Olha para mim. Regista agora a minha imagem. Repara na cor do céu e na cor do rio, ajusta a entrada de luz. Estou bem assim?
Devo endireitar as costas? Devo deixar descair um pouco o ombro da camisola? Vê lá. Queres que me chegue mais para trás?
Ou queres, antes, que me deite aqui em cima do muro? Ouve, vê lá como achas que fica melhor. Se quiseres tiro a blusa, não me custa nada. Sabes bem que estou habituada. Não foi assim que me conheceste? E então? Não estamos agora aqui? Tu mesmo dizias que me amavas quando me vias naquelas fotografias obscenas.
Sim, vou despir a blusa e deitar-me sobre o estreito muro e apanhas-me contra o rio como se este fosse fosse uma vasta colcha azul bordada a pontos de luz; e o céu vai parecer a cor dourada das cortinas de veludo de um dossel inventado, que nos ocultará do olhar do mundo.
O que achas? Olha, posso até tirar também as calças, e deito-me assim, não como se estivesse desmaiada mas, sim, bem viva, estátua incompleta que tu virás completar.
Olha, imagina, a minha nudez apenas coberta pelo meu cabelo, como se o meu cabelo fossem algas macias saídas destas águas. Mas coberta também pelo teu olhar. E tu enquadras o meu corpo arqueado, quase vénus ao espelho, e a torre será a parede que me ampara e a luz rosada do entardecer será a cor que dourará a minha pele ainda branca.
Depois, tu disparas e, se ficar bem, a seguir, vens com a tua espátula e começas a moldar o meu corpo, devagar. Eu sou gesso, e tu vens moldar as minhas coxas, as minhas ancas, os meios seios, o meu pescoço dobrado, o meu sexo que te espera.
Diz. Queres? Ou estou melhor assim, sentada de costas, vestida, joelhos abertos, uma mão elegantemente apoiada? Como é que preferes? Diz.
Faço como quiseres, já sabes que, perante uma paisagem assim, fico rendida.
[Bem. Logo abaixo da jovem escultura, poderão ver um belíssimo poema do mais recente livro de Nuno Júdice. Logo abaixo mais um momento de festejo da música com Heitor Villa-Lobos]
Junto à Torre de Belém, num fim de tarde ameno, com o Tejo muito azul, o céu muito limpo e suave |
Amei-te nas fotografias obscenas de
um limiar de acasos, quando a tua voz
desmaiava numa eclosão de ecos. E uma
colcha de silêncios tapou a tua nudez; o inútil
flash da madrugada iluminou os teus olhos; e,
de repente, o sol nasceu de uma enseada
de cabelos, e subiu pelas cortinas do quarto;
lentamente, encostaste a curva do teu joelho
à sombra da parede como se ali ficasse,
no vazio do gesso, a cor da tua pele.
['Escultura' de Nuno Júdice in 'Fórmulas de uma luz inexplicável', edição Maio 2012]