Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

14 novembro, 2010

O poema lírico nasceu de uma roseira numa manhã no Ginjal

Era outono e eu estendi o teu corpo na areia das margens, tapando a tua nudez com os ramos de arbustos fluviais.  Pedi-te que me falasses, como se tu ainda soubesses as últimas palavras do amor.

Mas agora nem o tempo vai chegar para te dizer como te sinto longe de mim. É uma espécie de dor, nem sei explicar, nem sei o que esperar. Mas sei que te amo.




Uma rosa é uma rosa é uma rosa

Roseira num quintal do Ginjal, numa manhã de Outono, o Tejo e Lisboa em fundo


O poema lírico nasceu de uma roseira. Não
digo que fosse a rosa de cima, aquela que todos
olham, primeiro que tudo, pensando
em cortá-la para a levarem consigo. É
a rosa nem branca nem vermelha, a rosa pálida,
vestida com a substância da terra
a que toma a cor dos olhos de quem a fixa, por
acaso, e ela agarra, como se tivesse
mãos abstractas por dentro das suas folhas

Colhi esse poema. Meti-o dentro de água,
como a rosa, para que flutuasse ao longo de um rio
de versos. O seu corpo, nu como o dessa mulher
que amei num sonho obscuro, bebeu a seiva
dos lagos, os veios subterrâneos das humidades
ancestrais, e abriu-se como o ventre da
própria flor. Levou atrás de si os meus olhos,
num  barco tão fundo como a sua própria
morte.
Abracei esse poema. Estendi-o na areia
das margens, tapando a sua nudez com os ramos
de arbustos fluviais. Arranquei os botões
que nasciam dos seus seios, bebendo a sua cor
verde como os charcos coalhados do outono. Pedi-lhe
que me falasse, como se ele só ainda soubesse
as últimas palavras do amor.
(Metáfora contínua de um único sentimento).

(Arte poética com citação de Holderlin, Nuno Júdice)

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