Eu era uma menina que gostava de brincar na rua, de andar na rua até ser noite. A grande aventura era brincar de noite na rua. Havia uma liberdade que me era ainda desconhecida, havia uma magia nas luzes amarelas que mal iluminavam a rua, uma magia que eu, então, apenas intuía. Brincava desafiando o medo, escondia-me desafiando os seres nocturnos que poderiam saltar para me amedrontar, e conquistava o meu espaço, a minha segurança.
Ainda hoje, quando posso andar à noite, sob a luz escassa, em jardins por onde passeiam também fadas e duendes, sinto o mesmo - um medo indefinido, uma atracção aliciante, uma vontade de fixar dentro de mim as imagens inventadas que se formam à minha vista.
A criança que eu fui, curiosa, aventureira, destemida, desafiadora e, também frágil, e também sonhadora, a menina que se deslumbrava perante a beleza da rua, dos jardins, das estrelas, da lua, a menina que se deliciava com o sorriso no rosto dos outros ainda está dentro de mim. Todos os dias essa menina convive comigo e, de todos os seres que me rodeiam e que me habitam, é a essa menina que eu dou mais ouvidos, é ela que comanda a minha vida.
Essa menina que adorava correr, que adorava correr em descidas sentindo-se acelerar até quase sentir que não conseguia parar, a menina de cabelos ao vento, a menina que queria ver estrelas candentes, a menina que tudo queria, que tudo amava - essa menina ainda sou eu.
Que 2012 continue a permitir-me guardar dentro de mim, intacta, a criança que fui e sou, que seja uma ano muito bom. E, se o desejo para mim e para os meus, desejo-o também para vocês. Que tenham todas as razões para serem felizes. Construam as vossas próprias razões. Não as deixem passar ao vosso lado. Procurem-nas. Sejam felizes. Em 2012 e em todos os anos que se seguirão.
[E, claro, para encerrar 2011 e abrir 2012, tinha que aqui ter uma ode à alegria e, estando nós a encerrar a semana de Beethoven, teria que aqui vos oferecer o final da 9ª sinfonia - para vos desejar um 2012 muito alegre!]
Jardim junto ao Tejo, em Belém - de noite |
Ainda me atiro à vida
desafiando o eterno
sem rede, porque não há
e verdadeiramente não houve
e o pouco dinheiro
poupado para a idade
avançada do tempo gastei.
Volto à ilusão plena
da liberdade da essência
e zango-me completamente
com o absurdo de ter
trabalho para sustentar
a criança que me habita
indo e vindo
digo-lhe:
porta-te bem
criança do meu corpo
sossega o ímpeto do desejo
da luz que não verás
a não ser na ilusão até ao fim
brinquedo nas minhas mãos
enquanto viver.
('Ir & Vir' de Emerenciano in 'Ir & Vir)