Sim, fui-me dedicando sucessivamente, sobretudo no plano literário, a fazer muitas coisas e muito variadas. Comecei pela poesia, depois fui para a crítica, para o ensaio, para a ficção, entretanto passei para a polémica. Mas não deixei de fazer um conjunto de actividades ligadas à vida prática de todos os dias. Não conseguia entender-me só no plano de nefelibata a pensar na minha escrita. Tinha que ter uma base concreta.
Hoje a minha escrita não tem o propósito, de um modo geral, de ir buscar esses materiais [escritos há 50 anos]. Se têm que surgir, eles emergem naturalmente. Há 50 anos talvez eu tivesse um pedantismo um pouco mais sofisticado e procurasse mostrar que conhecia isto ou aquilo. Hoje isso não me preocupa absolutamente nada.
Gaivota levanta voo na beira do Tejo, no Terreiro do Paço em Lisboa |
relembro o que escreveu: as suas rimas
nítidas de aço e dúcteis como a pele,
encontros, desencontros, corpos que ele
despia e enredava nas esgrimas
de angústias e palavras (aproxima-as
o jogo aliterado mas cruel
do cursivo do tempo no papel
a amalgamar memória e tensos climas)
e o perseguido amor em seus contrários,
como um rosto perdido que era o seu
procurando o fulgor e o sentido
que outros rostos lhe davam e esses vários
relances em que acaso apercebeu
que era ele e não era, reflectido.
*
- Os dois primeiros parágrafos fazem parte da entrevista que Vasco Graça Moura concedeu a Ana Sousa Dias para a Revista Ler em Janeiro de 2014
- O poema é David (no capítulo Mortes) do Volume I da sua Poesia Reunida
- O primeiro vídeo mostra um excerto da presença de Vasco Graça Moura com Fernando Alvim no 5 para a Meia-Noite em que lê parte de uma poesia sua na qual refuta ser o autor de 'O segredo do meu pipi'
- O segundo vídeo mostra-o falando do Livro da Sua Vida para Ler Mais, Ler Melhor - Os Lusíadas de Luís Vaz de Camões