Mil rostos, mil nomes, mil identidades.
Numa ilha, numa casa perdida no mundo, inventando personagens, sem leme, sonhando com os deuses que habitam memórias muito antigas, construindo segredos, vive aquele que por vezes acredita que não existe. Não sabe se as feridas que recorda são suas, se dos lobos que cruzam as noites tristes, se dos personagens solitários que atravessam as madrugadas em busca do silêncio. Não interessa: são feridas intactas para as quais não há consolo.
Os nervos adormecidos, as lágrimas esvaídas, as mãos sem força, o coração falando uma língua estrangeira, ele segura a taça vazia na qual se reflecte um corpo indefinido, desconhecido, um corpo que vem de um outro tempo, de uma terra desconhecida e longínqua, um corpo feito de palavras nuas, inexistentes.
Para que tu existas
com todos os teus nervos
como linhas de força
empunho a minha ferida
como se fosse um leme
Os segredos mais vivos
assomam-se a um rosto
onde sonham as ilhas
onde crescem as taças
dos deuses terrestres
[De António Ramos Rosa in 'A intacta ferida']
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Como sempre, fiz as fotografias no Ginjal
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