Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

18 novembro, 2011

Já nos ombros se sente o ardor da sua navegação

  
O teu olhar em mim. O teu olhar. Os meus olhos que me mostram os teus olhos e que emudecem, lágrimas por detrás, saudades imensas, impotência, impotência, tu ali tão perto e, no entanto...

Regressaste mas de passagem. Já não é a mim que regressas todos os dias. No verão longínquo do nosso terno amor morri um pouco. Mas não te disse. Para quê? Para quê se tentei, logo a seguir, renascer?

Regressaste, e o teu sorriso doce entrou em mim, com o calor que as tuas mãos não me puderam dar. Ah como eu queria um abraço, um quente abraço.  Mas regressaste. Vieste sorridente, meigo, e não há lugar na terra em que o sorriso seja mais doce que o espaço que se fecha em nossa volta.

Mas o verão ficou para trás há tanto tempo. Temos agora um outono e os espelhos já não devolvem a imagem de um casal luminoso, feliz, abraçado. Não, os espelhos ficaram cegos, escuros.

Mas estou a iludir-me - não, meu amor, não regressaste, no amor não há regresso, tudo é um labirinto. Perdemo-nos no labirinto. Estamos perdidos no labirinto.



[Desça um pouco mais - a seguir ao labrinto e às dissonâncias de Eugénio de Andrade, Glenn Gould desfia as Variações Goldberg.]

No Ginjal, sobre o Tejo, olhando Lisboa

                         Pedra a pedra
                         a casa vai regressar.
                         Já nos ombros se sente o ardor
                         da sua navegação.

                         Vai regressar
                          o silêncio com suas harpas.
                          As harpas com as abelhas.

                          No verão morre-se
                          tão devagar à sombra dos ulmeiros!

                          Direi então:
                          Um amigo
                          é o lugar da terra
                          onde as maçãs brancas são mais doces.

                          Ou talvez diga:
                          O outono amadurece nos espelhos.
                          Já nos meus ombros sinto
                          a respiração das suas águas.
                          Não há regresso: tudo é labirinto.

 
                          ('Dissonâncias' de Eugénio de Andrade in Antologia Breve)
 
  

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