Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

29 novembro, 2010

Eu que sou feio, sólido, leal, a ti, que és bela, frágil, assustada, quero estimar-te sempre

Dizias, meu querido, que eu te tornava  prestante, bom, saudável.

E dizias que me olhavas o corpo enquanto me vias pela porta envidraçada, e dizias que, por ti, me dedicarias a tua vida.

Tu, hábil, prático e viril dizias-me isso a mim, que sou ténue, dócil, recolhida e que gostava tanto de te ouvir.

(Antes que cheguem os clientes, um momento de reflexão, à porta de um restaurante em Cacilhas. ali bem às portas do Ginjal)

Eu, que sou feio, sólido, leal,
A ti, que és bela, frágil, assustada,
Quero estimar-te sempre, recatada
Numa existência honesta, de cristal.

Sentado à mesa dum café devasso,
Ao avistar-te, há pouco, fraca e loura,
Nesta Babel tão velha e corruptora,
Tive tenções de oferecer-te o braço.

E, quando socorreste um miserável,
Eu, que bebia cálices de absinto,
Mandei ir a garrafa, porque sinto
Que me tornas prestante, bom, saudável.

"Ela aí vem!" disse eu para os demais;
E pus-me a olhar, vexado e suspirando,
O teu corpo que pulsa, alegre e brando,
Na frescura dos linhos matinais.

Via-te pela porta envidraçada;
E invejava, — talvez que não o suspeites! -
Esse vestido simples, sem enfeites,
Nessa cintura tenra, imaculada.
[...]

Com elegância e sem ostentação,
Atravessavas branca, esbelta e fina,
Uma chusma de padres de batina,
E de altos funcionários da nação.

"Mas se a atropela o povo turbulento!
Se fosse, por acaso, ali pisada!"
De repente, paraste embaraçada
Ao pé dum numeroso ajuntamento.

E eu, que urdia estes fáceis esbocetos,
Julguei ver, com a vista de poeta,
Uma pombinha tímida e quieta
Num bando ameaçador de corvos pretos.

E foi, então, que eu, homem varonil,
Quis dedicar-te a minha pobre vida,
A ti, que és tênue, dócil, recolhida,
Eu, que sou hábil, prático, viril.

(Excertos de Débil de Cesário Verde, in 'O Livro de Cesário Verde')

O engraxador por Luísa Sobral numa gravação caseira

Composição e interpretação desta menina, Luísa Sobral. Uma menina com talento.

28 novembro, 2010

Eu cantarei de amor tão docemente, aqui enquanto te espero, meu amor

Tu sabes que os meus lábios tremiam de amor puro e que a nossa pele se erguia contra as leis acumuladas contra nós.

Se eu pudesse entrar na tua vida … mas eu sei que é perigoso a gente ser feliz.

Mas, olha, meu amor, nada foi em vão.

Agora que está este tempo tão frio, eu cantarei de amor tão docemente.

(Num dia frio, com o Tejo correndo cinzento e triste, duas cadeiras esperam por nós, neste cais do Ginjal, de frente para Lisboa)

Eu cantarei de amor tão docemente
que, ainda extinta a voz, dela perdure
o veio breve donde transpirou
outrora o canto aceso e os seus silêncios.
Serão então do exílio as horas frouxas
derramadas qual ácido no rosto
do amante. Mas nada foi em vão.
Que os lábios tremerão de puro amor
e a pele – como a serpente à melodia
rende sua homenagem, cativada –
contra o dia se indisciplinará
erguida sobre si, ao arrepio
de leis acumuladas contra nós,
seus ecos contrapondo ao tempo frio.

(Eu cantarei de amor tão docemente, de António Manuel Pires Cabral)

Beatriz por Maria João e Mário Laginha flying over the river

Numa fantástica produção, sobre o Tejo, uma grande canção por dois grandes intérpretes.



Olha
Será que ela é moça
Será que ela é triste
Será que é o contrário
Será que é pintura
O rosto da atriz

Se ela dança no sétimo céu
Se ela acredita que é outro país
E se ela só decora o seu papel
E se eu pudesse entrar na sua vida

Olha
Será que ela é de louça
Será que é de éter
Será que é loucura
Será que é cenário
A casa da atriz
Se ela mora num arranha-céu
E se as paredes são feitas de giz
E se ela chora num quarto de hotel
E se eu pudesse entrar na sua vida

Sim, me leva pra sempre, Beatriz
Me ensina a não andar com os pés no chão
Para sempre é sempre por um triz
Aí, diz quantos desastres tem na minha mão
Diz se é perigoso a gente ser feliz

Olha
Será que é uma estrela
Será que é mentira
Será que é comédia
Será que é divina
A vida da atriz
Se ela um dia despencar do céu
E se os pagantes exigirem bis
E se o arcanjo passar o chapéu
E se eu pudesse entrar na sua vida

(Letra de Beatriz, composição de Edu Lobo e Chico Buarque)

25 novembro, 2010

Jardim de inverno suspenso na manhã como um sol nos vidros

Dá-me a tua mão neste jardim suspenso na manhã, dá-me a tua mão para que eu sinta esse gesto no mais interior que tem a casa, para que eu sinta o teu corpo sobre o meu, para que eu sinta o mundo todo batendo no meu pulso. Dá-me a tua mão, vamos andar de mãos dadas por aí, pelo mar alto, dá-me a tua mão, vamos andar de mãos dadas para todo o sempre.

