Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

07 novembro, 2010

Sôbolos rios que vão por Babilónia

Tudo muda, tudo parte, frágil é a memória da paixão. Abro a porta devagar, olho só mais uma vez, é fim da tarde, sopra a brisa, quente como a tua mão e vejo que todo o bem passado não é gosto, mas é mágoa.
Sentada choro as lembranças. Mas nunca me esqueci de ti.


(Dia lindíssimo no Ginjal, claro, fresco, luminoso, Lisboa branca, magnífica, com o Padrão das Descobertas vigiando os navios sôbolo Tejo, calmo, azul)

Sôbolos rios que vão por Babilónia, sentados
chorámos as lembranças de Sião,
e nos salgueiros pendurámos as harpas
contra o vento.

Porque nos pedem cânticos e alegria.
- Entoais, dizem eles, as canções de Sião.


(excerto de Saltério, Salmos do Velho Testamento segundo montagem de Jean Grosjean, tradução de Herberto Helder in O bebedor nocturno)

*

Sôbolos rios que vão
por Babilónia, me achei,
Onde sentado chorei
as lembranças de Sião
e quanto nela passei.
Ali, o rio corrente
de meus olhos foi manado,
e, tudo bem comparado,
Babilónia ao mal presente,
Sião ao tempo passado.
Ali, lembranças contentes
n'alma se representaram,
e minhas cousas ausentes
se fizeram tão presentes
como se nunca passaram.
Ali, depois de acordado,
co rosto banhado em água,
deste sonho imaginado,
vi que todo o bem passado
não é gosto, mas é mágoa.
(Primeiras duas Redondilhas de Sião e Babilónia de Luís Vaz de Camões)


Nota 1: "Sôbolos Rios que vão" é também o título do último livro de António Lobo Antunes, livro em que reconhecemos o autor  no Sr. Antunes que jaz numa cama de hospital evocando lembranças do Antoninho.

Nota 2: A forma sôbolo é uma antiga contracção da preposição sobre com o artigo definido o. Significa «em cima, por cima, acima de algo já definido pelo contexto; sobre o» e ocorre na língua culta até ao século XVI.

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