Tantas vezes a ouvir que sou anónima. Tantas vezes a ouvir que me escondo atrás da ausência de nome como se o nome fosse as vísceras, o sangue, o pensamento, o olhar, o gesto, o sorriso, as lágrimas que me haveriam de revelar. Como se o nome pudesse ser a minha réplica, o meu espelho, o meu adn, o meu descodificador. Que ideia. O nome é nada.
E, no entanto, o meu nome não podia ser outro. É a marca que os meus pais escolheram para mim; e logo lhe apuseram um diminutivo que é o que usam e o que usam os que, da minha infância, ainda vivem. Do meu nome derivou, mais tarde, o nome que o meu amor criou para me nomear e desse outro nome nasceu, depois, outro que os meninos recriaram. Para que querem, pois, vocês saber o meu nome original se ele não é um mas vários e é desse conjunto e de outras variantes que estão por vir que eu sou feita? E se eu estou mais desnudada perante vós quando de mim saem estas palavras do que se me fechasse e exibisse o nome de registo?
Quando quiserem referir-se a mim pensem naquela que é todos os nomes e nenhum, todas as palavras ou o silêncio.
Ninguém tem nome: apenas uma escura
corda de sons que prende o corpo e deixa
queimaduras na pele, esse é o preço
de ser nomeado porque o chamamento
de cada vez se torna mais ardente
até ser casa ou roupa ou outra pele
que fere o corpo e finalmente o veste
do nome que é o dele
['Corda' de Gastão Cruz in Relâmpago, nº34]
.
Two (Rise and Fall) - Sylvie Guillem
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ResponderEliminarA mim, basta-me a sua essência, caríssima, na forma como se entrega às suas ideias e aos seus ideais. Tudo o mais é relativo. O nome pode ser um ou nenhum porque, na verdade, na sua postura é vária, como as cores do arco-íris.
Beijinhos
Olinda
Diz-me o teu nome – agora, que perdi
ResponderEliminarquase tudo, um nome pode ser o princípio
de alguma coisa. Escreve-o na minha mão
com os teus dedos – como as poeiras se
escrevem, irrequietas, nos caminhos e os
lobos mancham o lençol da neve com os
sinais da sua fome. Sopra-mo no ouvido,
como a levares as palavras de um livro para
dentro de outro – assim conquista o vento
o tímpano das grutas e entra o bafo do verão
na casa fria. E, antes de partires, pousa-o
nos meus lábios devagar: é um poema
açucarado que se derrete na boca e arde
como a primeira menta da infância.
Ninguém esquece um corpo que teve
nos braços um segundo – um nome sim.
Maria do Rosário Pedreira