O impossível somos nós.

(Um dos sítios mais bonitos do mundo, um sítio de paz, onde os olhos não conseguem absorver todo o espírito, toda a magia do lugar: Jardim do Ginjal junto ao Elevador Panorâmico de Almada, o Tejo a correr manso, juntando com ternura as duas margens, Lisboa ali tão perto)

Jardim de inverno
suspenso na manhã

como um sol
               nos vidros
coalhado

cravado na cidade
e sobre a carne

sedento devagar
e tatuado

E semelhante
                 felino
e sequestrado

e só suspenso
mas firme
e aderente

É como um útero
secreto
e encontrado
onde se adivinha uma semente

E sobre a pele
oásis
pelos olhos

e nos sentidos
brandura
reinventada

como outro gesto
detido nas paredes
no mais interior
que tem a casa

e aí me detenho
e eu e tu nos encontramos

e aí penso
seguro
e me debruço

sentindo o teu corpo
sobre o meu

e o mundo batendo
no meu pulso

(Jardim de Inverno de Maria Teresa Horta)

Sonhos de Papel por Adriana

Muito recente. Tão recente que ainda não existe a letra disponível na net (pelo menos que eu tenha conseguido encontrar).

Mas vamos ouvir falar desta menina, ah vamos...!


24 novembro, 2010

Pusemos tanto azul nessa distância, meu amor

Era eu a falar para esconder a saudade, contando histórias que nos atam ao silêncio e tu a esconderes-te do que não dizíamos.

Não nos tocávamos e íamos fugindo. Eu fugia do toque como do cheiro e tu puxavas-me sempre para mais perto.

Mas é quase pecado o que deixamos, é quase pecado o que ignoramos.

Pusemos tanto azul nesta distância que ficamos a morder-nos na carne dum segredo. 

E quebramo-nos os dois, quebramo-nos como crianças.


(A elegância e a determinação de uma jovem que se afasta do namorado numa manhã no Ginjal, com Lisboa em fundo banhada pelo Tejo)


Pusemos tanto azul nessa distância
ancorada em incerta claridade
e ficamos nas paredes do vento
a escorrer para tudo o que ele invade.

Pusemos tantas flores nas horas breves
que secam folhas nas árvores dos dedos.
E ficámos cingidos nas estátuas
a morder-nos na carne dum segredo

(Pusemos tanto azul nessa distância in Poemas de Natália Correia)

Quebrámos os Dois pelos Toranja

Mais uma grande canção...

(Estou à vontade para o dizer porque a mim não me cabe qualquer mérito)


Era eu a convencer-te que gostas de mim
e tu a convenceres-te que não é bem assim...
Era eu a mostrar-te o meu lado mais puro
e tu a argumentares os teus inevitáveis

Eras tu a dançar em pleno dia
e eu encostado como quem não vê
Eras tu a falar para esconder a saudade
e eu a esconder-me do que não se dizia


... afinal quebramos os dois...

Desviando os olhos por sentir a verdade
juravas a certeza da mentira
mas sem queimar demais
sem querer extinguir o que já se sabia

Eu fugia do toque como do cheiro
por saber que era o fim da roupa vestida
que inventara no meio do escuro onde estava
por ver o desespero na cor que trazias...

... afinal quebramos os dois...

Era eu a despir-te do que era pequeno
e tu a puxares-me para um lado mais perto
onde contamos histórias que nos atam
ao silêncio dos lábios que nos mata...!

Eras tu a ficar por não saber partir...
e eu a rezar para que desaparecesses...
Era eu a rezar para que ficasses..
e tu a ficares enquanto saías.

... não nos tocamos enquanto saías.
não nos tocamos enquanto saímos.
não nos tocamos e vamos fugindo
porque quebramos como crianças

...afinal quebramos os dois...

...e é quase pecado o que se deixa...
...quase pecado o que se ignora...

(Letra de "Quebrámos os dois" dos Toranja)

PS: Não sei qual a versão correcta: "quebrámos" ou "quebramos". A mim parece fazer mais sentido a primeira mas o que encontro é a segunda

23 novembro, 2010

Há uma linha subtil que tu partiste

Às vezes no silêncio da noite, eu imagino-nos a nós dois: fico ali sonhando acordada, juntando o antes, o agora e o depois. Há uma causa cruel que não se sente, mas é a vida.

