Podem, os pulhas, roubar-nos tudo: o presente, o futuro, o país, a casa, a proximidade dos filhos, a esperança, a confiança, tanta coisa.
Mas não nos tirarão a dignidade, o orgulho, a força, a palavra.
Até que a voz me doa, não me cansarei de falar. Eu e tantos como eu. Unidos e a fazer-vos frente.
Não nos destruirão e cá estaremos para vos dizer como é quando a hora for chegada. Não perdem pela demora, seus pulhas.
Dia de chuva no Ginjal |
Podereis roubar-me tudo:
as ideias, as palavras, as imagens,
e também as metáforas, os temas, os motivos,
os símbolos, e a primazia
nas dores sofridas de uma língua nova,
no entendimento de outros, na coragem
de combater, julgar, de penetrar
em recessos de amor para que sois castrados.
E podereis depois não me citar,
suprimir-me, ignorar-me, aclamar até
outros ladrões mais felizes.
Não importa nada: que o castigo
será terrível. Não só quando
vossos netos não souberem já quem sois
terão de me saber melhor ainda
do que fingis que não sabeis,
como tudo, tudo o que laboriosamente pilhais,
reverterá para o meu nome. E mesmo será meu,
tido por meu, contado como meu,
até mesmo aquele pouco e miserável
que, só por vós, sem roubo, haveríeis feito.
Nada tereis, mas nada: nem os ossos,
Que um vosso esqueleto há-de ser buscado,
Para passar por meu. E para os outros ladrões,
Iguais a vós, de joelhos, porem flores no túmulo.
['Camões dirige-se aos seus contamporâneos' de Jorge de Sena aqui dito por Jel]
Luís Filipe Castro Mendes, o Tim Tim no Tibete, fala de Jorge de Sena
.
Ontem à noite fui atraída para aqui, pela força destas palavras. Não pude comentar, por causa do adiantado da hora. Mas, tive de voltar. :)
ResponderEliminarFortíssimo este Jorge Sena. E a sua leitura faz-lhe jus.
Lança um anátema, uma maldição e serve-se de Camões, cuja poética conhecia tão bem, como veículo para o fazer. E soberbamente dito por Jel.
O Ginjal, hoje, espaço de todos os manifestos.
Bjs
Olinda