Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

22 dezembro, 2013

Por isso temos braços longos para os adeuses, mãos para colher o que foi dado, dedos para cavar a terra.


O que é essencial - mesmo que o essencial se perceba apenas entre uma fresta, por um breve momento, por um gesto, por uma palavra,por  uma imagem quase invisível. Mesmo que mais ninguém perceba.

Nem luzes, nem artifícios, nem votos de circunstância. Nem alegrias encenadas, nem subversão dos motivos originais. Apenas o silêncio. Apenas a compreensão das limitações e da transitoriedade, apenas o apreço pelo milagre da vida.

E um espaço para recordar os que se foram, os que ajudaram a ser quem somos e que, achando que já tinham comprido a sua missão, partiram.

E a vontade de agradecer os que, entretanto, chegaram e, puros e felizes, têm vindo juntar-se a todos quantos estão unidos pelo coração.

Natal. Pouco mais que isto, não é?


Presépio feito com sacos, plásticos, caixa de papelão, redes, orégãos e um Menino Jesus - numa rua de Cacilhas





Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.

['Poema de Natal' de Vinicius de Moraes dito por Camila Morgado e Ricardo Blat]


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