Às vezes sinto que te perdi no chão - como uma fonte que secou. Mas, se me ouves, não aqueças a dor da tua mente, nem a luz que nos olhos te subsiste.

Onde está você agora?


(Num dos cais do Ginjal, uma mulher elegante, com raça, provável pescadora, emerge das águas do Tejo)

há uma linha subtil que tu partiste
no medo desmedido mas contente
uma causa cruel que não se sente
mas é a vida  a terra que tu viste

se logo o vento vário não resiste
e a história ferida se desmente
não aqueças a dor da tua mente
nem a luz que nos olhos te subsiste

e se rires do pó o dissolver-te
em tanta coisa a cor que se mudou
na água tédio médio de só ver-te

corta as linhas maiores do que ficou
na sede de partir e de perder-te
no chão como uma fonte que secou

(Soneto de E.M.de Melo e Castro)

Sozinho por Caetano Veloso

Outra grande canção.



Às vezes no silêncio da noite
Eu fico imaginando nós dois
Eu fico ali sonhando acordado
Juntando o antes, o agora e o depois

Porquê você me deixa tão solto?
Por que você não cola em mim?
Tô me sentindo muito sozinho

Não sou nem quero ser o seu dono
É que um carinho às vezes cai bem
Eu tenho meus desejos e planos secretos
Só abro pra você mais ninguém

Por que você me esquece e some?
E se eu me interessar por alguém?
E se ela, de repente, me ganha?

Quando a gente gosta
É claro que a gente cuida
Fala que me ama
Só que é da boca pra fora

Ou você me engana
Ou não está madura
Onde está você agora?

Quando a gente gosta
É claro que a gente cuida
Fala que me ama
Só que é da boca pra fora

Ou você me engana
Ou não está madura
Onde está você agora?

(Letra de Sozinho de Caetano Veloso, composição de Peninha)

Às vezes despedimo-nos tão cedo que nem lágrimas há

O peso insuportável do amor, a despedida, o peso da voz, a solidão exposta, o desgosto.

Amei-te como se fosse a mais indefesa princesa; mas não sei se dura sempre esse teu beijo, amante dessa teia que o amor tece. Estás tão longe, nessa Lisboa que, distante, amanhece.

Às vezes despedimo-nos cedo demais.


(Lisboa que amanhece, vista do Ginjal, o Tejo azul de permeio)

Às vezes despedimo-nos tão cedo
que nem lágrimas há que nos suportem o
peso da voz à solidão exposta
ou
de lisboa no corpo o peso triste

Às vezes é tão cedo que nos vemos
omitidos
enquanto expõe
o peso insuportável do amor
a despedida

É tão cedo por vezes que lisboa
estende sobre os corpos o desgosto

Com os dedos no crânio despedimo-nos

("Às vezes despedimo-nos tão cedo" de Gastão Cruz, in “Poemas Reunidos”
)

Lisboa que amanhece por Sérgio Godinho

Grande canção.


Cansados vão os corpos para casa
Dos ritmos imitados doutra dança
A noite finge ser
Ainda uma criança de olhos na lua
Com a sua
Cegueira da razão e do desejo

A noite é cega, as sombras de Lisboa
São da cidade branca a escura face
Lisboa é mãe solteira
Amou como se fosse a mais indefesa
Princesa
Que as trevas algum dia coroaram

REFRÃO:

Não sei se dura sempre esse teu beijo
Ou apenas o que resta desta noite
O vento, enfim, parou
Já mal o vejo
Por sobre o Tejo
E já tudo pode ser
Tudo aquilo que parece
Na Lisboa que amanhece


O Tejo que reflecte o dia à solta
æ noite é prisioneiro dos olhares
Ao Cais dos Miradoiros
Vão chegando dos bares os navegantes
Amantes
Das teias que o amor e o fumo tecem

E o Necas que julgou que era cantora
Que as dádivas da noite são eternas
Mal chega a madrugada
Tem que rapar as pernas para que o dia
Não traia
Dietriches que não foram nem Marlénes

REFRÃO

Em sonhos, é sabido, não se morre
Aliás essa é a Única vantagem
De após o vão trabalho
O povo ir de viagem ao sono fundo
Fecundo
Em glórias e terrores e aventuras

E ai de quem acorda estremunhado
Espreitando pela fresta a ver se é dia
E as simples ansiedades
Ditam sentenças friamente ao ouvido
Ruído
Que a noite se acostuma e transfigura

REFRÃO

Na Lisboa que amanhece

(Letra de Lisboa que amanhece de Sérgio Godinho)

20 novembro, 2010

O Ginjal (aqui visto da Ponte 25 de Abril) é um local próprio para os Poetas do Amor

Em dia chuvoso de cimeira da Nato - e de trânsito parado na ponte, não pela cimeira mas por acidentes - aqui deixo uma fotografia em que se (ante)vê a linha do Ginjal, caseando a orla junto ao Tejo, vista de cima da Ponte 25 de Abril.

