Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

19 dezembro, 2013

As palavras nuas que o silêncio veste


Que o silêncio desça sobre o meu corpo como um lençol de seda macia. Ou que toque ao de leve a minha pele como um corpo de homem pedindo para ser amado. Que as palavras que nasçam sejam apenas as mais límpidas, as mais verdadeiras e que a erva, as flores, as árvores sejam sempre muito puras, de um verde muito lavado e fresco e que os pássaros se cheguem a mim como se eu fosse sua irmã.

Que eu me sinta sempre desejada, querida, próxima de tudo o que é natural e limpo: a terra, o mar, o céu, os pássaros, os gatos, as pedras, a luz, as nuvens, a maresia, o suave silêncio, o doce abraço, o carnal beijo.


Pequeno pássaro passeando no Jardim do Ginjal

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As palavras mais nuas
as mais tristes.
As palavras mais pobres
as que vejo
sangrando na sombra e nos meus olhos. 
Que alegria elas sonham, que outro dia,
para que rostos brilham? 
Procurei sempre um lugar
onde não respondessem,
onde as bocas falassem num murmúrio
quase feliz,
as palavras nuas que o silêncio veste. 
Se reunissem
para uma alegria nova,
que o pequenino corpo
de miséria
respirasse o ar livre,
a multidão dos pássaros escondidos,
a densidade das folhas, o silêncio
e um céu azul e fresco.

['Poema' de António Ramos Rosa dito por Diogo Fernandes] 


2 comentários:

  1. As palavras nuas que o silêncio veste desnudam-se de novo quando falam.
    Bom fim-de-semana

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    1. Exactamente. Um amigo meu advogado sempre me disse que o conselho que dá aos clientes é que não escrevam porque, quando escrevem, despem-se.

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