Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

03 dezembro, 2014

Ninguém tem nome: apenas uma escura corda de sons


Tantas vezes a ouvir que sou anónima. Tantas vezes a ouvir que me escondo atrás da ausência de nome como se o nome fosse as vísceras, o sangue, o pensamento, o olhar, o gesto, o sorriso, as lágrimas que me haveriam de revelar. Como se o nome pudesse ser a minha réplica, o meu espelho, o meu adn, o meu descodificador. Que ideia. O nome é nada.

E, no entanto, o meu nome não podia ser outro. É a marca que os meus pais escolheram para mim; e logo lhe apuseram um diminutivo que é o que usam e o que usam os que, da minha infância, ainda vivem. Do meu nome derivou, mais tarde, o nome que o meu amor criou para me nomear e desse outro nome nasceu, depois, outro que os meninos recriaram. Para que querem, pois, vocês saber o meu nome original se ele não é um mas vários e é desse conjunto e de outras variantes que estão por vir que eu sou feita? E se eu estou mais desnudada perante vós quando de mim saem estas palavras do que se me fechasse e exibisse o nome de registo?

Quando quiserem referir-se a mim pensem naquela que é todos os nomes e nenhum, todas as palavras ou o silêncio.


Vista de Lisboa, com o Tejo e namorados,
no Jardim do Ginjal





Ninguém tem nome: apenas uma escura
corda de sons que prende o corpo e deixa
queimaduras na pele, esse é o preço
de ser nomeado porque o chamamento


de cada vez se torna mais ardente
até ser casa ou roupa ou outra pele
que fere o corpo e finalmente o veste
do nome que é o dele





['Corda' de Gastão Cruz in Relâmpago, nº34]





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Two (Rise and Fall) - Sylvie Guillem




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2 comentários:


  1. A mim, basta-me a sua essência, caríssima, na forma como se entrega às suas ideias e aos seus ideais. Tudo o mais é relativo. O nome pode ser um ou nenhum porque, na verdade, na sua postura é vária, como as cores do arco-íris.

    Beijinhos

    Olinda

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  2. Diz-me o teu nome – agora, que perdi
    quase tudo, um nome pode ser o princípio
    de alguma coisa. Escreve-o na minha mão

    com os teus dedos – como as poeiras se
    escrevem, irrequietas, nos caminhos e os
    lobos mancham o lençol da neve com os
    sinais da sua fome. Sopra-mo no ouvido,

    como a levares as palavras de um livro para
    dentro de outro – assim conquista o vento
    o tímpano das grutas e entra o bafo do verão
    na casa fria. E, antes de partires, pousa-o

    nos meus lábios devagar: é um poema
    açucarado que se derrete na boca e arde
    como a primeira menta da infância.

    Ninguém esquece um corpo que teve
    nos braços um segundo – um nome sim.

    Maria do Rosário Pedreira

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