Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

17 outubro, 2010

Quarto Poema do Pescador - um momento feliz no Ginjal

O Homem e o Mar

(Dois peixes de uma só vez - a cana vergada, a alegria de uma dupla vitória)

Sei agora que Deus rola nas ondas
vem na última onda ei-lo na espuma
é reflexo brilho incadescência.
Se vou à pesca é para o procurar
se lanço a linha é para ver se o pesco
quando pesco um robalo eu pesco Deus
e é com ele que falo em frente ao mar
ele é o seixo a alga o vento leste
a nuvem que lentamente cobre a lua
ele é a minha dispersão e a minha comunhão
o fragmento da estrela que se vê ainda
a tainha que salta
ele é o grão de areia e a imensidão da noite
o finito e o infinito
vai na corrente corre-me no sangue
não sei que nome dar-lhe
digo Deus
ele é o laço que me prende e me desprende
o que palpita em mim e o que em mim morre
vem na sétima onda e bate no meu pulso
ele é o aqui o agora o nunca mais
a morte que está dentro
rola na onda
bate na sétima costela do meu corpo
chamo-lhe Deus porque ele é o tudo e é o nada
eternidade que não dura sequer o eu dizê-la
ei-lo na espuma na lua no reflexo
de repente um esticão a cana curva-se
é talvez um robalo de seis quilos
isto é a pesca
o meu falar com Deus ou com ninguém
sozinho frente ao mar.
Ele é o vento a noite a solidão
o robalo que luta contra a morte
e é a minha ligação magnética com Deus
esse umbigo do mundo
que rola sobre as ondas e cai do firmamento
com sua espuma e sua luz e sua noite
chamo-lhe Deus porque não sei como o chamar
ao meu ser e não ser
de noite junto ao mar
quando regulo a amostra e sua fluorescência
pescando robalos
ou talvez Deus
e sua ausência.

Manuel Alegre, Senhora das Tempestades

(Once in a life time uma história para contar, a prova de que Deus existe, Lisboa lindíssima em fundo como testemunha, um sábado tranquilo no Ginjal, Cacilhas)
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