Hoje não quero aqui colocar nem música nem poesia. Tenho dito várias vezes que acho triste que um local magnífico como é o Ginjal se encontre no estado de degradação em que se encontra.
Hoje é, pois, de um outro Ginjal que vou aqui falar: o Ginjal vítima de incúria.
O que foram os Restaurantes Floresta e Gonçalves do Ginjal, agora edifícios periclitantes, a evidência da mais triste decadência
Eu, como apaixonada que sou por este sítio líndissimo, encontro beleza em tudo o que vejo e todos os posts que usualmente aqui coloco são prova disso.
Nas casas arruinadas, nas fachadas decadentes, nos cais de aspecto frágil vejo uma beleza cénica quase mágica. Daqui se vê Lisboa, branca ou colorida, vibrante ou adormecida, as colinas que vertem devagar para o Tejo. E o Tejo e os seus grandes navios, ou os seus veleiros, ou as pequenas embarcações. E tudo me encanta. Mas, quando refiro essa beleza, estou a ser parcial. Não falo do lado negro do Ginjal, aquele de que hoje estou a falar.
Volto também a dizer que se ouve que há um plano para reabilitar este local e espero bem que tenha qualidade e, sobretudo, que aconteça. Seria desastroso que o Ginjal, que deveria ser o mais nobre local da cidade, fosse entregue a alguém sem noção do inacreditavel património que ali está.
Mas que, anos de gestão autárquica e nacional tenham conduzido a isto, revela bem a miopia intelectual que tem imperado na gestão do País e na gestão desta autarquia (apesar de aspectos positivos em vários aspectos da gestão, Almada tem sido gerida de uma forma administrativa competente mas, infelizmente, falha de visão: de facto tem sido gerida sem uma estratégia de fututo).
Uma outra visão do Ginjal: fachadas em sério risco de derrocada, paredão a desfazer-se, a irresponsabilidade autárquica a colocar em risco a segurança de quem ali passa
Olhem-se os edifícios. Não é difícil verificar a situação perigosa das fachadas, que podem mesmo ruir porque já não têm paredes interiores e ou cobertura para as travar e impedir de cair caso aconteça um vento mais intenso. A própria degradação do material pode levar à perda de resistência.
A CMA tem noção desse risco e os cartazes são uma forma de desresponsabilização que fica mal - não vai haver nenhum projecto para reabilitação geral pois, certamente, não há dinheiro e também não vão demolir por razões patrimoniais...
Um perigo, portanto. Um desastre anunciado.
Para quem tenha a sorte de conhecer cidades costeiras de vários países ainda é mais deprimente o contraste. Ainda é mais triste verificar que, aqui, apenas miopia, ignorância, indolência ou negligência podem ter conduzido a este estado das coisas.
Uma das grandes mais-valias de Almada é a sua localização privilegiada: a belíssima fronteira que o Tejo define (e também a belíssima linha de costa da Costa de Caparica).
Mas agora centro-me no território que faz fronteira com o Tejo. Toda a ordenação territorial deveria ter sido equacionada em torno desse focal point.
É certo que há os terrenos da Lisnave, é certo que há proprietários, é certo que há problemas por resolver. Mas para isso existe uma gestão autárquica, para resolver os problemas. Agora serão precisas tantas dezenas de anos? Que burocracia, que indolência é esta?
Deveríamos ter passeios largos e seguros, jardins, restaurantes, bares, esplanadas, hotéis de qualidade, comércio de qualidade, galerias de arte, museus, esculturas, desportos náuticos, pequenas docas, passeios de barco....enfim, um sem número de actividades que deveria fazer convergir para estes local belíssimo não apenas a população local mas turismo de qualidade.
E a tristeza do abandono não se fica pelo Ginjal. Veja-se um outro local quase igualmente extraordinário: o Porto Brandão. É uma pequena concha abrigada de frente para Lisboa. Tem inclusivamente transporte directo, por barco, para Belém. Deveria ser um local mimado, arranjado como um brinquinho. O turismo que visita Belém poderia vir até aqui.
Mas chega-se a Porto Brandão e... quê? Degradado, abandonado, meia dúzia de restaurantes repetitivos e pouco mais. Nada. Nem comércio, nem um café, nem uma esplanada. Lixo nas ruas, lixo na praia, barcos partidos, casas pobres, mal arranjadas, abandonadas, sem janelas, sem telhado, partidas. Deprimente. Um local de pobreza.
(Barcos aparentemente bons, misturados com barcos partidos, madeiras paridas, ferros torcidos, e lixo, muito lixo)
E depois, tal como no Ginjal, tentamos aventurar-nos um pouco mais além e damos com zonas guardadas por cães que rosnam, ladram à nossa aproximação. Locais de grande beleza transformados em locais de susto, em locais interditos.
É isto a incúria nacional: a ignorância que leva ao desprezo pela beleza que a natureza condescendeu em dar-nos, o desdém pelos recursos naturais, o desmazelo.
Que vergonha sinto quando passeio por estes locais que foram feitos para serem amados, locais que nos poderiam proporcionar desfrute colectivo e riqueza para a população e os vejo assim, a cair, em risco de ruína eminente, habitados por pessoas sem recursos, ou marginais, no meio de lixo, numa degradação deprimente.
E, claro, tudo graças a nós todos que, acriticamente, vamos dando o voto (ou abstendo-nos ou votando em branco) a quem não sabe fazer melhor que isto. Contra mim falo porque ainda não descobri a forma de fazer a diferença.