Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

22 dezembro, 2010

Está tudo dito na trágica serenidade que o mundo encerra

Pergunto-me: alguém está com alguém?


 

Está tudo dito - o vestido
vermelho e
a tensa indecisão
da mulher que o veste -
a imprecisa circunstância,
por estar ali, porque há-de
estar ali, do que jogou
à roleta russa e ganhou
o direito ao purgatório eterno
da insónia -
e o que está com a mulher
ruiva, ele de chapéu,
perguntando-se se alguém está
com alguém
no campo iluminado deste quadro.

(Fachada no Ginjal - "a cegueira fatal da fachada")


Só não se disse a cegueira
fatal da fachada mesmo em
frente
como o que está diante
daquele que não se vê
as amplas escuras janelas
(entreabertas?)
deixando que o mais negro
da noite
as ilumine, coisas
estáticas (mortas?)
na imobilidade geral
da cena
tão naturalmente irreal
que ninguém, é certo,
a não ser o olhar de Hopper,
fixamente à espera que
alguma coisa mexesse
na trágica serenidade que
o mundo encerra.


('Nighthawks, 1942' de António Mega Ferreira in 'O tempo que nos cabe')

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