Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

22 dezembro, 2011

Perpassam vivas, gravemente alegres, junto de nós e dos que nós nem vemos

 
Era eu e era, então, uma menina e tinha os meus avós. Fiquei mulher e eles ficaram velhos. Um a um foram partindo. Depois foram também alguns tios. Vão indo. E alguns colegas. E alguns amigos. E os poetas. Um dia foram também Sophia e Eugénio. David já tinha ido - David que um dia escreveu que haveria sempre um lugar à mesa para quem muito se amou e que partiu mais cedo.

Vou andando por aqui, neste sítio tão azul, um céu imenso cobrindo um rio azul e uma cidade branca e as palavras vão voando à minha volta. Palavras alegres, luminosas que voam como aves brancas e livres.

Quem disse estas palavras que aqui voam brancas e leves, vivas e libertas? Sophia, Eugénio, David, Natália, e outros que alguns pensarão que estão ausentes. Não estão. As suas doces imagens perpassam neste local mágico, iluminam os nossos dias apagados, abrem os limites, desdobram os horizontes.

Junto a mim estão os ausentes, todos os ausentes, todos os que estão longe, todos os que a vida afastou de mim, está aquele que o meu coração ama. Ao meu lado voam os meus pensamentos, as minhas recordações, as palavras que os poetas disseram, as palavras que os meus queridos disseram, as palavras de doce sorriso que aquele que o meu coração ama um dia me disse.



[Depois do poema encontrará uma tocata e fuga, Bach, claro, um ser gravemente alegre, iluminado, de quem nasceu uma música absolutamnete luminosa]


Reflexo do Tejo, de Lisboa, do Tejo numa janela no Ginjal e a sombra de alguém que passa


                              DOCES IMAGENS QUE PASSARAM. ERRAM
                              ao nosso lado, deste lado ausentes.
                              Perpassam vivas, gravemente alegres,
                              junto de nós e dos que nós nem vemos.
                              E, contudo, de não as vermos surgem.
                              Cumprem os movimentos luminosos
                              da sua natureza, que os oculta
                              ao pesadume material dos olhos.
                              Não obstante, sabemos que as imagens
                              alegremente ao nosso lado vivem
                              e, com certeza, pacientes sabem
                              condescender com os limites,
                              embora imponham a evidência grave
                              que a ordenação não omite.
                              Passam. Perpassam aqui perto. Trazem
                              um mundo a iluminar-se e que os exige.


                              ('Doces imagens que passaram' de Fernando Echevarría in 'In terra viventium')

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