Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

11 junho, 2012

Quando o tempo vier cingir-te o corpo quero que me conheças


Vem e vem e vem, todas e tantas vezes que o queiras, vem, vem, vem. Debruça-te sobre mim, cinge-me, cinge-me bem; que interessam os segredos que amordaçam o desejo? 

Vem, debruça-te sobre mim, banha-me com o teu olhar, com a tua saliva e, depois, seca-me, assim, com cuidado e macieza, com o perfume do teu cabelo. Arrepia-me com o deslizar lento do teu cabelo na minha pele, roça-me a pele devagar, devagar, devagar.

Vem sempre que te apeteça, vem e cinge-te a mim, cinge-te ao teu calor, cinge-te à tua vontade, cinge-me assim, abraça-me, cobre-me, cinge-me com força, com esperança, beija-me com toda a tua infantil liberdade. Vem, anda descobrir o meu corpo.

Vem antes que seja tarde. E mesmo que seja tarde, vem na mesma. Vem agora que o tempo ainda é breve, mas vem também quando muito tempo tiver passado e o cansaço nos cobrir o corpo - vem sempre.

O sol está quente, o rio brilha, a relva é macia e a terra está húmida, macia. Não esperes pela noite, que a noite vem rodeada de sigilos e sombras. Vem já. O teu corpo é ágil, flexível, quente, aromático, saboroso, debruça-te assim sobre mim, cinge-te a mim, afoga-me na tua carne e deixa-me morder-te, vem, deixa-me viver contigo uma grande aventura.



[Bem, ficamos por aqui. Logo abaixo do casal que se cinge ao essencial à beira do rio, encontraremos um belo poema de Gastão Cruz. Logo abaixo a grande voz de Placido Domingo adoça a grande música de Richard Wagner.]



'Esplendor na relva' - no idílico e pequeno Jardim do Ginjal, rente, rente a um Tejo brilhante



                         Quando o tempo cingindo esse
                         sigilo cingir-te te cingir a carne
                         toda se eu te cingir com ele
                         é porque a esperança
                         alterou o segredo
                         do mundo

                         Das noites quem esse abismo
                         todo já conhece quem de todo o espera
                         quando o tempo vier cingir-te o corpo
                         quero que me conheças
                         alteres e libertes
                         sobre o mundo

                         Quando o tempo cingindo-te
                         cingir esse cansaço esse rumor
                         da carne do amor da liberdade
                         é porque sobre o medo
                         a esperança altera
                         a aventura


                         ['Alteração - Quando o tempo cingindo esse' de Gastão Cruz in 'A doença']

                 

4 comentários:

  1. Olá cara UJM:
    Hoje sensual, com as palavras de Gastão Cruz, poeta hermético, como o chamaram, e um afectuoso instante na relva.

    Num tempo de cansaço e de tecnologias, num tempo em que todos sabem tudo de todos, mas num tempo em que as pessoas mal se veem, mal se tocam, vital a linguagem do corpo, a linguagem da sensualidade que brota dos corpos cingidos na relva, à luz e ao calor do sol: transfiguração do medo, na esperança deste tempo.

    E tenha uma bela e divertida noite de Sto. António.
    Abraço amigo da
    Luísa sobe a calçada

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  2. Olá Luísa subindo a calçada para chegar até a este jardim de relva,

    Pois é, tal como acabei de escrever no texto que acabei de publicar, isto já deve ser mesmo do Sto. António. O espírito do santo casamenteiro parece que 'desceu' em mim e está a dar-me para escrever coisas assim. Hoje foi o mesmo - e tenho que pôr o travão às quatro rodas para a coisa sair com um mínimo de decoro.

    Acho que são os poetas que me inspiram.

    Mas gostei imenso de ler o que escreveu. Que belas palavras as suas. Se pegar nelas e as transpuser para o UJM não leva a mal, não?

    Ainda não sei bem o que vai ser mas estou aqui com umas ideias. Já vejo.

    Divirta-se Luísa, calçada acima ou calçada abaixo, mas tenha uma bela noite e um belo dia!

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  3. Olá cara UJM:

    Pode usar e abusar, o privilégio será meu!

    Abraço amigo da
    Luísa sobe a calçada

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    Respostas
    1. Ontem ia lançada para arranjar maneira de usar este belo texto quando dou de caras com o comentário do Leitror DBO que usou uma palavra que eu não conhecia e que achei linda (cendal).

      Tão impressionada fiquei com essa descoberta que, se formou, de súbito e vá lá perceber-se porquê, a história da Leda.

      Por isso o seu texto ficou em stand by para ser usado sem rivais por perto...

      Obrigada pela autorização, Luísa.

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