Pela neblina, pela distância, é pouco mais que uma sombra mas aqui a deixo para te dizer que aquela que percorre os poemas atrás da tua sombra serei eu.

(Desde a ponta de Cacilhas, passando pelo Jardim do elevador Panorâmico)

Senão todos algum
de nós reproduz diversos os mesmos lugares.
E aquela que entra no verso para o
percorrer
atrás da tua sombra
serei eu.

(Poetas do amor de Fiama Hasse Pais Brandão)

18 novembro, 2010

Romeu Correia, Louro Artur, Ginjal, Tejo, Almada e a descoberta do que está tão perto de nós

Complemento o post anterior com fotografias feitas há pouco, seguindo a preciosa sugestão do Luís a quem agradeço, que me fez ir ver um painel de azulejos imenso, colorido, luminoso, inspirado, imponente, da autoria de um artista plástico também de Almada que eu, igualmente, desconhecia: Louro Artur.

O painel vai evoluindo de um registo realista até um mancha mais abstracta (não abrangida na fotografia)

Placa dedicatória do painel.

Gosto do que lá se escreve: 'a Romeu Correia que escreveu e lutou pela liberdade' porque a luta pela liberdade, seja em que contexto for, é das mais nobres causas pois a liberdade é um valor absoluto; mas, também, gosto de ler 'que tanto viveu e amou esta cidade'; é uma frase bonita, simples e que tem algo de poético. Há quem ame um sítio como se ama uma pessoa.  

Um pequeno texto sobre o fascínio pelo Tejo sob o rosto tão bem retratado.

17 novembro, 2010

Ginjal, uma dívida antiga para com Romeu Correia

Daqui desta margem te espreito minha amada Lisboa. Sempre.

(Pescador no lindíssimo pequeno jardim junto ao Elevador Panorâmico no Ginjal)

Ao contrário do que é costume hoje não é um poema que escolho para aqui colocar.

Hoje recordo Romeu Correia, figura querida em Almada, sua terra, figura da cultura que publicou numerosos livros, recebeu prémios literários - apesar de autodidacta. E dinamizou bibliotecas, escreveu em jornais, participou em tertúlias.

Além disso - e isso é o que agora me interessa, pois por isso o trago aqui - amou, como poucos, o Ginjal.

Foi pelas palavras dele que conheci este local mágico. Li num jornal, há muitos anos, um artigo em que ele dizia que a melhor vista de Lisboa era a que se tinha do Ginjal, que o Ginjal era um local de grande beleza e descrevia um passeio ao cair da tarde.

Fui lá e conferi. De facto. É um lugar como nenhum outro no mundo. Lisboa é linda vista daqui.

[Em qualquer outro local do mundo civilizado este seria um lugar de eleição, um lugar acarinhado, protegido, património mundial. Por cá está ao abandono, degradado, ofensivamente maltratado. Contudo, apesar do desmazelo autárquico e nacional, conserva a dignidade que os locais especiais (tal como as pessoas especiais) sabem preservar, sejam quais forem as circunstâncias.

Sei que há planos para revitalizar este local, não sei em que consistem, mas espero que sejam de qualidade e que sejam postos em prática. Tal como já referi há tempos no Um Jeito Manso escrevi há uns anos à Presidente da Câmara a sugerir que esta fosse uma zona de arte, com ateliers alugados a artistas, com galerias de arte, bibliotecas  e livrarias especializadas em arte, com restaurantes, bares, espaços de tertúlia, de música, etc. É assim, com edifícios de vidro, com uma arquitectura fantástica, que imagino este meu Ginjal.

Recordo também, em Amsterdão, um hotel em que fiquei, que em tempos tinha sido o edifício da Câmara, à beira de um canal, hotel fantástico que nunca mais esquecerei e imagino um hotel assim, em cima do Tejo: seria uma experiência única, com mercado garantido, mercado de qualidade.]

Durante anos, por razões diversas, afastei-me do Ginjal mas agora voltei e o fascínio é ainda maior. Não me canso de o percorrer, de o fotografar, de o divulgar.

E, por isso, me lembrei de Romeu Correia e por isso aqui deixo uma fotografia (tirada à noite) da bonita entrada do Fórum Municipal que, tão justamente, leva o seu nome. É a minha muito modesta forma de lhe agradecer, de aqui o recordar.
  
("Les beaux esprits se rencontrent")

O espírito de Romeu Correia para sempre habitará o Ginjal.

Mariza e Carlos do Carmo cantam 'Meu fado Meu' e 'Lisboa Menina e Moça' no Estádio da Luz

Dois nomes maiores da Música Portuguesa num magnífico dueto.

Se é sem dúvida Amor esta explosão de tantas sensações contraditórias, então explode coração!

Chega de tentar dissimular e disfarçar e esconder o que não dá mais para ocultar e eu não posso mais calar.

