Do verão que se prolongou até ao outono, passámos directamente para a invernia. Chove, faz um vento inclemente, troveja, os dias estão pequenos, escuros.
Há ainda vestígios de outono: algumas paredes cobrem-se de vinha virgem; mas, não tarda, as folhas cairão deixando a nu os troncos despidos, a parede por detrás. Há uma tristeza húmida no ar, um desalento pesado.
Às vezes arranjo-me com rigor, o meu melhor vestido ou um elegante saia-casaco, ponho as minhas meias de seda, calço uns sapatos pretos de salto bem alto e vou. Mas não é para ti que vou, já não é para ti. O sonho acabou num longínquo verão, não resistiu ao outono.
[O momento requer um piano. Por favor, sigam até um pouco mais abaixo, Monsieur Satie vous attend)
Parede na Boca do Vento sobre o Ginjal |
Veio o Outono, a rua toda coberta de folhas
lanceoladas daquela cor indecisa entre
o castanho e o verde, belíssima. Pensei:
Prévert, Kosma, folhas mortas, querem lá ver
é o fim, mas não, apenas tu que chegas
o tronco cingido por um vestido breve, pernas
determinadas e em equilíbrio sobre uns
sapatos pretos, muito altos, a brilhar.
(Poema de Rui Caeiro in 'O quarto azul e outros poemas')
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