Quando foi? Quando foi que resolvemos que nem a memória merecia já qualquer alimento? Houve uma palavra que marcou o momento em que nos dissemos adeus? Houve um pestanejar, um trejeito, uma desatenção? Nem sei se isso interessa. Afastámo-nos, fomo-nos afastando, afastámos o olhar, afastámos as vozes, apagámos todos os vestígios - e isso é a verdade que importa.
Ainda te lembras de mim ou até o pensamento se afastou já também? Quando caminhas, quando percorres as estradas ou os campos, ainda me vês, ainda me ouves? Às vezes ainda te sorris ao lembrares-te de mim? Diz que eu consigo suportar. Sei o que isso é. Não és só tu. Perdemos os sonhos e era tão bom sonhar, não era? Fechavas os olhos e pensavas em mim, não era? Nunca dançámos, nunca vamos dançar, mr and mrs jones ou outra qualquer, nunca nos vamos enlear ao som da música, a música abandonou-nos também.
Por onde andas, amor que um dia amei?
Junto ao Farol de Cacilhas, rente ao Tejo, Lisboa já ali |
Às vezes nem sequer podemos garantir
que houve um sinal
e por isso é difícil saber se efectivamente
chegou a hora destinada a afastar os olhos
dos vestígios de ti
às vezes há apenas um leve fio de espuma a
contornar eficazmente os sonhos que
perdermos por nossa culpa dando
estranhos nomes ao que sempre soubemos
ser inominável
e os nossos dedos deixam marcas no copo enquanto
a música desiste de nós
ao primeiro acorde dissonante
(Poema '8' de Alice Vieira in 'O que dói às aves')
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