Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

22 novembro, 2011

Estou tão perto dos seres mortais que me alegra o poema descontínuo

  
Quem é este homem que se cruza comigo na rua, me olha, se dirige a mim, me olha, olhar fixo?

Qualquer coisa de homem perdido de si próprio, desencontrado do seu destino, no seu olhar intenso. Não desviou, nem por um segundo, o olhar de mim. Queria dizer-me qualquer coisa mas não concluíu. Começou a dizer '... eu conheci bem isto aqui, antes de ...' e calou-se. Esperei mas não disse mais nada, olhava apenas. Vim-me embora. Um homem que vive na sombra do seu destino. Não havia no seu olhar nem um ténue fio de esperança. Lembrava o passado talvez, desinteressado do futuro, apagando-se a si próprio como se apagam os riscos sem valor.

Qualquer coisa neste homem me fez lembrar de ti. Assustei-me com medo que fosse um presságio, afastei-me apressada, este homem era demasiado humano, demasiado mortal e eu a ti quero-te para sempre.




[Ah, não fique aqui, venha comigo, precisamos de música, venha ouvir e venha ver o fantástico maestro que dirige a orquestra na 7ª sinfonia de Bruckner]


'Menina, tire-me uma fotografia' - tirei.
Olhou-me nos olhos, uma angústia no olhar.
Fiquei impressionada com a intensidade da sua angústia.

                         
                          estou tão perto dos seres mortais
                          que me alegra o poema descontínuo,
                          mais ténue do que um fio.

                          digamos: odeio-me.

                          não sou eterno,
                          mas leio na vegetação
                          futuros augúrios

                          e é este o meu presságio:
                          viveremos para sempre na sombra
                          que a morte se esquece de apagar.


                         (Poema XXXIII de Ricardo Gil Soeiro in Espera Vigilante)

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