Estou aqui, eu e mais ninguém, estou aqui sozinho no meu esconderijo. Para aqui venho, sentar-me, sentir a tua ausência. Olho o rio, olho a grande cidade, e penso em ti. Todos os dias te escrevo uma carta que não sei para onde enviar. Tantas cartas já. E escrevo no computador como se fosse um diário. Ninguém lê. Mas é nas cartas que te escrevo e nas páginas do diário que nem eu leio que derramo o sangue estilhaçado que se derrama em golfadas de um coração inchado de saudade. Sento-me aqui e chamo por ti. Mas não vens. O rio corre e leva restos de árvores, restos. Leva a minha esperança junto com os restos. Para aqui venho e, quando venho, venho a pensar que te vou aqui encontrar, a sorrir, à minha espera. Mas não, não vens, pensas que naufraguei e é verdade, naufraguei sem brilho, naufraguei por desamor. Mas deixa-me dizer-te um segredo, deixa que te conte, num murmúrio, o meu último sonho, deixa, escuta, vou dizer baixinho. Não tenho mais ninguém a quem o dizer, escuta, escuta, que vou dizer-te ao ouvido, vem, chega-te aqui.
[Ah, e não deixe de seguir até lá mais abaixo que há um piano que, ao de leve, espera por nós]
Na solidão do pensamento,no jardim do Ginjal, rente ao Tejo |
Suponho que vou alcançar:
e espero, espero pelos fragmentos
de um diário que não chega.
Vamos fingir em conjunto,
derramando medo sobre
a escrita do desastre.
Nas veias inchadas,
vai escorrendo
o sangue estilhaçado.
Leio os dias e dedilho a guitarra:
estou a naufragar sem brilho,
mas, no meu esconderijo preferido,
vou murmurar-te
o meu último sonho
em câmara lenta.
(Poema XXV de Ricardo Gil Soeiro in Espera Vigilante)
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