Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

27 dezembro, 2011

O pulsar das palavras

  
Subo estas escadas que não levam a lado nenhum. Fico mais perto do céu, mais perto das aves que esvoaçam por aqui. Vejo o rio em toda a sua largueza, vejo a branca e luminosa cidade. Estas escadas são brancas e alguém, nelas, desenhou o céu e as nuvens.

Uma vez ali, olho à volta e digo 'daqui solto as palavras, daqui as deixo voar'.

Umas vezes vejo-as a voar, a elevarem-se nos ares. Mas, outras vezes, elas caem, rodopiam rente ao chão, mergulham no rio, afogam-se. Então chamo por elas, 'voltem, voem, afaguem-me, afagem o meu amor, afaguem aquele gato, afaguem aquele velho que ali olha o horizonte, voltem, voltem' mas elas, nesses dias, têm uma densidade que não lhes permite voar, o seu peso arrasta-as para o interior da terra, para o fundo do mar.



[Continuamos com Beethoven e a sonata para violino e piano, já ali abaixo, deixa-nos ver o contraste entre densidade e leveza]



No jardim do Ginjal, escadas para o céu
(e para ver melhor o Tejo e Lisboa)

                                    O pulsar
                                    das palavras,
                                    atraídas
                                    ao chão
                                    desta colina
                                    por uma densidade
                                    que palpita
                                    entre
                                    a cal
                                    e a água,
                                    lembra
                                    o das estrelas
                                    antes
                                    de caírem.


                                    ('VII. Micropaisagem' de de Oliveira in Trabalho Poético)

 

2 comentários:

  1. ou o efeito da gravidade que as palavras tambem devem sofrer. O das estrelas cadentes é antes atração, talvez a atração tambem tenha efeito nas palavras. Mas de tudo isso resultou um instante poetico

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  2. Caro Patrício,

    Já lhe disse que gosto dos seus comentários?

    São inteligentes, ao mesmo tempo pragmáticos e poéticos. Gosto. E deixam-me sempre a pensar (e a sorrir).

    Obrigada, meu Caro!

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