 Não dá mais para segurar: explode coração.

 E se é sem dúvida Amor esta explosão de tantas sensações contraditórias, não há dúvida, Amor, que te não fujo e que, por ti, tenho vivido eternamente presa!



(Perto da Fonte dos Amores no Ginjal, o JP deixou esta eloquente declaração de amor à sua muito amada Cris)

Se é sem dúvida Amor esta explosão
de tantas sensações contraditórias;
a sórdida mistura das memórias,
tão longe da verdade e da invenção;

o espelho deformante; a profusão
de frases insensatas, incensórias;
a cúmplice partilha nas histórias
do que os outros dirão ou não dirão;

se é sem dúvida Amor a cobardia
de buscar nos lençóis a mais sombria
razão de encantamento e de desprezo;

não há dúvida, Amor, que te não fujo
e que, por ti, tão cego, surdo e sujo,
tenho vivido eternamente preso!

(Soneto do Cativo de David Mourão-Ferreira)


Explode coração por Maria Bethânia

A gravação não é extraordinária mas vale pelo resto.


Chega de tentar dissimular e disfarçar e esconder
O que não dá mais pra ocultar e eu não posso mais calar
Já que o brilho desse olhar foi traidor
E entregou o que você tentou conter
O que você não quis desabafar e me cortou
Chega de temer, chorar, sofrer, sorrir, se dar
E se perder e se achar e tudo aquilo que é viver
Eu quero mais é me abrir e que essa vida entre assim
Como se fosse o sol desvirginando a madrugada
Quero sentir a dor desta manhã
Nascendo, rompendo, rasgando, tomando, meu corpo e então eu
Chorando, sofrendo, gostando, adorando, gritando
Feito louca, alucinada e criança
Sentindo o meu amor se derramando
Não dá mais pra segurar, explode coração...

(Letra de Explode Coração - Gonzaguinha)

16 novembro, 2010

Nem todo o corpo é carne: no teu, meu amor, existe o mundo todo

Aqui no Ginjal, à beira do Tejo, te digo:
nem todo o corpo é carne, é também água, terra, vento, fogo;
é sobretudo sombra à despedida e onda de pedra em cada reencontro;
e é um fugidio vulto de primavera agora que estamos em pleno outono.
No teu corpo existe o mundo todo.
Eu possa dizer do amor: que não seja imortal, posto que é chama mas que seja infinito enquanto dure.

(Uma tarde num cacilheiro a caminho de Lisboa)

Nem todo o corpo é carne… Não, nem todo.
Que dizer do pescoço, às vezes mármore,
às vezes linho, lago, tronco de árvore,
nuvem, ou ave, ao tacto sempre pouco…?

E o ventre, inconsistente como o lodo?…
E o morno gradeamento dos teus braços?
Não, meu amor… Nem todo o corpo é carne:
é também água, terra, vento, fogo…

É sobretudo sombra à despedida;
onda de pedra em cada reencontro;
no parque da memória o fugidio

vulto da Primavera em pleno Outono…
Nem só de carne é feito este presídio,
pois no teu corpo existe o mundo todo!

(Presídio de David Mourão-Ferreira)

15 novembro, 2010

Soneto da Fidelidade - Vinicius de Moraes


De tudo, meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor ( que tive ) :
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

(Letra de Soneto da Fidelidade de Vinicius de Moraes)

14 novembro, 2010

O poema lírico nasceu de uma roseira numa manhã no Ginjal

Era outono e eu estendi o teu corpo na areia das margens, tapando a tua nudez com os ramos de arbustos fluviais.  Pedi-te que me falasses, como se tu ainda soubesses as últimas palavras do amor.

Mas agora nem o tempo vai chegar para te dizer como te sinto longe de mim. É uma espécie de dor, nem sei explicar, nem sei o que esperar. Mas sei que te amo.




Uma rosa é uma rosa é uma rosa

Roseira num quintal do Ginjal, numa manhã de Outono, o Tejo e Lisboa em fundo


O poema lírico nasceu de uma roseira. Não
digo que fosse a rosa de cima, aquela que todos
olham, primeiro que tudo, pensando
em cortá-la para a levarem consigo. É
a rosa nem branca nem vermelha, a rosa pálida,
vestida com a substância da terra
a que toma a cor dos olhos de quem a fixa, por
acaso, e ela agarra, como se tivesse
mãos abstractas por dentro das suas folhas

Colhi esse poema. Meti-o dentro de água,
como a rosa, para que flutuasse ao longo de um rio
de versos. O seu corpo, nu como o dessa mulher
que amei num sonho obscuro, bebeu a seiva
dos lagos, os veios subterrâneos das humidades
ancestrais, e abriu-se como o ventre da
própria flor. Levou atrás de si os meus olhos,
num  barco tão fundo como a sua própria
morte.
Abracei esse poema. Estendi-o na areia
das margens, tapando a sua nudez com os ramos
de arbustos fluviais. Arranquei os botões
que nasciam dos seus seios, bebendo a sua cor
verde como os charcos coalhados do outono. Pedi-lhe
que me falasse, como se ele só ainda soubesse
as últimas palavras do amor.
(Metáfora contínua de um único sentimento).

