O teu olhar em mim. O teu olhar. Os meus olhos que me mostram os teus olhos e que emudecem, lágrimas por detrás, saudades imensas, impotência, impotência, tu ali tão perto e, no entanto...
Regressaste mas de passagem. Já não é a mim que regressas todos os dias. No verão longínquo do nosso terno amor morri um pouco. Mas não te disse. Para quê? Para quê se tentei, logo a seguir, renascer?
Regressaste, e o teu sorriso doce entrou em mim, com o calor que as tuas mãos não me puderam dar. Ah como eu queria um abraço, um quente abraço. Mas regressaste. Vieste sorridente, meigo, e não há lugar na terra em que o sorriso seja mais doce que o espaço que se fecha em nossa volta.
Mas o verão ficou para trás há tanto tempo. Temos agora um outono e os espelhos já não devolvem a imagem de um casal luminoso, feliz, abraçado. Não, os espelhos ficaram cegos, escuros.
Mas estou a iludir-me - não, meu amor, não regressaste, no amor não há regresso, tudo é um labirinto. Perdemo-nos no labirinto. Estamos perdidos no labirinto.
[Desça um pouco mais - a seguir ao labrinto e às dissonâncias de Eugénio de Andrade, Glenn Gould desfia as Variações Goldberg.]
No Ginjal, sobre o Tejo, olhando Lisboa |
Pedra a pedra
a casa vai regressar.
Já nos ombros se sente o ardor
da sua navegação.
Vai regressar
o silêncio com suas harpas.
As harpas com as abelhas.
No verão morre-se
tão devagar à sombra dos ulmeiros!
Direi então:
Um amigo
é o lugar da terra
onde as maçãs brancas são mais doces.
Ou talvez diga:
O outono amadurece nos espelhos.
Já nos meus ombros sinto
a respiração das suas águas.
Não há regresso: tudo é labirinto.
('Dissonâncias' de Eugénio de Andrade in Antologia Breve)
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