Ginjal e Lisboa

Ginjal e Lisboa

22 julho, 2019

A poucos é dado conhecer o inimigo, o duplo




Um jogo. Uma respiração que se pressente, uma inquietação latente. Um desafio que vai e vem e vai e vem. O espelho e o espelho. A imaterialidade das palavras como instrumentos de um jogo de espelhos.
Eu avanço, tu avanças, eu avanço, tu recuas, eu recuo, tu avanças. Uma dança que talvez seja infinita. Eu provoco, tu reages, eu desafio, tu perguntas, eu não respondo, tu quase adivinhas, eu dou pistas, tu não as queres ver, eu escondo, tu espreitas, eu disfarço, tu arriscas.
E, agora que escrevo, tu que tudo sabes, diz-me: escrevi como se fosse eu ou como se fosses tu? Quem é o duplo nesta história? Eu? Tu?

Adivinha.

Olha, e se eu te dissesse que sei? E se te dissesse que sei quem está atrás de todas as máscaras? E se te dissesse que podes continuar a jogar, a fazer de fantasma, a aparecer como um nobre chevalier, como um trobadour ou como um lobo solitário que saberei sempre quem se esconde sob os mais diversos disfarces?

Não é preciso grande fé, sequer a little leap of faith, porque, de facto, não passa de um tiny, frivolous mystery. Conheço a tua respiração. 

Há quanto tempo? Há quantos anos? 

E, no entanto, dear ghost, há a questão da verdadeira chave que permitiria descodificar as palavras escritas no vento, que permitiria arrancar a máscara ao duplo para que o verdadeiro rosto aparecesse, que permitiria perdoar o inimigo que um dia...

Tento recuar. Qual o dia? Qual a palavra? 

Tento reconstruir a cartografia de desencontros embora saiba que não há coordenadas que possam verdadeiramente explicar esta sinuosa dança. O tempo esbate os dias, as palavras, a semente de tudo; mas não interessa. São dois mundos paralelos, jamais se encontrarão, tu sabes.

Tantas vezes parecemos não perceber que há ecos que se propagam até ao infinito sem que nunca encontrem o que esteve na sua origem.

Mas assim é, assim será. E a chave que descodificaria de vez todo o enigma, dear ghost, believe me, I will never use it, never ever. 


Estas palavras são o eco de uma outra coisa
que provavelmente nunca encontrarás.
A poucos é dado
conhecer o inimigo,
o duplo,
o que espera por nós (quase sempre em vão) até ao fim.

Fantasma adiado,
só ele tem a chave
deste jogo.


['Ainda a poesia' de Luís Filipe Castro Mendes in 'Lendas da Índia']


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As fotografias, como sempre, foram feitas por mim no Ginjal

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