unhas brilhantes, de jóias de vidro brilhante, luzes fátuas, talvez, não sei. Não sei de ti.

Vieste de longe, atravessaste o mar e eu não sei de ti. Mas imagino-te doce, imagino os teus olhos fatigados, imagino os teus olhos percorrendo os livros de poemas, percorrendo vadio as ruas frias e chuvosas.

Chegaste, percorres as ruas, as livrarias, o teu olhar percorrerá o rio, pensarás talvez em mim quando olhares as águas que correm para o mar ou quando vires uma gaivota elevando-se nos ares com as suas longas e brancas asasa e, um dia, com elas, partirás de novo.

Não te ouvirei dizer o meu nome, não me ouvirás dizer o teu nome. Os nossos nomes continuarão silentes dentro de nós.

Vieste, pois, de passagem. Apenas de passagem. 


Casal que veio de longe e que vai - no Ginjal, rente ao Tejo

                     Vinham ao fim do dia.
                     Talvez chamados pelo brilho
                     dos dentes, ou das unhas,
                     ou dos vidros.

                     Eram de longe.
                     Do mar traziam
                     o que é do mar: doçura
                     e ardor nos olhos fatigados.

                    Chegavam, bebiam
                    a púrpura dos espelhos,
                    e partiam.
                    Sem declinar o nome.


                    ('De passagem' de Eugénio de Andrade in Antologia Breve)

Sem comentários:

Enviar um comentário