Nestes dias assim, no Ginjal, sou metade mulher, metade gaivota. Olho o Tejo, olho Lisboa, e sou metade mulher, metade poema, sou a noiva que não tiveste, sou o corpo que se transformou em espuma.
E tenho vontade de te dizer a saudade que tenho do teu amor ausente - mas já não sei se deva querer-te tantas as vezes que quero esquecer-te.
E penso no que foi o nosso amor, tão absurdo, todo feito de espanto, todo feito de coisa nenhuma.
Ah, meu amor, quanta nostalgia nestes dias em que me visto de bruma.
Olho esta barca inesperada e penso na metáfora que foi o nosso breve amor.
Que saudades tenho dos teus braços, dos teus abraços.
Líndissimo, quase irreal veleiro, uma barca de prata num dia de prata, no Tejo, avistado de Cacilhas, ali logo a seguir ao Ginjal
De repente pode chegar a inesperada
a noiva do difícil a nunca ouvida
metade mulher metade pássaro
e às vezes só metáfora às vezes nada.
Numa barca de prata de repente pode chegar
a noiva da noite oblíqua a incomeçada
a que nasce na página e é uma estrela do mar
numa barca de prata com a sua harpa inconcreta
com seu corpo de espuma sua forma nenhuma
sua coroa de espanto seu vestido de bruma
trazendo a nostalgia a noite o amor absurdo.
De repente pode chegar a inesperada
com seu diadema de sul e de salgema
sua barca de prata sobre nenhum mar
metade mulher metade poema.
(Numa barca de prata, belíssimo poema, in Doze Naus de Manuel Alegre)
Sem comentários:
Enviar um comentário