Tantas vezes a ouvir que sou anónima. Tantas vezes a ouvir que me escondo atrás da ausência de nome como se o nome fosse as vísceras, o sangue, o pensamento, o olhar, o gesto, o sorriso, as lágrimas que me haveriam de revelar. Como se o nome pudesse ser a minha réplica, o meu espelho, o meu adn, o meu descodificador. Que ideia. O nome é nada.
E, no entanto, o meu nome não podia ser outro. É a marca que os meus pais escolheram para mim; e logo lhe apuseram um diminutivo que é o que usam e o que usam os que, da minha infância, ainda vivem. Do meu nome derivou, mais tarde, o nome que o meu amor criou para me nomear e desse outro nome nasceu, depois, outro que os meninos recriaram. Para que querem, pois, vocês saber o meu nome original se ele não é um mas vários e é desse conjunto e de outras variantes que estão por vir que eu sou feita? E se eu estou mais desnudada perante vós quando de mim saem estas palavras do que se me fechasse e exibisse o nome de registo?
Quando quiserem referir-se a mim pensem naquela que é todos os nomes e nenhum, todas as palavras ou o silêncio.
Ninguém tem nome: apenas uma escura
corda de sons que prende o corpo e deixa
queimaduras na pele, esse é o preço
de ser nomeado porque o chamamento
de cada vez se torna mais ardente
até ser casa ou roupa ou outra pele
que fere o corpo e finalmente o veste
do nome que é o dele
['Corda' de Gastão Cruz in Relâmpago, nº34]
.
Two (Rise and Fall) - Sylvie Guillem
....