Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

28 novembro, 2011

Outono do amor que folhas moves na direcção dos corpos separados

  
Outono pesado este. Longínqua a primavera de todas as esperanças, longínquo o verão de usufruto, de corpos quentes abraçados cuja imagem um espelho na penumbra nos mostrava irradiando luz e felicidade.

Outono de folhas caídas, de aves em terra, de aves aprisionadas, outono cansado, vozes distantes, esperanças penhoradas. Mas também outono de musgos, sussurros, cumplicidades, uma resistência que começa a forjar-se.

Outono de folhas molhadas, de temor, de surdos prantos - mas também de sorrisos que se descobrem, de punhos que se adivinham, de cânticos que começam a levantar-se, agora ainda apenas em ténue surdina.

Outono, a preparação para a descida que antecede a subida. Em breve, novos sorrisos virão, as aves abrirão as suas longas asas e voarão, livres, libertas, atravessando os grandes espaços e os corpos voltarão a encontrar-se, amantes e disponíveis.




(No dia da atribuição de título de Património da Humanidade ao Fado,
Gaivota segundo Amália Rodrigues, letra de Alexandre O'Neill)


Gaivora na beira do cais
O Tejo corre,cinzento e frio, em baixo


                     Outono do amor que folhas moves
                     na direcção dos corpos separados
                     e molhas desses prantos ignorados

                     de quem da primavera conheceu o

                     movimento das aves
                     e desse movimento estas esperas
                     agora só conhece já e ouve
                     a própria descida com as folhas

                     a voz própria cansada
                     quando a vida
                     e a voz lhas está a dor tirando

                     Outono do amor outono de aves
                     e de vozes caladas e de folhas
                     molhadas de temor e surdo pranto


 
('Outono do Amor que Folhas Moves' de Gastão Cruz, in “Poemas Reunidos”)

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