- Olha o rio, amor, olha como hoje está tão calmo. Olha aquele barco tão bonito, já viste as velas? Olha como mudam de figura enquanto desliza. Parecem asas brancas. Repara, que lindo. E aquela gaivota ali, olha as asas, vê como vai ao sabor da aragem, repara, tão elegante. Já viste? Ah e este cheiro que vem da água, gosto tanto do aroma da maresia, amor, que bom, que fresco tão bom. Não estás a prestar atenção, não estás a ver como é tão bonito tudo isto. Amor, olha lá. E Lisboa ali, já viste? Há lá vista mais linda neste mundo? Gosto tanto, amor, gosto tanto de aqui estar contigo, amor, era capaz de aqui estar até ao fim da vida.
Olha lá: para onde é que estás a olhar...?!
*
- Já vi o rio. É bonito, sim. Estou farto de ver, está igual ao que estava ontem e antes de ontem e antes de antes de ontem. Olha, bebe mas é aqui um gole, que está fresquinha.
Em vez de aragem devia estar vento de leste para ver se te levantava ainda mais a saia... O que está por baixo é que nunca me canso de ver, aí é que está o meu futuro.
E estás com as pernas com boa cor, pareces um fruto doce e maduro. Vamos mas é indo antes que se faça tarde, que acho que está na hora de o colher.
*
[Abaixo do Tejo encontrarão um poema de que, há muito tempo, gosto muito. Daniel Filipe chega tarde ao Ginjal mas chega bem, é muito bem vindo. Logo a seguir, mais uma maravilhoso momento com grandes vozes, brilhantes interpretações. Continuamos com as óperas de Mozart.]
No Ginjal, sobre o Tejo de frente para Lisboa |
Um amor como este
não pede mar ou praia:
somente o vento leste
erguendo a tua saia.
O resto é futuro
além, à nossa espreita:
doce fruto maduro
na hora da colheita.
['Balada para a trégua possível - 4' de Daniel Filipe in 'A invenção do amor e outros poemas']
“Para onde é que estás a olhar”, a pergunta, num momento deste Post. Fez-me lembrar um passeio que dei, hoje, pelas arribas, com o Guincho como pano de fundo. Fui só. Gosto, muitas vezes, de passear só, de estar comigo. Por vezes, faço-me acompanhar com o meu “Whippet” (uma das mais simpáticas raças de cães). Sentei-me, numa ou outra ocasião, a contemplar o mar e ali ficar a olhar. Deixando correr a imaginação. Ao avistar um navio ao fundo, o meu pensamento seguia-o procurando adivinhar para onde iria, qual o seu destino (uma vez, em Singapura, quando lá estive, tive um pensamento oposto, ao ver chegar os grandes barcos: de onde viriam?). Às vezes, lá mais abaixo, nas pequenas praias quase privativas que por ali existem, vêem-se alguns pares de namorados, sentados juntos, enquanto as ondas pequenas que ali se formam lhes beijam os pés.
ResponderEliminarFoi um agradável passeio, reconfortante. Há dias assim. Que só me apetece estar comigo. E só comigo – e com o que me vai na mente.
Um boa e reconfortante noite.
P.Rufino
PS: Mozart, Cosi Fan Tutte, gostei!
Olá P. Rufino,
ResponderEliminarTranquilizante de ler este seu comentário.
Há muito tempo que não vou para esses lados. É uma paisagem belíssima, também ela própria tranquilizante e boa para fazer companhia, quando se quer está só com o que nos vai na mente.
Também gosto muito de ver os grandes navios que vêm não sabemos de onde e partem, sabe-se lá para que lonjuras. Ainda hoje fotografei um da minha janela, talvez um dia o mostre pois, pela perspectiva, parece que está a sair de um prédio. Tenho a sorte de ter o Tejo nas minhas janelas. Quando acordo gosto de o ver, muda de cor todos os dias e várias vezes ao longo do dia. Hoje de manhã estava 'tigrado' em azul e verde escuro.
Não conhecia a raça do seu cão, já fui pesquisar. Parece ser muito ágil. Eu tive durante 13 anos uma boxer, de cuja partida ainda não me refiz (e já lá vão uns 2 [ou 3 ?] anos, agora nem sei bem).
Muito obrigada pelas suas palavras, ao lê-lo passeei também, e desejo que tenha, amanhã, um belo dia, com o olhar ainda reconfortado pelo passeio de hoje.
Amiga:
ResponderEliminarGosto da simplicidade do Daniel Filipe.
Tão lindo, tão breve, tão sensual!
Glosou-o muito bem, em prosa.
Lindo, simples, sensual, o texto.
Beijinho
Mary
Olá Amiga Mary,
ResponderEliminarTenho a mesa onde escrevo cheia de livros de poesia e a estante baixa ao meu lado também cheia de livros de poesia por cima. Mas ontem lembrei-me de ir espreitar à estante da poesia onde ainda há uns quantos, os mais antigos. E lá descobri dois livrinhos de Daniel Filipe. Tanto que eu, muitos anos atrás,tinha gostado d' A Invenção do Amor e afinal, agora, tinha-me esquecido dele. Fiquei mesmo fula comigo mesma, como é possível a gente esquecer livros de que tanto tinha gostado?
Mas, enfim, lá tentei redimir-me...
Ainda bem que gostou, Mary.
Um beijinho!
bonito texto seguido de quadras, essa forma simples mas saborosa que muitos poetas como este souberam manejar
ResponderEliminarBom dia, Caro Patrício Branco,
ResponderEliminarEstava esquecido na minha estante este poeta de vida tão curta. Tinha uma forma simples mas muito musical de fazer poesia. E tinha ideias muito simples e terrenas que transformava em 'saborosas' (a sua expressão é, de facto, muito adequada) expressões poéticas.