Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

29 novembro, 2011

Nomeado inominável: ternura a levedar na polpa dos meus dedos. Uma vontade muito branca.

  
Paredes brancas, lisas, a história à espera de escrever-se sobre elas. Escadas, caminhos, labirintos, veredas. Por onde ir, como vir?  Como chegar a tempo agora que a pressa me começa a percorrer a corpo? Detenho-me, hesito, perigosos caminhos, a ternura nos dedos, a inquietação no corpo, as veias impacientes, um latejar surdo, uma vontade sem nome.

E depois lá estás tu, espelho de mim, eu do outro lado, eu à minha espera, tu e eu iguais, o mesmo sorriso, o mesmo desejo de ir pelo caminho errado da vida. Ignoramos o olhar oblíquo dos outros, o olhar carregado de crueldade, ignoramos a fria  pedra onde estendemos o corpo apressado. 

Mas que claridade que vem, rente à terra, que luz se levanta do mais íntimo da pedra que os corpos cobrem percorridos pelo fogo. E, então, a pedra é quente, é seda, e então as árvores são as cortinas que envolvem a nossa intimidade, e o vento não é senão um afago de ternura, e então, depois, sorrimos porque brando e amoroso é o Outono.


 

[Talvez devessemos, aqui chegados, descer um pouco, até ali onde um violoncelo nos traz a Sonata de Chopin e depois voltar aqui para ouvirmos Eduardo Pitta a ler-nos o seu poema.] 

No Ginjal, junto à praia, caminhos e escadas que nos levam até ao Tejo


                  Nomeado inominável: ternra a levedar
                  na polpa dos meus dedos. Uma vontade muito
                  branca para o crime. Os dentes nas espáduas.

                  Contenção de espelhos: as espadas acesas
                  nos nevoeiros de Setembro. Palavras nítidas, velozes,
                  a claridade rente à terra. De uma crueldade sedosa, diluindo-se
                  pelo romper do dia
                  - e delas devir em pedra.

                  Veredas percorridas pelo fogo. Um brilho fugaz no
                  ar. Um perfil de árvores nuas, dispersas, austeras,
                  adiadas. O vento, implacável, de uma doçura de lâmina.



                  (Poema de Eduardo Pitta in 'Desobediência, Poemas Escolhidos'

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