Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

14 novembro, 2011

No meu esconderijo preferido, vou murmurar-te o meu último sonho em câmara lenta

  
Estou aqui, eu e mais ninguém, estou aqui sozinho no meu esconderijo. Para aqui venho, sentar-me, sentir a tua ausência. Olho o rio, olho a grande cidade, e penso em ti. Todos os dias te escrevo uma carta que não sei para onde enviar. Tantas cartas já. E escrevo no computador como se fosse um diário. Ninguém lê. Mas é nas cartas que te escrevo e nas páginas do diário que nem eu leio que derramo o sangue estilhaçado que se derrama em golfadas de um coração inchado de saudade. Sento-me aqui e chamo por ti. Mas não vens. O rio corre e leva restos de árvores, restos. Leva a minha esperança junto com os restos. Para aqui venho e, quando venho, venho a pensar que te vou aqui encontrar, a sorrir, à minha espera. Mas não, não vens, pensas que naufraguei e é verdade, naufraguei sem brilho, naufraguei por desamor. Mas deixa-me dizer-te um segredo, deixa que te conte, num murmúrio, o meu último sonho, deixa, escuta, vou dizer baixinho. Não tenho mais ninguém a quem o dizer, escuta, escuta, que vou dizer-te ao ouvido, vem, chega-te aqui.



[Ah, e não deixe de seguir até lá mais abaixo que há um piano que, ao de leve, espera por nós]

Na solidão do pensamento,no jardim do Ginjal, rente ao Tejo


                                Suponho que vou alcançar:
                                e espero, espero pelos fragmentos
                                de um diário que não chega.

                                Vamos fingir em conjunto,
                                 derramando medo sobre
                                 a escrita do desastre.

                                 Nas veias inchadas,
                                 vai escorrendo
                                 o sangue estilhaçado.

                                 Leio os dias e dedilho a guitarra:
                                
                                 estou a naufragar sem brilho,
                                 mas, no meu esconderijo preferido,
                                 vou murmurar-te
                                 o meu último sonho
                                 em câmara lenta.


                                (Poema XXV de Ricardo Gil Soeiro in Espera Vigilante)                             

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