Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

25 fevereiro, 2014

Quem és tu, promessa imaginária que me ensina a decifrar as intenções do vento, a música da chuva nas janelas sob o frio de fevereiro?


Quem és tu? Um acaso?

Há muito tempo que as nossas vidas se misturaram, pele com pele, carne com carne, saliva com saliva, todos os nossos fluidos feitos um. O olhar de um espelhado no olhar do outro, as mãos que se procuram, os segredos que se partilham, o futuro que se vai construindo dia a dia. E as zangas, irremediáveis, definitivas, e que, afinal, se esfumam ao primeiro sorriso, ou quando as nossas pernas se procuram no aconchego dos lençóis.

É Fevereiro e chove e está cinzento, mas podia ser Março e haver flores ou Setembro e a temperatura adoçar-se em dourado ou Outubro em fogo, ou Dezembro e o ano a virar. Tanto faria. Todos os dias são dias de pequenas coisas, pequenos gestos, pequenas atenções, coisas de nada. Que afinal é disto que é feito o amor. De pequenos instantes. De não poder passar sem esses pequenos nadas. De sonhos que se constroem a dois, desassossegos que ensombram a luz mas que, a dois, são afastados, e abraços, e beijos, e o desejo, e tudo. E tudo. E nada.

Quem és tu que a vida colocou no meu caminho para assim acompanhares tão de perto a minha caminhada? 


No Ginjal num dia de frio e névoa



Esta noite morri muitas vezes, à espera
de um sonho que viesse de repente
e às escuras dançasse com a minha alma
enquanto fosses tu a conduzir
o seu ritmo assombrado nas trevas do corpo,
toda a espiral das horas que se erguessem
no poço dos sentidos. Quem és tu,
promessa imaginária que me ensina
a decifrar as intenções do vento,
a música da chuva nas janelas
sob o frio de fevereiro? O amor
ofereceu-me o teu rosto absoluto,
projectou os teus olhos no meu céu
e segreda-me agora uma palavra:
o teu nome - essa última fala da última
estrela quase a morrer
pouco a pouco embebida no meu próprio sangue
e o meu sangue à procura do teu coração.



['Segredo' de Fernando Pinto do Amaral dito por Nuno Miguel Henriques. Extracto do programa "Palavra dos Poetas"]



1 comentário:

  1. Cara UJM,
    as suas palavras mostram uma forma de falar de amor e das cumplicidades que não se desfazem e se reconstroem em cada armadilha que a vida nos tece.

    Vendo bem, o amor é como o silêncio: incomensuráveis, pressentem-se, sentem-se mas não são palpáveis.
    Ambos se vivem num êxtase de sentimentos cujos muros não se conseguem desmoronar.
    Podem surgir barreiras, mas nada demoverá a sua harmonia.
    De mãos eternamente fundidas, o amor e o silêncio emergem do mais profundo da alma e elevam-se num clímax de eterna gratidão, num verdadeiro hino à simbiose dos corações genuínos.
    Na conivência desta proximidade, ama-se o silêncio, mas jamais se silenciará o amor.

    Felicidades e muita saúde.

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