(Arte poética com citação de Holderlin, Nuno Júdice)

Rosa de Rodrigo Leão, um grande compositor português


Hoje o céu está mais azul,
eu sinto...
Fecho os olhos.
Mesmo assim eu sinto...
O meu corpo estremeceu.
Não consigo adormecer.

Nem o tempo vai chegar
Para dizer o quanto eu sinto
Você longe de mim.
É uma espécie de dor...

Hoje o céu está mais azul
eu sinto...
Olho à volta
E mesmo assim eu sinto
Que este amor vai acabar
e a saudade vai voltar...

Já não sei o que esperar
Dessa vida fugidia...
Não sei como explicar
Mas eu mesmo assim o amo.

(Letra de Rosa, Rodrigo Leão)

O Ginjal numa manhã de Outono ('a la' Paula Varona)


A semana passada estava o tempo mais aberto do que hoje no 'Casario do Ginjal'

13 novembro, 2010

Que domínio tenho dos teus braços, meu amor?

Recordo: voas sobre mim, abraças-me e eu sinto o teu corpo de cetim.

Pássaro de grandes asas, de longos abraços, voa até mim.

(Grandes asas sobre o Tejo, Lisboa ao fundo, e eis que regressa a casa, ao Ginjal)


Que domínio
tenho
dos teus braços?

meu amor,

ao voares sobre o que eu faço
com teu corpo de cetim
nadando em nosso abraço?


(in "Os Anjos" de Maria Teresa Horta)

Voar por Tim e Rui Veloso

11 novembro, 2010

Agora que as palavras secaram e se fez noite entre nós dois, que nunca caiam as pontes entre nós

Agora que as palavras secaram e se fez noite entre nós dois (que a nossa nem sequer foi uma história diferente) resta-nos este poema de amor e solidão.

Agora eu tenho a noite, tu tens a dor, tens o silêncio que, por dentro, sei de cor. Eu tenho o medo, tu tens a paz, tens a loucura que a manhã ainda te traz. Mas que, embora perdidos e sós, amantes distantes, nunca caiam as pontes entre nós.                      


(Nops... Um distinto Comandante de Cacilheiro numa manhã azul no Ginjal)

Agora que as palavras secaram
e se fez noite
entre nós dois,
agora que ambos sabemos
da irreversibilidade
do tempo perdido,
resta-nos este poema de amor e solidão

No mais é o recalcitrar dos dias,
perseguindo-nos, impiedosos,
com relógios,
pessoas,
paredes demasiado cinzentas,
todas as coisas inevitavelmente
lógicas

Que a nossa nem sequer foi uma história
diferente,
A originalidade estava toda na pólvora
dos obuses, no circunstanciado
afivelar
dos sorrisos à nossa volta
e no arcaísmo da viela onde fazíamos amor.


(in Marcas de Água de Eduardo Pitta)

Pontes Entre Nós por Pedro Abrunhosa


Eu tenho o tempo
Tu tens o chão
Tens as palavras
Entre a luz
E a escuridão...

Eu tenho a noite
E tu tens a dor
Tens o silêncio
Que por dentro
Sei de cor...

E eu e tu
Perdidos e sós
Amantes distantes
Que nunca caiam
As pontes entre nós...

Eu tenho o medo
Tu tens a paz
Tens a loucura
Que a manhã
Ainda te traz...

Eu tenho a terra
Tu tens as mãos
Tens o desejo
Que bata em nós
Um coração...

E eu e tu
Perdidos e sós
Amantes distantes
Que nunca caiam
As pontes entre nós

(letra de Pontes entre Nós de Pedro Abrunhos)

10 novembro, 2010

Nunca amaremos suficientemente quem nos esperou tanto

É meia noite e o meu amor tarda, eu não sei onde ele está. O combinado é não esperar, o nosso amor é clandestino.

Nunca amaremos suficientemente quem nos espera tanto. As palavras com que entretemos a espera são duras e tristes. Mas não precisamos de prometer nada: basta-nos saber que há-de haver sempre um dia em que chegaremos de novo a casa.

