Ninguém chama por ti. Ninguém te espera. Vais até onde os passos te levam que o coração ficou para trás, naquela casa velha, paredes caídas, janelas exangues.
Caminhas e ninguém te acompanha, ninguém fala contigo. Vais por este caminho que não te leva a casa nenhuma, que não te leva a ninguém. Vais rente a estas outras casas, casas vazias, casas desoladas, e tentas ouvir uma riso, uma voz, um gemido que seja. Nada. Ninguém. As vozes ausentaram-se destas casas há tanto tempo. Encostas-te mais, talvez das paredes venham segredos, um sussurro, uma respiração. Nada.
Então, começas, sozinho e quase silente: dá-me, meu deus, um sorriso, dá-me, meu deus, o calor de uma mão, dá-me, meu deus, uma luz, uma voz, dá-me, meu deus, algum alento, não me deixes aqui sozinho, meu pai, dá-me um rosto que se debruce sobre o meu, dá-me, meu pai, um olhar que me aqueça, dá-me, senhor, uma casa onde alguém me espere. Por aqui vou, meu pai, ao longo da margem deste rio e vou exausto, tão exausto, meu deus, tão exausto, dá-me senhor alguma ilusão, alguma alegria. Dá-me, senhor, uma mão que limpe estas lágrimas que me queimam, dá-me, senhor, um carinho, um qualquer afecto, estas paredes estão caídas, estas casas estão mortas, a minha casa está tão triste, meu pai.
E, então, sentes um afago ligeiro no rosto. Sorris. Com a tua mão sentes o teu rosto que tão suavemente foi acariciado. Sabes que foi o vento, outra pessoa diria que foi apenas o vento. Mas que mal tem?
E então, acompanhado pelo vento, caminhas mais feliz, já não vais tão sozinho.
[Não deixe de buscar o som de deus nos violinos de Bach. Está logo a seguir ao poema de José Bento]
No Ginjal, casario velho, abandonado, o Tejo bem vivo e alguém que olha |
Uma estrada, um carreiro
inscrito por passos que o não lembram;
um beco denso chama
ao segredar que não virá ninguém.
Aí mantém-se a casa,
apesar de tão ausente em anos
de estar e não estar
senão com o dono, como errante.
Onde vozes e luzes
se conciliam a cingir os dias;
e palpitante, a sombra
prolonga quartos, orações, vigílias.
Margem de um rio exausto,
esse domínio jaz incerto
com astros, ervas, sangue,
cifras para interrogar ou prescrever.
Ao findar essa estrada
outra começa, e um descampado;
onde se tentam vagas
passadas a conduzir a um acaso.
Se um apelo nos laça,
talvez venha de lá, mas sem um nome
a trazê-lo com rosto.
E só nos move o longo vento ao longe.
(Poema 69, 'a Ricardo Defarges' de José Bento in Sítios)
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