Outono pesado este. Longínqua a primavera de todas as esperanças, longínquo o verão de usufruto, de corpos quentes abraçados cuja imagem um espelho na penumbra nos mostrava irradiando luz e felicidade.
Outono de folhas caídas, de aves em terra, de aves aprisionadas, outono cansado, vozes distantes, esperanças penhoradas. Mas também outono de musgos, sussurros, cumplicidades, uma resistência que começa a forjar-se.
Outono de folhas molhadas, de temor, de surdos prantos - mas também de sorrisos que se descobrem, de punhos que se adivinham, de cânticos que começam a levantar-se, agora ainda apenas em ténue surdina.
Outono, a preparação para a descida que antecede a subida. Em breve, novos sorrisos virão, as aves abrirão as suas longas asas e voarão, livres, libertas, atravessando os grandes espaços e os corpos voltarão a encontrar-se, amantes e disponíveis.
Outono, a preparação para a descida que antecede a subida. Em breve, novos sorrisos virão, as aves abrirão as suas longas asas e voarão, livres, libertas, atravessando os grandes espaços e os corpos voltarão a encontrar-se, amantes e disponíveis.
(No dia da atribuição de título de Património da Humanidade ao Fado,
Gaivota segundo Amália Rodrigues, letra de Alexandre O'Neill)
Gaivora na beira do cais O Tejo corre,cinzento e frio, em baixo |
Outono do amor que folhas moves
na direcção dos corpos separados
e molhas desses prantos ignorados
de quem da primavera conheceu o
movimento das aves
e desse movimento estas esperas
agora só conhece já e ouve
a própria descida com as folhas
a voz própria cansada
quando a vida
e a voz lhas está a dor tirando
Outono do amor outono de aves
e de vozes caladas e de folhas
molhadas de temor e surdo pranto
('Outono do Amor que Folhas Moves' de Gastão Cruz, in “Poemas Reunidos”)
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