Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

22 junho, 2012

Teus olhos imorais, mulher, que me dissecas, teus olhos dizem mais que muitas bibliotecas!


Vadia, crazy girl... Deixa-me chamar-te assim, devagarinho, baixinho, ao ouvido, nomes destes. Gostosa, boazona. Deixa-me olhar esses olhos gulosos, esses olhos que me levam à perdição.

Não olhes agora o rio, esquece os veleiros e os marinheiros que vão neles. Deixa-me ver bem os teus olhos. Sua maluca, que palavras eram aqueles na mensagem que me mandaste...? Deixaste-me em brasa, sabias? Que querias, que fazias... e então, quando é?, estou à espera.

Quero ver se é verdade, se gostas mesmo, se sabes mesmo, sempre quero ver, sua doida. Aquilo são lá coisas que se escrevam, oh sua grande tarada. Estás a rir-te, sua gozona, estás a rir-te.

Olha para mim, esquece o rio, esquece o navio, esquece quem lá vai. Olha para mim, quero ler os teus olhos loucos, roucos, que eles, sim, falam verdade.

Que olhos tão húmidos, que olhos tão quentes, tão lindos. Brilham tanto os teus olhos, Marta, brilham tanto, há tanta comoção no teu olhar. Dizes que não é comoção...? Não? Tentação...? Dizes que é tentação, Marta? Que é paixão? Que é atracção?  E com que voz me dizes isso, oh libidinosa Marta, quanta sensualidade nessa voz...

Olhas-me agora assim, entras assim devagar dentro de mim, Marta, com esse olhar imoral. Oh Marta que me matas com a tua indecência, com a chama perversa do teu olhar.



[Abaixo da imagem de um casal apaixonado, um poema de um Poeta que por cá tem aparecido pouco e apenas por indelicadeza minha, Cesário Verde. A seguir, o som maravilhoso do violino e da orquestra ao serviço da grande música de Shostakovich.]



Rente ao Tejo, no pequeno e romântico jardim do Ginjal
           

Mandaste-me dizer,
no teu bilhete ardente,
que hás de por mim morrer,
morrer muito contente.

Lançastes, no papel
as mais lascivas frases;
a carta era um painel
de cenas de rapazes!

Ó cálida mulher,
teus dedos delicados
traçaram do prazer
os quadros depravados!

Contudo, um teu olhar
é muito mais fogoso,
que a febre epistolar
do teu bilhete ansioso:

Do teu rostinho oval
os olhos tão nefandos
traduzem menos mal
os vícios execrandos.

Teus olhos sensuais,
libidinosa Marta,
teus olhos dizem mais
que a tua própria carta.

As grandes comoções
tu neles, sempre, espelhas;
são lúbricas paixões
as vívidas centelhas...

Teus olhos imorais,
mulher, que me dissecas,
teus olhos dizem mais
que muitas bibliotecas!



['Lúbrica' de Cesário Verde in Antologia Poética, na bela edição ilustrada por José Manuel Saraiva, da editora K, Faktoria de Livros]

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