(Horas frágeis, equilíbrios frágeis - e contudo tão fortes - no Ginjal, local impregnado de uma frágil beleza)


Nunca amaremos suficientemente quem
nos esperou tanto
- assim os velhos deuses nos ensinaram a dizer
pousando as mãos sobre as nossas cabeças

mas    por favor    não prendas
as suas palavras às horas agora tão frágeis
em que apenas procuras uma definida razão
para a partida

ouve:
sabemos muito melhor que os deuses
que daqui a minutos     segundos
nada vai sobrar daquilo a que      tão fugazmente
chamaste amor

e as palavras com que entretemos a espera
são duras e tristes
como tudo o que fomos largando à beira do passeio
debaixo das janelas de persianas corridas

mas finalmente
não precisamos de ser perfeitos
nem de prometer nada
basta-nos saber que há-de haver sempre um dia
em que chegaremos de novo a esta casa

em que diremos de novo as velhas palavras
como se naquele momento as inventássemos
sabendo que a nossa vida
há-de ser sempre um desenho de criança
onde está tudo o que deus ordena
mas ninguém entende


(belíssimo, belíssimo poema de Alice Vieira in O que dói às aves)

PS: O texto na parte de cima do post está, estupidamente, com umas barras brancas que não consigo perceber nem, claro, anular. As minhas desculpas pelo aspecto, que é involuntário.

Clandestino pelos Deolinda



A noite vinha fria
Negras sombras a rondavam
Era meia-noite
E o meu amor tardava

A nossa casa, a nossa vida
Foi de novo revirada
À meia-noite
O meu amor não estava

Ai, eu não sei aonde ele está
Se à nossa casa voltará
Foi esse o nosso compromisso

E acaso nos tocar o azar
O combinado é não esperar
Que o nosso amor é clandestino

Com o bebé, escondida,
Quis lá eu saber, esperei
Era meia-noite
E o meu amor tardava

E arranhada pelas silvas
Sei lá eu o que desejei:
Não voltar nunca...
Amantes, outra casa...

E quando ele por fim chegou
Trazia as flores que apanhou
E um brinquedo pró menino

E quando a guarda apontou
Fui eu quem o abraçou
Que o nosso amor é clandestino


(Letra de Clandestino, Pedro da Silva Martins)

09 novembro, 2010

Nos teus olhos alguém anda no mar e neles há um choro riso

Daqui pode ver-se a Lua, o mar ondula, o vento geme e o teu espírito renasce, puro. Na tua pele toda a terra treme. Morre a sombra desejada, numa esperança fugidia. Dizes-me até amanhã, que tem de ser, que te vais. Só que amanhã, sei-o bem, é sempre longe demais. Ou talvez não.



Nos teus olhos alguém anda no mar
alguém se afoga e grita por socorro
e és tu que vais ao fundo devagar
enquanto sobre ti eu quase morro.

E de repente voltas do abismo
e nos teus olhos há um choro riso
teu corpo agora é lava e fogo e sismo
de certo modo já não sou preciso.

Na tua pele toda a terra treme
alguém fala com Deus alguém flutua
há um corpo a navegar e um anjo ao leme.

Das tuas coxas pode ver-se a Lua
contigo o mar ondula e o vento geme
e há um espírito a nascer de seres tão nua.


(in Sete Sonetos e um Quarto de Manuel Alegre)

"Amanhã é sempre longe demais" na excelente interpretação dos Seda


Letra de "Amanhã é sempre longe demais"

Pela janela mal fechada
Entra já a luz do dia
Morre a sombra desejada
Numa esperança fugidia

Foi uma noite sem sono
Entre saliva e suor
Com um travo de abandono
E gosto a outro sabor

Dizes-me até amanhã
Que tem de ser que te vais
Porque amanhã sabes bem
É sempre longe demais
Acendo mais um cigarro
Invento mil ideais
Só que amanhã sei-o bem
É sempre longe demais

Pela janela mal fechada
Chega a hora do cansaço
Vai-se o tempo desfiando
Em anéis de fumo baço

08 novembro, 2010

Estaremos sempre tu e eu sozinhos na terra para começar a vida

Nem quero pensar se é certo querer o que vou lhe dizer: se a chuva cai e o sol não sai, penso em você e tenho vontade de viver em paz com o mundo e consigo - porque estaremos sempre sozinhos, estaremos sempre você e eu sozinhos na terra para começar a vida.

(Homem à proa do Ginjal, desafiando o Tejo, enfrentando Lisboa)


Sempre


Ao contrário de ti
não tenho ciúmes.

Vem com um homem
às costas,
vem com cem homens nos teus cabelos,
vem com mil homens entre os seios e os pés,
vem como um rio
cheio de afogados
que encontra o mar furioso,
a espuma eterna, o tempo.

Trá-los todos
até onde te espero:
estaremos sempre sozinhos,
estaremos sempre tu e eu
sozinhos na terra
para começar a vida.

(in Poemas de Amor de Pablo Neruda, excelente tradução do poeta Nuno Júdice)

Pensar em você por Daniela Mercury


É só pensar em você
Que muda o dia
Minha alegria dá pra ver
Não dá pra esconder
Nem quero pensar se é certo querer
O que vou lhe dizer
Um beijo seu
E eu vou só pensar em você
Se a chuva cai e o sol não sai
Penso em você
vontade de viver mais
Em paz com o mundo e comigo
Se a chuva cai e o sol não sai
Penso em você
Vontade de viver mais
Em paz com o mundo e consigo

(letra de Chico César)

07 novembro, 2010

Sôbolos rios que vão por Babilónia

Tudo muda, tudo parte, frágil é a memória da paixão. Abro a porta devagar, olho só mais uma vez, é fim da tarde, sopra a brisa, quente como a tua mão e vejo que todo o bem passado não é gosto, mas é mágoa.
Sentada choro as lembranças. Mas nunca me esqueci de ti.


(Dia lindíssimo no Ginjal, claro, fresco, luminoso, Lisboa branca, magnífica, com o Padrão das Descobertas vigiando os navios sôbolo Tejo, calmo, azul)

Sôbolos rios que vão por Babilónia, sentados
chorámos as lembranças de Sião,
e nos salgueiros pendurámos as harpas
contra o vento.

Porque nos pedem cânticos e alegria.
- Entoais, dizem eles, as canções de Sião.


(excerto de Saltério, Salmos do Velho Testamento segundo montagem de Jean Grosjean, tradução de Herberto Helder in O bebedor nocturno)

*

Sôbolos rios que vão
por Babilónia, me achei,
Onde sentado chorei
as lembranças de Sião
e quanto nela passei.
Ali, o rio corrente
de meus olhos foi manado,
e, tudo bem comparado,
Babilónia ao mal presente,
Sião ao tempo passado.
Ali, lembranças contentes
n'alma se representaram,
e minhas cousas ausentes
se fizeram tão presentes
como se nunca passaram.
Ali, depois de acordado,
co rosto banhado em água,
deste sonho imaginado,
vi que todo o bem passado
não é gosto, mas é mágoa.
(Primeiras duas Redondilhas de Sião e Babilónia de Luís Vaz de Camões)


Nota 1: "Sôbolos Rios que vão" é também o título do último livro de António Lobo Antunes, livro em que reconhecemos o autor  no Sr. Antunes que jaz numa cama de hospital evocando lembranças do Antoninho.

Nota 2: A forma sôbolo é uma antiga contracção da preposição sobre com o artigo definido o. Significa «em cima, por cima, acima de algo já definido pelo contexto; sobre o» e ocorre na língua culta até ao século XVI.

Nunca me esqueci de ti por Rui Veloso


Letra de "Nunca me esqueci de ti"

Bato a porta devagar,
Olho só mais uma vez
Como é tão bonita esta avenida...
É o cais. Flor do cais:
Águas mansas e a nudez
Frágil como as asas de uma vida

É o riso, é a lágrima
A expressão incontrolada
Não podia ser de outra maneira

É a sorte, é a sina
Uma mão cheia de nada
E o mundo à cabeceira

Mas nunca
Me esqueci de ti
Não nunca me esqueci de ti
Eu nunca me esqueci de ti
Não nunca me esqueci de ti

Tudo muda, tudo parte
Tudo tem o seu avesso.

Frágil a memória da paixão...

É a lua. Fim da tarde
É a brisa onde adormeço
Quente como a tua mão

Mas nunca
Me esqueci de ti
Não, nunca me esqueci de ti
Não, nunca me esqueci de ti
Eu nunca me esqueci de ti

05 novembro, 2010

Acordo com o teu nome nos meus lábios

De onde vem esse beijo transparente, de onde vem este amor que me pressente?

Amargo beijo esse que o tempo dá sem aviso a quem não esquece.


(Porta no Ginjal - a dignidade que sobrevive ao tempo)

Acordo com o teu nome nos
meus lábios - amargo beijo

esse que o tempo dá sem
aviso a quem não esquece.

(in 'Nenhum nome depois' de Maria do Rosário Pedreira)

04 novembro, 2010

Ana Sofia Varela, vencedora do prémio Amália com Fados de Amor e de Pecado


Com sentimento, Ana Sofia Varela ao vivo no CCB interpreta "As luvas da minha mãe"

Beije-me ele com os beijos da sua boca

Beija-me com os beijos da tua boca, leva-me contigo, corramos juntos.

Cheio de razão é o amor de quem te ama.

(A minha amiga gaivota, a altiva, a livre, passeando ao longo do cais do Ginjal, o Tejo, cavalheiro, acompanhando do lado de fora)

Beije-me ele com os beijos da sua boca.
Amor melhor que o vinho.

- Delicado é o aroma dos teus perfumes;
e teu nome, unguento que se derrama.
Por isso te amam as virgens.

Leva-me contigo, corramos juntos.

O rei levou-me para as suas câmaras.

- Tu serás o nosso júbilo, a nossa alegria.
Cantaremos teu amor mais que o vinho.
Cheio de razão é o amor de quem te ama.

(Sulamite, do Cântico dos Cânticos, de Salomão in "O bebedor nocturno", "Poemas mudados para português" de Herberto Hélder)


Banda sonora: Ana Moura em "Leva-me aos Fados"